Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP
Século XIX: Segunda metade. Brasil na era das máquinas e das grandes invenções. Telégrafo, caminhos de ferro e telefone. A cotonicultura progride com a Guerra da Secessão. Com a borracha e o cacau, o polo econômico volta-se para o Norte e o Nordeste. Barões da borracha e suas extravagâncias. Malgrado o progresso e o café, São Paulo mantem-se atrasada
A Guerra do Paraguai (1864-1870) trouxe sérias consequências econômicas e sociais para o Brasil, obrigando à tomada de empréstimos externos para manter a balança comercial. A guerra serviu para mostrar ao mundo que o país era, além de Cuba, o único onde ainda existia escravidão. Seu exército era composto por ex-escravos e outros indivíduos de classe miserável, que se alistavam procurando, nas batalhas, sua ascensão social. Os oficiais, geralmente oriundos de classe mais qualificada, sentiram-se fortalecidos pelas sucessivas vitórias, passando a defender o fim do império e a atuação mais efetiva do exército como única instituição capaz de salvar o país da desordem, das fraudes eleitorais, da anarquia política e do caos econômico.
Mas os problemas sócio-econômicos já vinham de longa data. A desastrosa situação da economia brasileira, herdada por Pedro II de seu avô e de seu pai, foi durante toda a primeira metade do século XIX baseada na agricultura de exportação (acúcar, algodão e tabaco), que sofria séria concorrência internacional. A indústria, com exceção de algumas poucas (metalúrgica e têxtil, principalmente), tinha sérias restrições impostas pela Inglaterra.
O alto custo dos escravos, após ter-se proibido o tráfico, teve como consequência a redução da produção agrícola. Desde a Independência, as importações suplantavam as exportações. O próprio reconhecimento da liberdade havia inflacionado o país, pois, para reconhecê-la, Portugal exigiu o pagamento de dois milhões de libras esterlinas, em 1825, e a Inglaterra condicionou-a à renovação dos tratados de 1810, além de vantagens alfandegárias. A moeda desvalorizada, a emissão de dinheiro sem lastro metálico, e o deficit permanente na balança comercial obrigavam à tomada de empréstimos no exterior.
Várias medidas postas em prática no Segundo Império beneficiam o país. Em 1844, novas tarifas algandegárias encarecem as mercadorias importadas, beneficiando a indústria nacional. O primeiro surto industrial ocorre em 1850, com a emissão de papel moeda e maior aplicação de capital na indústria (de fiação, tecelagem e alimentícia), principalmente por traficantes de escravos, após a extinção do tráfico negreiro.
A Revolução Industrial na Europa e nos Estados Unidos, com suas fumegantes máquinas a vapor, e os progressos com a eletricidade e o magnetismo, que permitiram aperfeiçoar o telégrafo, em 1844, por Morse, e inventar a lâmpada incandescente, em 1879, por Edison, começam a ter efeitos no Brasil.
Foi no Brasil, mais precisamente em Campinas, em 1833, que o francês Hercule Florence cria a palavra “fotografia”, para designar uma de suas descobertas, fazendo do país um dos pioneiros da arte fotográfica, pelo uso de câmara escura. Por volta de 1860, chega ao Brasil a técnica do colódio úmido (negativo feito sobre placas de vidro sensibilizadas com solução química), que melhora a qualidade do negativo, fazendo proliferar os estúdios de retratistas, principalmente alemães, nas principais cidades brasileiras. Pedro II foi grande incentivador da fotografia como arte, sendo responsável pela preservação de grande parte de nossa memória visual do século XIX. Com isso, a pintura sofre sério revés.
Os primeiros navios a vapor (paquetes), que aos poucos iam substituindo os veleiros no transporte de cargas, correspondências e passageiros da França e da Inglaterra para o Brasil, começam a chegar ao país em 1840. Além de velas, tinham rodas laterais acionadas por motores a vapor. Hélice propulsora só seria inventada mais tarde. Navios a vapor passam também a percorrer rios brasileiros, no Amazonas e no Rio Grande do Sul, graças ao Barão de Mauá.
As comunicações que antes se faziam por mensageiros a cavalo, passam a ser feitas por correios, sendo que em 1º. de agosto de 1843 são emitidos os primeiros selos postais brasileiros, denominados “olhos de boi”, nos valores 30, 60 e 90 réis. Tais selos são considerados a segunda emissão filatélica na história postal do mundo, precedida apenas por aquela do selo “Penny Black”, lançado pelo serviço postal inglês.
