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quinta-feira, 14 de março de 2019

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terça-feira, 12 de março de 2019

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista: Parte 13. Vale do Paraíba: a mais importante área produtora de café do mundo.

Adilson D. Paschoal | Professor Sênior da Esalq-USP

Século XIX. Do vale do Paraíba fluminense o café chega ao vale do Paraíba paulista. O Brasil é o Vale. Barões do café. Capitalistas, bancos e casas comissárias. Em 1840, o Brasil torna-se o maior produtor mundial de café. Primeiras estradas de ferro. O vale perde a hegemonia. Cidades mortas.

O surto e o incremento da produção de café foram favorecidos pelas crises das tradicionais culturas de cana-de-açúcar e de algodão no Brasil, determinadas pela concorrência internacional. Apesar de a modernização dos engenhos de açúcar, principalmente nas províncias do Nordeste, que graças à força motriz das máquinas a vapor, se converteram em usinas de grande eficiência, diminuindo inclusive a mão de obra escrava, o açúcar brasileiro não era páreo para o do Caribe. Urgia encontrar-se novo produto de fácil aceitação na Europa e nos Estados Unidos. Esse produto acabou sendo o café, cujo consumo aumentava significativamente desde a primeira metade do século XIX, atingindo o apogeu em seu final.

As condições brasileiras eram muito favoráveis ao cultivo dessa planta e, ao contrário da cana, o café não exigia instalações caras, como engenhos. Mão de obra escrava e recursos financeiros estavam disponíveis desde o fim da era da mineração, ao que se acrescenta o fato, favorável ao país, do colapso dos cafezais de Java, dizimados por pragas, e do Haiti, o maior produtor mundial, devido à levantes de escravos e à revolução que tornou o país independente em 1804.

Plantado desde início do século XIX no Rio de Janeiro e na Zona da Mata mineira, mais próxima do Rio, por onde se escoava a produção, o café se expande pelo vale do Paraíba fluminense já na segunda década do mesmo século, para depois chegar ao mesmo vale, na província de São Paulo. Expande-se também pelo sul de Minas e pelo Espírito Santo.

Com a vinda da família real para o Rio de Janeiro e a concessão de sesmarias por D. João aos novos colonos, nas proximidades da corte, tem inicio a cafeicultura econômica, que logo ganha as terras férteis do vale do Paraíba fluminense. Em 1817, o monarca recebera de Moçambique muitas sementes de café prontamente distribuídas entre os fazendeiros locais.

A exportação brasileira de café começa a crescer a partir de 1816. No período 1830-1840, o produto assume a liderança das exportações do Império, com mais de 43% do total, superando às de açúcar (24%), que vai decrescendo até atingir apenas 9% na penúltima década do século XIX. Em 1840, o Brasil torna-se o maior produtor mundial, superando o Haiti. As fazendas de Vassouras (RJ), município maior produtor, tinham em média 300 alqueires, 100 escravos e perto de 280.000 pés de café. No ano de 1854, a produção cafeeira do vale do Paraíba fluminense atingiu 8 milhões de arrobas contra 2,7 milhões do vale paulista (25%). São Paulo igualaria sua produção à do Rio de Janeiro em 1883, ultrapassando-a desde então.

Todo o café era exportado pelo porto do Rio de Janeiro, trazido por tropeiros, no lombo de mulas, ou em carros de boi, utilizando antigos caminhos de tropas. Já em 1836, vozes clamavam por melhorias no sistema de transporte das sacas de café até o porto fluminense. Além de ter condições climáticas favoráveis à cultura da rubiácea, a província do Rio de Janeiro tinha mão de obra escrava numerosa, que passara de 145.000 em 1819 para mais de 220.000 em 1840.

