Pesquisar neste blog

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista: Parte 17. Os barões do café e suas fantásticas histórias, riquezas e poderes.

Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP

Baronato. Silva Prado: os maiores produtores de café do mundo. Fazenda Brejão: a primeira do sertão a ter cultivo de café. Dona Veridiana: precursora do feminismo. Barão de Casa Branca. Rapto de uma donzela. Pelos trilhos da Mogiana, o café gera progresso e traz o Imperador para inaugurar a ferrovia.


No Brasil, como em Portugal, o baronato servia como ostentação de poder político entre a elite, notadamente entre os fazendeiros. A partir do Segundo Império e o ciclo do café, são os grandes cafeicultores que passam a ostentar tais títulos, ficando conhecidos como barões do café. O baronato legitimava o poder local, da mesma forma dos coronéis da Guarda Nacional (que seria extinta em 1911), fazendo-os intermediários entre o povo e o governo. Os títulos não eram herdados, tendo que se pagar vultosa monta pela honraria, mesmo se o filho de um barão quisesse perpetuar o título do pai. Por essa razão, os baronatos geralmente se restringiam a uma pessoa; no caso de haver mais de um nobre com o mesmo título, raramente pertenciam à mesma família. Os barões do café eram mais comuns entre os fazendeiros do vale do Paraíba e do Rio de Janeiro, não sendo de muita importância entre os cafeicultores do Oeste Paulista. O baronato existiu até o advento da república, para a qual muitos barões deram seu apoio, principalmente após a abolição da escravatura, sendo dois dos principais focos da insurgência as vilas de Itu e de Sorocaba.

Em 1864, uma notícia corre célere por entre as ruas bem traçadas de Casa Branca. A fazenda Brejão fora vendida. Seu comprador não era outro senão Martinho da Silva Prado, paulistano da mais alta estirpe, primo meio-irmão de Antônio da Silva Prado, Barão de Iguape, que fez fortunas com o café, tornando-se um dos homens mais rico de sua época. Sua riqueza anterior vinha do açúcar e do que ganhava como coletor de impostos em São Paulo. A esposa de Martinho, Veridiana da Silva Prado, filha do Barão de Iguape, foi escolhida por seu pai, quando tinha apenas treze anos de idade, para ser a companheira eterna de Martinho, seu primo meio-irmão. O destino mudaria seus planos. Quando os filhos de Viridiana chegaram à idade adulta, ela escandaliza São Paulo com uma inusitada decisão: resolvera separar-se de Martinho, assumindo a chefia da família, invertendo o rígido sistema patriarcal vigente. Inconformista e incentivadora do desenvolvimento cultural, artístico e político muda-se para um palacete em 1848, que ficou conhecido como Chácara Dona Viridiana, onde se reuniam artistas e intelectuais.

Martinho da Silva Prado, paulistano da mais alta estirpe, primo meio-irmão de Antônio da Silva Prado, Barão de Iguape, acaba se tornando genro dele, ao se casar com Veridiana da Silva Prado. Martinho adquire a fazenda Brejão, em Casa Branca (Santa Cruz das Palmeiras), no ano 1864, dando início à cafeicultura na região. Barão de Iguape, Antônio da Silva Prado (Foto da família Silva Prado).


Fazenda Brejão. Tulha, casa de beneficiamento e terreiros de secagem com muros de arrimo. Foto de autor desconhecido.

Na fazenda Brejão, na região de Casa Branca (a freguesia comprendia grande área, hoje formada pelos municipios de São José do Rio Pardo, São Sebastião da Grama, Vargem Grande do Sul, Santa Cruz das Palmeiras, Mococa, Tambau) Martinho introduz a cultura do café, montando toda infraestrutura para plantio e processamento dos grãos. Além dessa fazenda, desbrava muita mata virgem para implantar outra, a Santa Veridiana, também em Casa Branca, que, em 1866, tornar-se a primeira a oeste de Mogi Guaçu a dedicar-se ao cultivo de café. Com a criação, em 1881, da freguesia de Santa Cruz das Palmeiras, desmembrada da agora cidade (1872) de Casa Branca, ambas as fazendas passam a fazer parte do novo povoamento.