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Em 1843, são emitidos os primeiros selos postais brasileiros, denominados “olhos de boi”, nos valores 30, 60 e 90 réis. Tais selos são considerados a segunda emissão filatélica na história postal do mundo, precedida apenas por aquela do selo “Penny Black”, lançado pelo serviço postal inglês. “Olhos de boi”. |
Em 1852, é inaugurado o telégrafo no Brasil, ocasião em que se faz a primeira ligação oficial, por intermédio do novo meio de comunicação, entre o Quartel-General do Exército, no Rio de Janeiro, e a Quinta da Boa Vista, no Palácio de São Cristóvão. O primeiro cabo telégrafo entre o Rio de Janeiro e a Europa foi instado por iniciativa do Barão de Mauá.
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Em 1852, é instalado o telégrafo no Brasil, ocasião em que se faz a primeira ligação oficial por intermédio do novo meio de comunicação, entre o Quartel-General do Exército, no Rio de Janeiro, e a Quinta da Boa Vista, residência oficial de D.Pedro II. O Palácio de São Cristóvão também receberia, em 1879, o primeiro telefone a operar no Brasil. Quinta da Boa Vista e Paço de São Cristovão. Litogravura-aquarela de Karl Robert Von Planitz. !836-1840. |
O primeiro caminho de ferro do Brasil, ao contrário do que se pode pensar, não foi construído por ingleses, mas por um brasileiro — o Barão de Mauá. A “Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro Petrópolis” (Estrada de Ferro Mauá) começa em 1854, ligando Porto da Estrela ao pequeno povoado de Fragoso, não muito distante de Petrópolis, onde ficava o palácio de verão do imperador, tendo extensão de 14,5 km.
Desde 1835, a Assembléia Provincial do Rio de Janeiro havia concedido privilégios, por quarenta anos, à companhia que se dispusesse a construir um caminho de ferro ligando o Rio de Janeiro às províncias de São Paulo e de Minas Gerais. No dia da inauguração da Estrada de Ferro de Petrópolis (1854), chega ao Porto da Estrela o barco que trazia D. Pedro II, nobres e ministros; após o desembarque, duas filas de pessoas se formam ao longo do trajeto por onde o imperador e a imperatriz passam, saudando a todos. Ao bispo coube a missão de batizar a “Baronesa”, a primeira locomotiva do Brasil, importada da Inglaterra. Desde então, os trilhos passam a substituir os caminhos poeirentos, e os vagões, as tropas de mulas.
A viagem pela Estrada de Ferro Petrópolis começava no cais da Prainha, no centro do Rio de Janeiro, a bordo do vapor Guarani, terminando no Porto da Estrela, no outro lado da baía da Guanabara, onde se situava a estação inicial da ferrovia. O barco atracava num píer, onde ficava à espera da composição puxada pela “Baronesa”. Ao final do trecho ferroviário, os passageiros pegavam carruagens em direção ao centro de Petrópolis. A passagem custava 1.500 réis, mas os mais pobres — assim identificados os que andassem descalços — pagavam apenas 500 réis.
Em 1856, o grande empresário Mauá inaugura a “União e Indústria”, a primeira estrada pavimentada do país, entre Petrópolis e Juiz de Fora. Entrementes, os veículos de tração animal, como as carruagens, que transitavam por estradas, não podiam competir com os trens, de modo que as rodovias só se expandiriam no século XX, com o aparecimento dos automóveis e dos caminhões.
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O primeiro caminho de ferro brasileiro foi construído pelo Barão de Mauá, o primeiro grande empresário e industrial do país. A “Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro Petrópolis” (Estrada de Ferro Mauá) começa em 1854, aberta com trabalho de escravos. Estrada de Ferro Mauá, segunda metade do século XIX. Autor desconhecido. |
Outros caminhos de ferro surgiram depois, sempre sob a influência do gaúcho Irineu Evangelista de Sousa, Barão de Mauá: Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II (depois Central do Brasil), em 1858, no Rio de Janeiro, tendo 48,2 km de extensão; Recife e São Francisco Railway, em Pernambuco, em 1858; a “São Paulo Railway Company Limited” (depois Estrada de Ferro Santos-Jundiaí), em 1867, em São Paulo, a maior delas, com 139 km. Vieram mais tarde as companhias Paulista (1868), Sorocabana e Ituana (1870) e Mogiana (1872), e outras mais, no Rio Grande do Sul, Minas e Paraná. O objetivo principal das ferrovias era o escoamento das safras, principalmente de café.