Plantado desde início do século XIX no Rio de Janeiro e na Zona da Mata mineira, mais próxima do Rio, por onde se escoava a produção, o café se expande pelo vale do Paraíba fluminense já na segunda década do mesmo século, para depois chegar ao mesmo vale, na província de São Paulo. Fazenda de café na serra dos Órgãos, Rio de Janeiro. Tela de RJ. Steimann.
Do vale do Paraíba fluminense a cultura do café expande-se para o vale do Paraíba paulista, inicialmente nas regiões de Bananal (fundada em 1773) e de Areias (fundada em 1748), quase na fronteira com a província do Rio de Janeiro. Em 1854, essa região já produzia 34% do café do vale e 77,5% da produção de café da província de São Paulo. Sementes tinham sido trazidas de Resende (RJ), plantadas nos dois municípios e daí distribuídas por todo o vale, substituindo as culturas tradicionais aí plantadas: cana-de-açúcar e algodão. Diferentemente delas, entretanto, o café só produzia safras plenas depois de totalmente formado, o que levava de cinco a seis anos, exigindo, assim, capital inicial maior, situação esta possível apenas aos mais ricos. Semelhante à ilusão de enriquecimento rápido pela exploração do ouro, a exploração do ouro negro também levou muitos agricultores descapitalizados à falência. Mesmo assim, pela metade do século XIX todo o vale, de Guaratinguetá (SP) a Cantagalo (RJ), estava plantado com café, em extensa monocultura (plantation), nos moldes da cana. Da mesma forma que o açúcar, também o comércio externo do café estava nas mãos de europeus e de norte-americanos, a quem cabiam os maiores lucros.

Durante todo o Segundo Império (1840-1889), o vale do Paraíba torna-se a mais importante área produtora de café do mundo, a mais rica de todo o país e o sustentáculo da economia nacional. Era comum, na época, o jargão: “O Brasil é o Vale”. Surgem grandes e ricas fazendas, de cafezais a perder de vista. Com as riquezas acumuladas, a aristocracia rural firma-se e torna-se mais poderosa, surgindo a figura marcante do barão do café. A arquitetura modesta das construções rurais sofre notória transformação. Abandonando o modelo mineiro tradicional, os fazendeiros passam a imitar a rica arquitetura urbana do Rio de Janeiro, surgindo sedes suntuosas, de interior mais confortável, rico em mobiliário e obras de arte.
Abandonando o modelo mineiro tradicional, os fazendeiros passam a imitar a rica arquitetura urbana do Rio de Janeiro, surgindo sedes suntuosas, de interior mais confortável, rico em mobiliário e obras de arte. Sobrado sede da fazenda Resgate, Bananal, São Paulo, com fachada em estilo neoclássico, tombado pelo Iphan, considerada uma das cem mais belas e importantes edificações históricas brasileiras. Foto de Rafael Marquese, USP.
Era o ano de 1833 quando chega a Bananal, vindo de Minas Gerais, o comerciante açoriano José Aguiar de Toledo, que se encanta com a fazenda Resgate. Logo a adquire e nela passa a produzir café em grande escala, o que não era ainda costume na região. Após sua morte, um de seus filhos, o comendador Manuel de Aguiar Valim, compra de seus irmãos a parte da fazenda que lhes cabia e nela passa a morar. Em 1844, casa-se com uma filha do comendador Luciano José de Almeida, dono da fazenda Boa Vista, no Rio de Janeiro, possuidor de uma das maiores fortunas do Brasil. Com o café, logo acumula grande riqueza, reformando a sede, que passa a ter o estilo neoclássico, tão em moda em Paris. Pouco tempo depois, em 1850, a fazenda tinha mais de 400 escravos, alojados em enorme senzala em frente da casa sede, dos quais 49 eram para serviços na casa (caseiros, cozinheiras, pajens, costureiros, alfaiates, amas, mucamas, copeiros, sapateiros, barbeiros, lavadeiras, rendeiras, seleiros e hortelãos). O pavimento inferior do sobrado destinava-se às mucamas. Ao morrer, em 1878, o comendador Valim era um dos homens mais ricos do Império e o maior produtor de café da província de São Paulo. Um de seus filhos, homônimo do pai, foi condecorado com o título de Barão de Aguiar Valim.

A medida que cresciam as exportações de café e as regiões cafeeiras se enriqueciam, foram surgindo capitalistas que emprestavam dinheiro a longo prazo e a juros altos, até que os cafezais começassem a produzir. Casas bancárias e bancos aparecem na segunda metade do século XIX, como a Caixa Filial do Banco do Brasil (1856), a Casa Bancária da Província de São Paulo (1885), o Banco de São Paulo (1889) e muitos outros, que tornaram a capital o centro financeiro paulista.