Para implantar as áreas produtivas, Martinho teve a ajuda dos filhos o conselheiro Antônio da Silva Prado e o doutor Martinho da Silva Prado Júnior, este abolicionista, advogado, conhecido como Martinico Prado, que se torna o maior produtor de café de São Paulo, e um dos homens mais ricos do país. Seu irmão Antônio foi deputado estadual, ministro da Agricultura, senador e prefeito da capital. Com duas propriedades rurais na região de Ribeirão Preto (Sertãozinho), as fazendas São Martinho (comprada) e Guatapará (formada), os irmãos Silva Prado foram, por certo tempo, os maiores produtores de café do mundo.

Antiescravagista, culpando o Imperador D. Pedro II de ser o responsável pela escravatura, que, segunda dizia, era um “cancro horrível que arrasta a nossa sociedade para um abismo”, Martinico, além de defender o fim da escravidão, iniciou campanha pela vinda de imigrantes europeus, fundando, em 1886, a Sociedade Promotora da Imigração. No ano seguinte, embarca para a Itália a fim de definir critérios para o embarque de trabalhadores para São Paulo, a partir do porto de Gênova. Em 1888, a Leia Áurea põe fim à escravatura no Brasil.

Com duas propriedades rurais na região de Ribeirão Preto (Sertãozinho), as fazendas São Martinho e Guatapará, os irmãos Silva Prado foram, por certo tempo, os maiores produtores de café do mundo. Fazenda Guatapará, sua ferrovia. Acervo da família Silva Prado.
Muitas são as histórias de barões do café; a que narro, em seguida, é de Vicente Ferreira de Syllos Pereira, Barão de Casa Branca, de quem vim a ser trineto. Filho de um português de Braga, norte de Portugal, que viera para o Brasil em busca de riqueza, radicou-se em Caldas, passando depois para São João Del Rei. Em Casa Branca, para onde se mudou, Vicente chega com sua esposa Antônia Maria de Oliveira e um bebê de um ano. Tinha ele vinte e quatro anos de idade. Na freguesia da Casa Branca, conhece os Gonçalves dos Santos e os Nogueira de Barros, famílias de antigos povoadores do local. De Urias Emídio Nogueira de Barros aprende a arte do tropismo, que já praticava sem ter a experiência do famoso sertanista, agora com quarenta e dois anos de idade, iniciando negócio com mercadorias e tropas.


Por ocasião do batismo do primeiro neto do tenente Urias, ocorrido em janeiro de 1834, o jovem Vicente tivera com o tenente Urias interessante e surpreendente colóquio. Falando de Sorocaba, com seu sotaque lusitano pesado, aprendido de seu pai, confidencia-lhe segredo para o qual pede discrição de comentários. A seguinte história é por ele contada:

— Certa ocasião, no final de 1832 — disse ele — quando eu estava com uma tropa a negócios em Sorocaba, conheci Antônia Maria de Oliveira, por quem me apaixonei. — Com o tempo, ela me correspondeu com seu amor à distância. Porém, sem ter o concentimento do pai para poder sequer com ela conversar, por julgar-me imaturo e um desconhecido sem eira nem beira, “um pobretão filho de um reinol”, como me disse um dia, “que para cá viera em tempo recente para ganhar dinheiro e depois voltar rico a Portugal”, eu louco de paixão por ela e ela perdida de amor por mim, tomei decisão drástica: mandei raptar a donzela.


Face à surpresa e atenção do tenente àquela confissão tão dramática e tão inesperada, continuou Vicente:

— Assim foi que, em noite que fazia muito calor, mandei dois de meus camaradas de maior confiança buscarem Antônia Maria. — Vendo-a ainda acordada e sozinha no terraço dos fundos da morada, onde tomava fresca, os dois fieis vassalos cumprem a ordem que receberam, trazendo-a, a cavalo, a toda brida, até local isolado, onde eu os aguardava. Temendo a perseguição do pai da moça, rumamos na mesma noite para Caldas. E foi assim que Antônia Maria de Oliveira tornou-se minha esposa, casando-nos assim que chegamos.

