Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP
Século XIX. O café enriquece o Império e possibilita a ascensão paulista. Os caminhos de ferro substituem os caminhos dos tropeiros e os vagões, as tropas de mulas. De Santos a Jundiaí pela São Paulo Raiway. Os fazendeiros paulistas criam as ferrovias do café: Paulista, Sorocabana, Ituana e Mogiana. Valorização da mão de obra escrava e das terras de cultura.
A cafeicultura econômica teve no vale do Paraíba, fluminense e paulista, o seu inicio e sua maior expressão, enriquecendo o Império, os fazendeiros, os capitalistas, os comissários, os bancos e os comerciantes. O desgaste dos solos, a ambição acima da razão por parte dos barões do café e de seus descendentes, aliado a outros problemas, como o transporte caro por tropas de mulas e a existência de áreas mais favoráveis à cultura no sertão, levou à gradativa mudança do pólo econômico para o Oeste Velho (Jundiaí, Campinas, Itu, Sorocaba e Limeira), onde, desde 1836, existiam extensos cafezais, produzindo 12% do total (contra 85% do vale do Paraíba) e, a partir de 1854, para o Oeste Novo (Araraquara, Ribeirão Preto e toda a região limítrofe com Minas Gerais, inclusive o antigo Sertão do Rio Pardo), responsável por 8% da produção (contra 14% do Oeste Velho e 78% do vale).
A interiorização do cultivo, entretanto, só foi possível pela abertura dos caminhos de ferro, mais eficientes e seguros, o primeiro dos quais, com a finalidade de ligar o Rio com Minas e São Paulo, facilitando o escoamento das safras, foi a Estrada de Ferro “Dom Pedro II” (depois Central do Brasil), no vale do Paraíba, exportando-se o café pelo porto do Rio de Janeiro. Com o crescimento da produção no sertão paulista, outras ferrovias tornaram-se necessárias; o capital viria do ouro negro.
No período entre 1831 e 1840, o café assume a liderança das exportações do país, com mais de 43% do total. Em 1840, o Brasil torna-se o maior produtor mundial. Nos anos de 1871 a 1880, a rubiácea supera 56% do valor das exportações. Ao final do século XIX e início do século XX representaria de 65% a 70% do valor das exportações.
Para trasportar o café de São Paulo ao porto de Santos surge a “São Paulo Raiway” (depois Santos-Jundiaí), construida em 1867 sobre a serra do Mar, com capital inglês. Para a escalada da serra dividiu-se a estrada em quatro declives, cada um com inclinação de oito por cento, nos quais os vagões eram puxados por cabos de aço. No final de cada declive construíram-se patamares, com casa de força e uma máquina a vapor, para promover a tração dos cabos. No alto da serra foi criada a estaçao Paranapiacaba, que serviu de acampamento de operários.
O grande volume de café transportado para o porto de Santos fez com que, em 1895, se iniciasse a construção de nova estrada de ferro, paralela à antiga. Em 1889, foram feitos os primeiros protestos contra o monopólio britânico sobre a rota do porto de Santos, o que culminaria com a construção da “Mairinque-Santos” em 1910, pela Estrada de Ferro Sorocabana.
Resolvido o trecho mais difícil, os ingleses deixaram para os fazendeiros paulistas a construção das estradas do interior. Assim, surge a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, fundada em 1868 em Campinas, por um grupo de cafeicultores, capitalistas e negociantes, com o objetivo de ligar essa cidade a Jundiaí, onde terminava a “São Paulo Raiway”, permitindo o escoamento da safra do interior pelo porto de Santos. Os primeiros trens correram em 1872, ligando Jundiaí a Campinas. Posteriormente, a Paulista chegava a Rio Claro (em 1875) e a Descalvado (em 1876), passando por Limeira e Cordeirópolis, locais da fazenda Ibiacaba, que, de 1860 a 1870, era a maior produtora de café do Brasil.
Pressões políticas impedem a Cia. Paulista de levar seus trilhos adiante. Primeiro, com a proibição, pelo presidente da provincia de São Paulo, de estender sua linha até Ribeirão Preto (concedido depois à Mogiana); segundo, com a manifesta oposição de cafeicultores regionais, encabeçados pelo Barão de Pinhal (depois visconde e conde), o piracicabano Antonio Carlos de Arruda Botelho, um dos fundadores de São Carlos, à pretensão da companhia de estender seus trilhos até São Carlos. Seis anos depois, os fazendeiros de café da região, motivados por Carlos Botelho, fundam, em 1882, a Companhia do Rio Claro de Estradas de Ferro, que inaugura o trecho Rio Claro-São Carlos em 1884. O trecho até Araraquara é concluído em 1885 e o ramal para Jaú e Bauru, partindo de Itirapina, em 1886. No ano da Ploclamação da República a companhia é comprada pela São Paulo Rayway e, em 1892, pela Companhia Paulista, cuja malha ferroviária já cobria grande parte do Oeste Novo.