A comercialização do café ia muito além das fazendas. Devido às dificuldades dos fazendeiros de se informarem sobre as remessas que faziam de seus produtos até o porto de Santos (falta de transporte adequado e de telégrafos), surge a figura dos intermediários, chamados “comissários”, e as casas comissárias, que compravam café dos produtores e o revendiam, cobrando comissão de três por cento. Faziam, também, adiantamentos sobre a safra futura, cobrando juros de doze por cento ao ano. Assim, suprindo a falta de instituições para crédito agrícola, até fins do século XIX eram os comissários quem financiavam as safras.

Em 1886 e nos últimos anos do Império, o vale do Paraíba perde sua capacidade produtiva, devido ao mau uso do solo, à superexploração e à ambição desenfreada dos fazendeiros por lucros imediatos. O desgaste das terras, geralmente nas encostas de morros, sujeitas à intensa erosão hídrica, levava à perda de produtividade pela perda da fertilidade. Além disso, as terras frescas e abundantes do Oeste Velho e do Oeste Novo estavam sendo cultivadas com café com absoluto sucesso, de forma mais racional, impondo séria concorrência para os fazendeiros do vale. A produção do valeparaibano cai para 25% do total, contra 75% do Oeste Novo, e de novas terras virgens nas fronteiras de Mato Grosso e das terras roxas do norte do Paraná.

Outra questão era o custo do transporte das sacas de café, das fazendas aos portos de embarque para o exterior. O transporte por tropas de muares tinha elevado custo, representando cerca de 50% do valor da saca de café, limitando, desta forma, a interiorização do cultivo. No vale do Paraiba paulista, apenas as cidades por onde passava a antiga Estrada Real, ligando São Paulo ao Rio de Janeiro, nas proximidades desta última província, puderam prosperar com o café, como foram os casos de Bananal e de Areias. Outras, mais distantes, como São José dos Campos, só puderam se desenvolver, embora por pouco tempo, a partir de 1870, atingindo o ápice apenas em 1886, quando a Estrada de Ferro do Norte (Estrada de Ferro São Paulo e Rio de Janeiro) passou pela cidade.

As estradas de ferro surgiam como solução para a cafeicultura, como para o desenvolvimento econômico do Império brasileiro, que, paradoxalmente, só pode se modernizar com a riqueza proporcionada pelo café. O primeiro caminho de ferro do Brasil, ao contrário do que se pode pensar, não foi construído por ingleses, mas por um brasileiro — o Barão de Mauá. A Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro Petrópolis (Estrada de Ferro Mauá) começa em 1854 ligando Porto da Estrela ao pequeno povoado de Fragoso, não muito distante de Petrópolis, onde ficava o palácio de verão do imperador, tendo extensão de 14,5 km.

Em 1886 e nos últimos anos do Império, o vale do Paraíba perde sua capacidade produtiva, devido ao mau uso do solo, à superexploração e à ambição desenfreada dos fazendeiros por lucros imediatos. O desgaste das terras, geralmente nas encostas de morros, sujeitas à intensa erosão hídrica, levava à perda de produtividade pela perda da fertilidade. Fazenda de café no Vale do Paraíba, onde se notam o imenso terreiro para a secagem dos grãos e a degradação do solo nas encostas dos morros. Tela de Benedito Calixto. Museu do Ipiranga, USP.

Desde 1835, a Assembléia Provincial do Rio de Janeiro havia concedido privilégios, por quarenta anos, à companhia que se dispusesse a construir um caminho de ferro ligando o Rio de Janeiro às províncias de São Paulo e de Minas Gerais. Esta ferrovia acabou sendo a Estrada de Ferro “Dom Pedro II” (depois Central do Brasil), iniciada em 1855. Após a transposição da serra do Mar, na província do Rio de Janeiro, a estrada chegava ao rio Paraíba do Sul, de onde bifurcava, margeando o rio, com um ramal a leste e outro a oeste. O ramal leste fora construído, por influência do baronato, para escoar a safra de café das grandes fazendas aí existentes, nas cidades de Vassouras (que por volta de 1850 era a maior produtora de café do mundo, tendo 25 barões), Paraíba do Sul e outras mais. O ramal oeste, chamado Ramal Paulista, com inicio em Barra do Piraí, também fora construído por influência política dos barões do café, para escoar a produção de grãos das regiões de imensos cafezais existentes em Barra Mansa (que em 1860 era a maior produtora de café do país) e Resende (que desde 1810 era o maior produtor de café do vale), assim como a safra do vale do Paraíba paulista, das regiões de Bananal e de Areias. Em 1875, a ferrovia chegava a Cachoeira Paulista, que sofre grande desenvolvimento.