Perplexo diante da espontânea narrativa do apaixonado e determinado jovem Vicente, o tenente Urias só consegue fazer breve comentário. Disse ele:

— São tão poucas e afortunadas as moças nestes sertões, que muito bem fazem seus pais em mantê-las fechadas a sete chaves, como as mais preciosas jóias que se pode ter...

Certamente pensava ele em suas filhas ainda solteiras, que deveriam ser muito bem protegidas, como a Coroa do Império, “antes que algum aventureiro lançasse mãos delas.”

Vicente e Antônia Maria casaram-se em final de 1832 e tiveram treze filhos. O café trouxe muitas riqueza para a família, conseguidas ao longo do tempo, pela produção de várias fazendas na região de Casa Branca e do comércio de materias e produtos para a lavoura.

No ano 1878, a cidade inicia período de grande prosperidade graças à rubiácea, com a Estrada de Ferro Mogiana chegando a Casa Branca, de onde partia o ramal do Rio Pardo, tornando-se entreposto comercial ainda mais importante. Em 1880, uma lei provincial concedia à Cia. Mogiana o privilégio para a construção de uma estrada ligando Casa Branca a Ribeirão Preto, passando por São Simão. Em 1882, inaugura-se o trecho de São Simão, e, em 1883, o de Ribeirão Preto. Todo o café desta rica região passa a ser escoado por Casa Branca.

Era o dia 15 de setembro de 1878, quando o imperador D. Pedro II chega a Casa Branca. Vinha para conhecer a cidade de tantas tradições históricas, inaugurar oficialmente a última estação construída da Mogiana, e dar um passeio pelas boçorocas, que, já por essa época, corroíam grande parte dos solos da cidade. O séquito imperial era constituído pela imperatriz Dona Teresa Cristina, o conselheiro João Lins Vieira Cansassão de Sinimbu, o Visconde do Bom Retiro, o Conde de Iguaçu, Carvalho de Moraes, o Barão de Maceió, o Barão de Pirapitingui, o Conde dos Três Rios, o conselheiro Antônio Moreira de Barros, e o Barão de Ataliba Nogueira, que depois se tornaria presidente da Cia. Mogiana.

O imperador, que estava em visita a São Paulo, de 11 a 14 de setembro, viria à Casa Branca no dia seguinte. O presidente da Província havia enviado ofício aos chefes do Partido Liberal casabranquense, solicitando que preparassem a recepção. Face ao pouco interesse deles, acabou-se apelando para o Partido Conservador, que atendeu prontamente à solicitação. Era chefe do Partido Conservador o tenente-coronel da Guarda Nacional Vicente Ferreira de Syllos Pereira, depois Barão de Casa Branca, que colocou sua residência para recepcionar os augustos visitantes. O Partido Liberal defendia os interesses dos senhores rurais e da classe média urbana sem envolvimento direto com a escravidão. Por sua vez, o Partido Conservador defendia a manutenção do domínio político das elites escravocratas rurais

Vicente tinha, por essa época, sessenta e oito anos de idade. Era próspero negociante em Casa Branca, morando em amplo e quase luxuoso solar, em meio à grande terreno, verdadeira chácara, onde ele plantara cerca de cem jabuticabeiras. No andar térreo ficava a casa comercial, e, no superior, a residência, com vários e amplos salões, à moda portuguesa.

Suas majestades chegam de trem à cidade, desembarcando às nove horas e vinte e cinco minutos no ponto terminal da Mogiana, sendo recepcionados por grande multidão de casabranquenses e de pessoas vindas de cidades circunvizinhas, desejosas de conhecer o imperador e especialmente a imperatriz, de origem siciliana, que as más línguas diziam ser de baixa estatura, manca e muito feia, a ponto de D. Pedro II, que se casara por correspondência, quase ter desistido do enlace, pretendendo inclusive mandá-la de volta à Itália. É o que corria de boca em boca em toda a província.