Em 1876, nos Estados Unidos, Alexander Grahan Bell inventa o telefone. Em exposição internacional, onde o inventor expunha seu invento, D. Pedro II, que visitava o local, teve papel decisivo para a aceitação da novidade tecnológica. Para demonstrar seu funcionamento, Grahan Bell estende um fio de um canto a outro de uma sala, dirige-se ao transmissor e coloca D. Pedro na outra extremidade. O silêncio é total. D. Pedro tinha o receptor no ouvido quando exclama, num repente: “Meu Deus, isto fala!” Menos de um ano depois da exposição, já estava organizada, em Boston, a primeira empresa telefônica do mundo. Pouco depois, em 1879, no Rio de Janeiro, instala-se o primeiro telefone no Brasil, especialmente construído para D. Pedro II nas oficinas da “Western and Brazilian Telegraph Company”. A instalação foi feita no Palácio de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, hoje Museu Nacional. Não tardou a surgir a Cia. Telefônica Brasileira. Em 1883, estava pronta a primeira linha interurbana, ligando o Rio de Janeiro a Petrópolis.
Na agricultura, a Guerra da Secessão americana (1861-1865) beneficia a cotonicultura brasileira. A valorização da borracha, após a descoberta do processo de vulcanização (1842) e do seu uso no revestimento de rodas de veículos (1850), e a invenção do pneumático (1890), fez dela uma das principais matérias primas das indústrias. A grande demanda de borracha fez com que os imensos seringais da Amazônia começassem a ser explorados de forma rápida e intensa, nos moldes do café no Sul do Brasil. Em 1880, a Amazônia exportava sete mil toneladas de borracha, aumentado para dezessete mil toneladas em 1887 (34.500 t entre 1907 e 1910) a um valor de 220.000 contos de réis ou 13.400.000 libras esterlinas ouro, representando vinte e oito por cento das exportações brasileiras.
A nova riqueza atrai muitos aventureiros em busca de fortuna rápida. Com técnicas primitivas, muitas árvores não resistem ao regime intenso de exploração e sucumbem. Assim, por analogia ao raciocínio dos barões do café, de que havia terras abundantes sob matas sem fim, os barões da borracha também foram levando devastação aos seringais, do Pará ao Amazonas e ao Acre.
A antiga cidade de Belém (1616), por onde se escoava a borracha, rapidamente se moderniza, com levas de imigrantes europeus (portugueses, franceses e espanhões) e asiáticos (chineses e japoneses). Palácios suntuosos são construidos e o Teatro da Paz (1878) torna-se palco de apresentações que só se viam na Europa. A cidade chega a ter 170.000 habitantes, com requintes que não se viam nas mais ricas cidade do ciclo do café, no Sul do país: iluminação elétrica, bondes elétricos, água encanada, redes de esgoto, avenidas traçadas sobre pântanos aterrados, além de imponentes edifícios e palacetes, em estilo europeu.
Do meio da selva, a esquecida Manaus (1669) ressurge com explendor inimaginável, rapidamente chegando a ter 70.000 moradores. Com o mundo voltando suas atenções para ela, a “Paris das Américas”, como passou a ser chamada, torna-se o centro da comercialização da borracha, passando os barões da borracha a financiar imponentes construções.
Era tal a extravagância trazida pelo dinheiro que se acendia charutos havana com notas de contos de réis, e se tomava banhos de champanha francês. Em 1880, era inaugurado o Mercado Municipal, com pavilhões em estilo “art nouveau”, importados da Europa; em 1896, erguia-se o Teatro Amazonas que, por duas décadas, recebe óperas, orquestras e grandes artistas internacionais, dentre os quais Enrico Caruso. Foi uma das primeiras cidades a ser urbanizada no Brasil e a primeira a possuir energia elétrica. Surgem novas praças, ruas, avenidas, pontes metálicas e um porto flutuante. Enquanto todas as grandes cidades brasileiras viviam quase de modo rural, em Manaus já existia luz elétrica, redes de água encanada e de esgoto, e bondes elétricos. Em 1902, chegava o primeiro automóvel, importado da França.