Na cidade de São Paulo, em 1869, por iniciativa e financiamento de cafeicultores do vale do Paraíba, inicia-se a construção da Estrada de Ferro do Norte ou Estrada de Ferro São Paulo e Rio de Janeiro, que partindo da Estação Brás, em São Paulo, atravessava todo o vale do Paraíba, chegando a Cachoeira Paulista, onde se integrava à Estrada de Ferro “D. Pedro II”. A ferrovia só chegou a Cachoeira Paulista em 1877. A diferença de bitolas (1 metro na paulista e 1,60 metro na fluminense) não permitiu integração imediata, o que fez encarecer o frete neste local.

Desde 1835, a Assembléia Provincial do Rio de Janeiro havia concedido privilégios, por quarenta anos, à companhia que se dispusesse a construir um caminho de ferro ligando o Rio de Janeiro às províncias de São Paulo e de Minas Gerais. Esta ferrovia acabou sendo a Estrada de Ferro “Dom Pedro II” (depois Central do Brasil), iniciada em 1855. Inauguração da Estrada de Ferro “Dom Pedro II”. Gravura de autor desconhecido.
Apesar desses esforços, a produção cafeeira do vale sofre quedas brutais. Entre 1879 e 1884 a produção fluminense, que era de 56% do que o Brasil exportava, cai para 20% em 1894. Com a degradação das terrras, a abolição da escravatura e a queda do valor do café no mercado internacional muitas fazendas são hipotecadas para o Banco do Brasil e várias casas comissárias cerram suas portas. Os descendentes dos barões do café que permanecem na terra abandonam a agricultura para se tornarem criadores de gado de leite; os que desistem, migram para cidades maiores em busca de futuro mais promissor; as cidades florescentes do ciclo do café agonizam agora. Aos ex-escravos restou a opção de transferência para o Oeste Novo, quando esta opção surgia, ou mover-se para o subúrbio das grandes cidades, onde, já no fim do século XIX, surgem as primeiras favelas do Brasil.

Estrada de Ferro “Dom Pedro II”, com a linha tronco até Belém, o trecho de transposição da serra do Mar e os dois ramais, a leste e a oeste, no vale do Paraíba do Sul. Autor desconhecido.
“A uberdade nativa do solo é o fator que o condiciona (o progresso). Mal a uberdade se esvai, pela reiterada sucção de uma seiva não recomposta, como no velho mundo, pelo adubo, o desenvolvimento da zona esmorece, foge dela o capital — e com ele os homens fortes, aptos para o trabalho. E lentamente cai a tapera nas almas e nas coisas.
Em S. Paulo temos perfeito exemplo disso na depressão profunda que entorpece boa parte do chamado Norte (vale do Paraiba).
Aí tudo foi, nada é. Não se conjugam verbos no preste. Tudo é pretérito. [...]
— Aqui foi o Breves. Colhia oitenta mil arrobas!...
A gente olha assombrada na direção que o dedo cicerone aponta. Nada mais!... A mesma morraria nua, a mesma saúva, o mesmo sapé de sempre. De banda a banda, o deserto — o tremendo deserto que o Átila Café criou.” [...]
Monteiro Lobato. Cidades Mortas, 1906.

Continua.

Referências:
Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.
Marquese, R. de B. O vale do Paraíba cafeeiro e o regime visual da segunda escravidão: o caso da fazenda Resgate. An. Mus. Paul. vol.18, no.1, São Paulo, 2010

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista: Parte 12. Café: o ouro negro chega ao brasil.


Adilson D. Paschoal | Professor Sênior da Esalq-USP


Século XIX: Primeira metade. Em Lavras do Funil (Lavras) chega a notícia sobre o café. Com a Independência, a economia brasileira passa a depender da Inglaterra. Com a abdicação de D. Pedro I, fazendeiros tornam-se mais poderosos. A escravidão cruel.