Tão logo desembarcam, dirigem-se de trole à residência do tenente-coronel Vicente, onde são acomodados, descansando por um quarto de hora. Logo após o breve repouso, o séquito dirige-se à Matriz de Nossa Senhora das Dores, o prédio mais suntuoso da cidade, indo em seguida conhecer uma boçoroca, nos subúrbios da cidade. Sua majestade é visitada por todos os conservadores de Casa Branca, visto a recepção dever-se quase exclusivamente a eles. A Câmara Municipal não comparece incorporada, como de praxe, por não ter sido convidada.


O tenente-coronel Vicente Ferreira de Syllos Pereira era próspero negociante em Casa Branca, morando em amplo e quase luxuoso solar No andar térreo ficava a casa comercial e, no superior, a residência, com vários e amplos salões, à moda portuguesa. Neste sobrado, o imperador D. Pedro II foi recepcionado em 1878. Barão de Casa Branca e Mariana Umbelina de Pádua Syllos, Baronesa de Casa Branca. Residência do Barão, em foto de 1912. Arquivos do Dr. Airton Dias Paschoal.
Após o almoço, Dom Pedro II e comitiva deixam Casa Branca à uma hora da tarde, embarcando em comboio na estação do Aterradinho. O coronel Vicente não pode assistir “ao bota-fora de ss.mm. porque lhe pregaram uma peça.” Honório de Syllos conta, no jornal Correio Paulistano (o primeiro de São Paulo e o terceiro do país), que os liberais, adversários políticos dos conservadores, roubaram o trole do tenente-coronel, impedindo-o de ir até o Aterradinho, que distava cerca de dois quilômetros da cidade, para despedir-se de suas majestades.

Eis a manchete dada pelo jornal paulistano, na ortografia da época:

Ladrão de Troly em Casa Branca.

O tenente-coronel Vicente Ferreira de Syllos Pereira foi victima de um gatuno que, na hora da partida de ss.mm. imperiaes para a estação, se apoderou do seu troly, dizendo ao cocheiro que o tomava com a autorização do sr. tenente-coronel. Incontinente o sr. tenente-coronel despachou gente após o gatuno; mas já era tarde, porquanto o esperto gatuno, tomando no troly, como passageiros, ao que nos consta, os drs. Babtista Pereira, Moreira de Barros, José Oscar e outros, que não se pôde conhecer, sahiu a toda brida, e, largando os passageiros, abandonou o troly na praça da estação − ficando, por esta forma, o sr. tenente-coronel Vicente e sua exma. família impossibilitados de acompanhar suas majestades à estação. È de nosso dever apresentar os signaes que se pôde colher do espertíssimo gatuno: branco, magro, alto, sem barba, e trajava sobrecasaca preta, collete preto, calça de casemira de cor, chapéo preto e botinas a Mellié. È de se suppor que o espertíssimo gatuno tivesse uma boa gorgeta para ...(ilegível).
Casa Branca, 16/10/78. O inimigo dos gatunos.

Vicente recebeu o título de Barão de Casa Branca pelo Decreto Imperial de 7 de maio de 1887. Não chegou a receber em vida a honraria, pois falecera no dia seguinte, dia 8 de maio de 1887, aos setenta e oito anos de idade, sendo sepultado na matriz da cidade.

Casa Branca teve três outros barões do café: o Barão de Monte Santo, Gabriel Garcia de Figueiredo; o Barão do Rio Pardo, coronel e comendador Antônio José Correia; e o Barão de Mogi Guaçu, José Caetano de Lima.
Continua.

Referência.
Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo II. Séculos XIX e XX. 403 p. Piracicaba, 2010.

2 comentários:

  1. Interessantíssimas estórias de nossa história. Parabéns pelos registros e pelas fotografias e buscas de fontes. Abraço. Christiano Jorge Santos, também descendente do Barão de Casa Branca, bisneto de sua filha Anna Augusta de Sillos.

    ResponderExcluir
  2. Muito pouco se tem escrito sobre os Barões da cidade de Casa Branca que foram três, Barão de Casa Branca, Barão do Rio Pardo, Barão de Mogi Guaçu e tento um quarto que recebeu o tituloa em Casa Branca o Barão de Monte Santo (titulo esse cobiçado por outros três pretendentes e acabou nas mãos do Gabriel Garcia de Figueiredo)

    ResponderExcluir