Com o sonho de enriquecer, milhares de imigrantes brasileiros instalam-se nos seringais, principalmente nordestinos, fugitivos das secas. Estrangeiros de várias nacionalidades fazem intercâmbio econômico entre Manaus, os seringais e os grandes centros industrializados da Europa e dos Estados Unidos. Na fronteira com a Bolívia, ocorre a incorporaçao do Território do Acre, que logo se povoa, chegando a ter 50.000 habitantes. Em 1912, a produção do país chegaria ao zênite: 42.000 t, mais de quarenta por cento das exportações do país, contra outros quarenta por cento do café. Entrementes, tal qual castelo de cartas, logo em seguida vem o declínio, com as plantações asiáticas de borracha.
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Do meio da selva, a esquecida Manaus (1669) ressurge com explendor inimaginável, rapidamente chegando a ter 70.000 moradores. Com o mundo voltando suas atenções para ela, a “Paris das Américas”, como passou a ser chamada, torna-se o centro da comercialização da borracha, passando os barões da borracha a financiar imponentes construções. Manaus, em cartão postal do início do século XX, com bonde que ia até a Alfândega. |
A velha aristocracia baiana, dos coronéis do açucar, decadente desde o ciclo do ouro de Minas Gerais e do café de São Paulo, volta a resplandecer, embora sem a esplendor do passado, graças a uma planta trazida da Amazônia para o sul da Bahia: o cacau. Com o crescente consumo de chocolate na Europa e nos Estados Unidos, tem início, em 1880, quase que simultaniamente com o ciclo da borracha, o ciclo do cacau, surgindo a figura dominadora dos coronéis do cacau. Nesse ano, as exportações eram de 1.668 t, aumentando rapidamente ao longo dos anos seguintes, chegando a 13.130 t em 1905 e 44.380 t em 1915, com o Brasil sendo o segundo maior produtor mundial. Com isso, Salvador volta a ser cidade de rápido progresso.
Enquanto Belém, Manaus, Salvador e a capital do Império, Rio de Janeiro, se modernizavam, adquirindo fisionomia europeia, com suntuosos edifícios, iluminação elétrica ou a gás, bondes elétricos ou puxados por burros, carruagens e berlindas de quatro rodas, tracionadas por juntas de cavalos, veículos esses que exigiam ruas mais largas e melhor pavimentação para se locomoverem com maior velocidade, São Paulo, a capital dos intrépidos paulistas, de cafezais sem fim, e de magníficas fazendas, de sedes monumentais, no estilo europeu, permanecia uma cidade feita de taipa, economicamente pobre e com feições predominantemente coloniais.
Nesta época, a população paulistana era de vinte e três mil moradores, muitos dos quais estudantes da Academia de Direito (Faculdade de Direito do largo de São Francisco), escravos de famílias que os acompanhavam, e fazendeiros que passaram a viver na capital da província. Além da falta de divertimento e de espaços de lazer, não havia abastecimento regular de água potável, e as ruas, além de muito escuras à noite, tinham péssimos calçamentos, feitos com pedras mal aparelhadas e irregulares. Até o final do século XIX, São Paulo não passava de “uma vila provinciana, acanhada e sonolenta.”
Queixava-se, em 1870, um presidente ao inspetor de obras: “a capital da Província não tem iluminação que preste, não tem água para satisfação dos habitantes, não tem praças ornadas, chafarizes, monumentos ou edifícios públicos.” Quanto ao transporte, as pessoas precisavam alugar tílburis (carros de aluguel de duas rodas, puxados por um cavalo) ou carros de boi, para perfazerem grandes distâncias. Pouco mais tarde, ainda no Império, trafegaram os primeiros bondes de tração animal na cidade. Eram carros pequenos, abertos, com capacidade de três bancos e nove assentos, importados dos Estados Unidos. A primeira linha (1872) ligava a Sé à Estação da Luz. A cidade só despertaria com o café.
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Enquanto a capital do Império se modernizava, adquirindo fisionomia europeia, com iluminação a gás, bondes puxados por burros, São Paulo permanecia uma cidade feita de taipa, economicamente pobre e com feições predominantemente coloniais. Rio de Janeiro (acima) e São Paulo (abaixo) em fotografia de 1862. Autores não identificados. |
A maior riqueza durante todo o Segunda Reinado, de Dom Pedro II, vem, entretanto, do café da província de São Paulo, que lidera as exportações brasileiras, com volumes duas vezes maior do que o segundo produto: o açucar.
Continua.
Referência.
Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.