Minas Gerais, com suas minas de ouro, tornara rica muitas famílias. Desde a Inconfidência Mineira de 1789, porém, as pessoas de maior posse e cultura passaram a ser mais vigiadas e a Fazenda Real mantinha sobre as maiores fortunas cobiça desmedida, decretando derramas a todo instante. Tais razões foram suficientes para que muitos abastados mineiros, sobretudo os do sul, viessem para São Paulo, onde terras estavam sendo oferecidas, com a condição de se estabelecer roças, povoando o sertão paulista.


Em certo momento, em Lavras do Funil (Lavras), ao capitão-mor Joaquim Gonçalves dos Santos foram apresentadas, por um de seus amigos fazendeiros, capitão como ele, que retornava de viagem empreendida ao Rio de Janeiro, sementes de uma planta que se dizia originária da África, e que fora introduzida no Brasil em 1727: o café. Contou-lhe, então, a seguinte história:

— Quem a descobriu — disse ele — foi um pastor de cabras que vivia no centro da África (Absínia, atual Etiópia), há cerca de mil anos. Notou que os animais ficavam alegres e saltitantes sempre que mastigavam uns frutos de coloração amarelo-avermelhada, de arbustos existentes em alguns campos de pastoreio, e somente com a ajuda deles o rebanho conseguia caminhar por várias léguas e por subidas infindáveis. E prosseguindo: — Tal descoberta chegou aos ouvidos de um monge, que decidiu experimentar o poder dos frutos. Colheu alguns e os levou consigo até o monastério. Ao preparar infusão, percebeu que a bebida o ajudava a resistir ao sono enquanto orava, ou em suas longas horas de leitura do breviário. Essa descoberta espalha-se rapidamente entre os monges, criando demanda pela bebida, sendo as primeiras plantas cultivadas em monastérios islâmicos no Iémen. No século XVI, os persas (iranianos) passam a torrar e moer os grãos, formando bebida estimulante.

— Que coisa fantástica! — assevera o capitão Joaquim. — E seus descobridores? Passaram eles a plantar e a comercializar a nova bebida?

Em resposta, diz o fazendeiro: — O café tornou-se de grande importância para os árabes, que tinham completo controle sobre o cultivo e o preparo da bebida.

E continuando, após breve pausa: — Na época em questão, o café era produto guardado a sete chaves. Proibia-se até mesmo que estrangeiros se aproximassem das plantações; os árabes protegiam as mudas como se protegessem a própria vida. Os holandeses foram os primeiros a obter as sementes, plantando-as em suas colônias, o mesmo se dando com os franceses.

— Os holandeses!... Sempre eles e os franceses a tomar a dianteira! comenta o capitão-mor. — E aqui, entre nós? quis saber ele.

— Aqui na Colônia o café entrou por Belém, através da Guiana Francesa, graças à astúcia do sargento-mor Francisco de Mello Palheta, a pedido do capitão-general do Maranhão e Grão Pará, que o enviara às Guianas com essa missão.

Vivamente interessado, após ouvir, com redobrada atenção, o relato do amigo, o capitão Joaquim pega as sementes em suas grandes mãos e, após examiná-las por algum tempo, exclama:

— Vou plantá-las aqui na fazenda e queira Deus que elas vinguem e dêem bons frutos, com o que minha família haverá de ter o pão de cada dia.

Mostrando a simplicidade de seu caráter, o capitão encerra o diálogo dizendo:

— Compadre, daqui alguns anos você vem pra cá com a comadre, que a minha cara-metade, dona Maria Rosa Cândida dos Serafins, mandará preparar o “vinho das arábias”, com o café que aqui se colherá.

O café foi introduzido no Brasil em 1727. Já em 1779, embarcam-se pelo porto do Rio de Janeiro as primeiras partidas do produto. Assim como a cana, o café viria a ser o suporte financeiro de muitos agricultores paulistas. Transporte de café no Rio de Janeiro. Gravura de Jean Baptist Debret.


A partir desse instante, a planta merece do capitão interesse crescente. Fica sabendo que, no final do século XVIII, a produção cafeeira do Haiti — até então o principal exportador mundial — entrara em crise. Em consequência, o Brasil aumentara bastante sua produção, passando a exportar o produto com maior regularidade. Em 1779, embarcaram-se pelo porto do Rio de Janeiro as primeiras partidas de café, com a insignificante quantia de setenta e nove arrobas (1.185 kg).