Estrada de Ferro São Paulo Rayway. (Autor desconhecido)
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Antiga estação da Paulista em Campinas, construída em 1872 e desativada em 1884, quando foi construída outra, mais ampla. Autor desconhecido. |
Fazendeiros, capitalistas, comerciantes e industriais paulistas da região cafeeira de Itu, vislumbraram a ideia da criação de uma companhia férrea ligando Itu à Jundiaí, onde a São Paulo Rayway terminava. Em 1870, criam a Companhia Ituana de Estrada de Ferro, sendo que o primeiro trecho, de Jundiaí a Idaiatuba, é inaugurado em 1872, e o segundo, até Itu, em 1873. Desde então, as sacas de café, que eram transportadas no lombo de mulas ou em lentos carros de boi, passam agora por cima de dormentes e trilhos de aço. Neste mesmo ano de 1873, a Ituana inicia o ramal de Piracicaba, chegando a Capivari em 1875, a Rio das Pedras em 1876, a Piracicaba em 1877, e a São Pedro em 1883. No ano 1892 dá-se a fusão da Cia. Ituana com a Sorocabana, surgindo a Companhia União Sorocabana e Ituana, cujo proprietário era o Conselheiro Mairinque.
A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro começa com a Lei Provincial 18, de 21 de março de 1872, que autorizava a construção da ferrovia. Foi fundada em Campinas, por cafeicultores da região, dentre os quais membros da família Silva Prado (proprietários de terras em Campinas, Casa Branca, Ribeirão Preto, futuros maiores produtorores de café do mundo, nas terras roxas de Ribeirão), Antônio de Queirós Teles (depois Barão e Conde de Parnaíba) e José Manoel da Silva (Barão de Tietê).
O primeiro trecho, de Campinas a Jaguari (Jaguariuna) foi inaugudado em 1873. Três meses depois, a estrada chegava a Mogi Mirim, sendo inaugurada com a presença do imperador Dom Pedro II. Neste mesmo ano, construiu-se o ramal de Amparo e, em 1878, a estrada chegava a Casa Branca. A principal região produtora de café, Ribeirão Preto, só seria alcançada pela Mogiana em 1883, após longa disputa com os proprietários da Cia. Paulista. Tempos depois, a Mogiana acentava trilhos no sul de Minas, com o ramal de Poços de Caldas (inaugurado em 1886) e no Triângulo Mineiro, com os ramais do Rio Grande (em 1888) e de Franca (em 1889).
A cultura do café, nos moldes em que havia se implantado no Brasil, requeria mão de obra forte e abundante, para as atividades de derrubada das matas, enleiramento, queima, plantio, tratos culturais, colheita, secagem dos grãos, armazenamento, ensacamento e transporte. Só os negros escravos estavam disponíveis, malgrado as fortes pressões para sua liberdade.
A alta demanda da mão de obra cativa para as fazendas de café, aliada ao fato da proibição do tráfico negreiro, fez com que os preços dos escravos mais do que duplicassem. Assim, entre 1850 e 1859, um homem entre quinze e quarenta anos de idade valia 650$000 (650 mil réis) e uma mulher, de mesma faixa etária, 63$000. No período seguinte, entre 1870 e 1879, os valores subiram para 1:800$000 (um conto e oitocentos mil réis) e 1:450$000, respectivamente, mantendo-se altos, embora com ligeira queda até 1879.
O valor das terras de cultura, por sua vez, subiu progressivamente, passando de 3$996 por alqueire em 1859, para 7$927 em 1869 e para 9$364 em 1879, atingindo patamares fantásticos depois, de 16$932 em 1889 e de 47$272 em 1899. Terras roxas de Ribeirão Preto chegaram a ser negociadas a 169$000 o hectare em 1888, e, depois, a 826$000 em 1896. No período entre 1886 e 1894, as terras se valorizaram muito em função da alta valorização do café e de quedas na produção, principalmente em 1887, quando houve redução de 50%. Com a crise no mercado consumidor americano, em 1894, houve excesso de oferta, derrubando o preço do café.
Continua.
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