Mas, no ano de 1806, as exportações atingiram o volume significativo de oitenta mil arrobas (1.200 t). Primeiramente cultivadas no Pará, as lavouras de café espalharam-se rapidamente pela Colônia, atendendo apenas ao mercado doméstico, sendo consumido nas próprias fazendas. Em sua trajetória pelo Brasil, o café passara pelo Maranhão, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e há pouco chegara a Minas Gerais.

O destino, porém, muda os planos do capitão-mor. Corriam em Lavras, como em todo o sul de Minas, notícias alvissareiras sobre o Sertão do Rio Pardo, onde sesmarias estavam sendo concedidas às margens e às nascentes e afluentes desse importante rio. Tinha ele conhecimento de que grande número de mineiros estava ocupando seus campos e estabelecendo criação de gado; os de mais posse estavam implantando engenhos, para exportar açúcar, graças aos incentivos do governo paulista ao cultivo de cana-de-açúcar. Já na primeira década do século XIX, o Sertão do Rio Pardo transforma-se rapidamente de terra de posseiros, agregados e donatários de sesmarias, em área especializada de produtos exportáveis: açúcar e algodão. Dependendo das condições que encontrasse, o café poderia ser uma opção viável. O assentamento de açorianos com erário real era outro forte motivo.

Sendo fidalgo da Casa Real, e homem de prestígio e fortuna, ocupando cargo político de destaque em Lavras, onde fora nomeado Capitão-Mor de Ordenança em 1803, consegue terras de sesmaria no Sertão da Casa Branca. Em 1819, aos cinquenta e nove anos de idade, vende suas propriedades de Lavras, reúne a família, agregados e escravos, coloca todos seus pertences em liteiras e mulas cargueiras, e ruma para a freguesia da Casa Branca.

Embora conhecedor do caminho, contrata os serviços de um guia experiente, pois não queria correr riscos. A viagem é longa, cansativa e muito perigosa. Ao cair de uma tarde muito quente, com o céu coberto por nuvens pesadas, anunciando aguaceiro próximo, os viajantes, arranchados na mata, em local afastado dos ribeiros e alagadiços para evitar incômodos mosquitos e febres, são alertados por um dos camaradas da tropa, de que havia onça nas cercanias de onde se achavam. Imediatamente o guia reúne alguns de seus homens, que se armam de espingardas, forquilhas e facas e adentram a mata densa, seguindo seus cães mateiros.

O capitão permanece, empunhando sua arma, em defesa da família. A tensão é geral; o medo eriça os pelos e alerta para o perigo. Depois de longa espera, latidos são ouvidos com mais frequência, à distância, seguidos por repetidos tiros partidos de dentro do matagal. Profundo e perturbador silêncio se faz sentir. O que teria acontecido? A onça fora morta ou matara seus desafiantes? Finalmente, aquela quietude inquietante é rompida por barulho sinistro, vindo da trilha. Mirando sua espingarda naquela direção, o capitão espera pelo pior, mas logo vê sair do imenso verde o guia com um camarada, trazendo às costas, atravessado em um pau, de onde pendia amarrado pelas patas, o belo felino, atingido por tiro certeiro, que lhe varara o crânio. José, que se posicionara ao lado do pai e dos outros dois irmãos homens, Joaquim e Francisco, respira aliviado. O perigo terminara. Poderiam agora repousar, não fosse pelo temporal que em seguida desaba, impedindo-os de pegar no sono, até que a noite avançasse.

Em 1820, o fidalgo Joaquim toma posse da Sesmaria da Paciência, na Estrada de Goiás, uma das maiores da região, transformando-a em produtiva fazenda, que, como a maioria daquelas de maior riqueza, dispunha de sede, no estilo do sul de Minas Gerais, tendo dois andares, de engenho para a produção de açúcar e aguardente, e de capela e senzala.


Ao cair de uma tarde muito quente, com o céu coberto por nuvens pesadas, anunciando aguaceiro próximo, os viajantes, arranchados em meio à mata, são alertados por um dos camaradas da tropa de que havia onça nas cercanias de onde estavam. Caçada à onça. Gravura de Maximilian Alexander Philipp, Príncipe de Wied. Modificado por Alamy Photo.

Depois de reformada a sede e aperfeiçoada a infraestrutura de produção, suas dependências passaram a receber, com mais frequência, viajantes que transitavam pela Estrada de Goiás. Dois dos mais ilustres foram o naturalista francês Auguste de Saint Hilaire e o sargento-mor Luis d’Alincourt, cujos pais eram franceses. Em 1825, o capitão já era o maior dos três senhores de engenho da freguesia, tendo quarenta e sete escravos e um feitor, com renda de 1.064$000 nesse ano. Além de cana-de-açúcar, tinha criação de gado e culturas de subsistência.

Entrementes, no Rio de Janeiro grandes mudanças estavam acontecendo. Em abril de 1821, o rei D. João VI é obrigado a retornar a Portugal, cabendo a D. Pedro a regência do Brasil. A subordinação portuguesa à Inglaterra levara o povo português à miséria e à fome, e o país à decadência econômica e do comércio. Por isso, ao retornar a Portugal, o soberano esvazia o Banco do Brasil, levando tudo o que podia a bordo de seus navios. Pouco mais tarde, em 1828, o banco entraria em falência. Um dos últimos atos do soberano foi decretar, em 28 de fevereiro de 1821, a extinção das capitanias, que passam a se denominar províncias.

A regência de D. Pedro (1821-1822) se transcorre em meio a inúmeras exigências de Portugal para que o Brasil voltasse a ser colônia, o que não podia ser aceito pelos brasileiros. Em 7 de setembro de 1822 é proclamada a Independência.

A independência política do Brasil não significou independência econômica. De Portugal, a subserviência passa para a Inglaterra, o que já ocorria desde o tratado de 1810. Os ingleses é quem definiam ao país o que importar e o que não importar; máquinas para indústrias manufatureiras, que pudessem concorrer com equivalentes inglesas, eram de importação proibida. Assim, a economia do país continuava a ser totalmente agrícola. A agricultura, porém, mergulhara em séria crise. O açúcar tinha forte concorrência das Antilhas (Cuba, principalmente). O algodão brasileiro, que progredira muito durante o período da independência americana, tinha agora nos Estados Unidos o seu principal concorrente. O tabaco, destinado quase que todo ao mercado africano, teve sucessivas quedas com a extinção do tráfico negreiro, e a forte pressão inglesa contra o mercado escravista, desde 1826.

O desgaste político e popular de D Pedro I obriga SM a abdicar, em abril de 1831, em favor de seu filho Pedro de Alcântara, de seis anos de idade, retornando depois a Portugal. Com a abdicação, fazendeiros e proprietários rurais tornam-se mais poderosos. O Brasil havia assinado, em 1831, um tratado com a Inglaterra, em que se comprometia extinguir o tráfico de escravos em três anos. Isso porém não ocorre. As fazendas não podiam prescindir do trabalho dos negros, e o pais desenvolvia-se. Surge o tráfico ilegal, que perdura por muitos anos. Depois de 1840, o número de escravos intruduzidos anualmente passava de cinquenta mil (antes era de quarenta mil), sem contar muitos que simplesmente eram cruelmente jogados ao mar, quando os navios negreiros eram abordados por naus inglesas.

Os traficantes rapidamente acumulam grandes fortunas, passando a competir com a elite rural, obrigada a ter de pagar valores mais altos, sofrendo pressões frequentes para o pagamento de suas dívidas. Isso foi suficiente para que os fazendeiros assumisse posição contrária ao tráfico, em 1850, que assim começa a declinar rapidamente, passando de cinquenta e quatro mil em 1849, para vinte e três mil em 1850, três mil em 1851, e pouco mais de setecentos em 1852.


No Estado Brasileiro a escravidão permanece, por ser a base da estrutura social e econômica do país. A jornada de trabalho era de catorze a dezesseis horas, sob a fiscalização do feitor, que não admitia pausa ou distração. Quando um escravo era considerado preguiçoso ou insubordinado, vinham os castigos. O feitor, ou escravo por ele designado, era o executor da sentença. Feitores corrigindo os negros. Gravura de Jean Baptist Debret.
Até que se consumasse a maioridade do novo imperador, o que ocorreria em 1840, o Brasil passa por um de seus períodos mais conturbados. Com o Código de Processo Criminal, as autoridades passam ao controle dos proprietários de terras, restabelecendo-se a autonomia municipal, e os juízes de paz passam a ser eleitos pela população local.

Continua.

Referência.

Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.