Pesquisar neste blog

quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista - Parte 6. Da febre do ouro, a volta à cana-de-açúcar.

Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da ESALQ-USP

Séculos XVIII e XIX. Com a liberdade aos índios a escravidão aos negros. De bandeirantes a agricultores pela segunda vez. Com a cana-de-açúcar e a pecuária recupera-se a Capitania de São Paulo.


Cais do Funchal, ano de 1710. Quatro naus de bandeira portuguesa alçam suas velas de cruz de malta rumo ao Brasil. Em uma delas, na popa, Thomé Rodrigues Nogueira do Ó, em disfarçado sorriso, demonstrando firmeza e determinação, acena repetidas vezes no sentido do cais, de onde, em resposta, vêm acenos de maior vigor e emoção, de seus pais, os nobres da Casa Real Antônio Nogueira e Francisca Fernandes do Vale. Ao repicar de sinos, gritos e lamúrias, a figura de Thomé pouco a pouco vai desaparecendo da vista de sua mãe, não só pelo afastar célere da nau, mas também pelas lágrimas copiosas que lhe turvam a vista. Um último e derradeiro aceno é dado, à distância, por Thomé, que muito bem sabia que da Colônia talvez não mais voltasse para ver a terra em que nascera. Consolava a pobre mãe a esperança de que a relíquia que Thomé levava consigo ─ a sagrada e reverenciada imagem de Nossa Senhora de Monte Serrate ─, que lhe confiara seu pai, pela crença e tradição da família, haveria de protegê-lo de todas as adversidades do meio hostil que estava por enfrentar.

Nas cálidas noites de calmaria, balouçando suavemente a embarcação sobre as ondas, que quebravam sem grande força no costado do navio, Thomé se põe a pensar na ilha que deixara para trás, nos seus antepassados mais remotos, vindo de Algarves, e que colonizaram a Madeira como agricultores, cultivando videiras, castanhas, cereais e frutas temperadas e tropicais, que aí cresciam graças à diversidade climática criada pelo relevo montanhoso. A cana-de-açúcar, porém, foi a cultura que por duzentos anos, nos séculos XV e XVI, fez rica a Madeira. O açúcar brasileiro e o vinho madeirense foram as riquezas maiores que tornaram abastados seus ancestrais mais recentes, como recorda ele. A decadência dessas atividades
na ilha e no Brasil, devida principalmente à concorrência do açúcar da Holanda, produzido nas Antilhas desde a expulsão dos holandeses do Brasil, e o domínio flamengo de grande parte dos mercados consumidores europeus, fez com que surgisse a primeira grande crise econômica na Colônia e, consequentemente, na Metrópole. O ouro, recém descoberto, surgia como grande esperança para Thomé, assim como para todos os portugueses, sobretudo os mais jovens. Entre trezentos mil e seiscentos mil portugueses vieram para o Brasil durante o ciclo do ouro.

Thomé (depois capitão-mor) e Maria Leme do Prado (mulher com quem se casara no Brasil) são os fundadores de Baependi (MG). Um de seus netos, o tenente Urias Emídio Nogueira de Barros, viria a se tornar abastado tropeiro, buscando mulas em Viamão (Rio Grande do Sul) para vendê-las em Sorocaba e na região das Minas Gerais (certa ocasião, ele trouxera perto de dez mil mulas em uma única viagem); seria, também, por volta de 1815, o maior produtor de trigo de toda a Província de São Paulo, na região de Itapetininga.

Desde os tempos em que os paulistas se embrenharam nos sertões à cata de ouro, o que se deu desde o inicio do século XVII, durando o ciclo do ouro por mais da metade do século XVIII, a Capitania de São Paulo convertera-se em imenso território. Com o crescimento das Minas Gerais, que se enchia de novos povoados, com igrejas suntuosas e belas fazendas de gado e lavoura, os capitães-generais (governadores) residentes em São Paulo não conseguiam mais governar; por isso, criou-se a Capitania das Minas Gerais, separada da Capitania de São Paulo. A consequência da perda do imenso território foi o empobrecimento e o despovoamento de São Paulo, para o que também contribuiu a abertura do Caminho Novo.

A descoberta de ouro em Mato Grosso (1719), nas proximidades de onde se erguera o arraial de Cuiabá em 1718, traz hordas de aventureiros para o local. Dizia-se que era tanto o ouro que os caçadores o usavam como munição, ao invés de chumbo. Subindo o Tietê e outros rios, na esperança de chegarem rapidamente às fabulosas minas, muitos aventureiros morreram de febres nos pântanos, ou varados por flechas arremessadas por temíveis selvagens. O Caminho de Goiás, ou Picadão de Cuiabá, aberto em 1726, primeiro conduziu bandeirantes, depois tropeiros e, finalmente, agricultores e criadores de gado.

No mesmo ano em que se concluiu a abertura do novo caminho para Cuiabá redescobre-se as minas das terras dos índios Goiases, em que as mulheres enfeitavam os cabelos com lâminas de ouro. Funda-se aí o arraial de Sant’Ana, elevado à vila administrativa dez anos depois, com o nome de Vila Boa de Goiás (Goiás). A incorporação dessas novas terras à Capitania de São Paulo pouco resultou de positivo, uma vez que era muito difícil o transporte do ouro dessa região até o Rio de Janeiro, passando por São Paulo, optando-se pelo escoamento pela bacia do Amazonas. Em 1738, os territórios de Santa Catarina e do Rio Grande são desmembrados de São Paulo, e, em 1748, era a vez dos territórios de Mato Grosso e de Goiás.

Afora esses, outro terrível impacto na economia de São Paulo foi o decreto de 1758, do Rei D. José, que concedia liberdade definitiva a todos os índios do Brasil. Grande número de famílias, que não possuía outros bens senão os escravos indígenas, se viu arruinada. Era tal a miséria em São Paulo que, em 1748, a capitania é extinta e incorporada à do Rio de Janeiro. São Paulo, no dizer de um de seus governantes “não passa de uma bela moça sem dote.” A transformação de São Paulo em simples distrito do Rio explicava-se por questões de fronteira entre as Capitanias das Minas Gerais e de São Paulo, do que se aproveitou o capitão-general mineiro Gomes Freire para convencer o rei a tomar tal decisão. Parte do território paulista passa, assim, para Minas.

Tal situação de penúria perdura por quinze anos, São Paulo voltando a ter prestígio com a cultura da cana-de-açúcar, tornando-se novamente capitania em 1765. A decadência da exploração das minas e a proibição da caça aos índios obrigam os paulistas à renúncia das atividades que exerciam por mais de dois séculos, transformando-os novamente em agricultores. A escravidão volta-se para os negros vindos da África, embarcados no porto de Santos. Numerosos engenhos de açúcar e alambiques para a produção de cachaça são construídos no planalto paulista, e nas áreas onde havia pastagens surgem fazendas de gado, de cavalos e de muares. As criações animais tornam-se a principal riqueza da capitania, graças aos abundantes pastos naturais. Algodão e fumo, além de milho, mandioca e outras
culturas de consumo interno, são amplamente cultivados.

A decadência dos senhores de engenho nordestinos e o fim do ciclo do ouro mineiro cria nova oportunidade para a canavicultura paulista no século XVIII. Engenho. Desenho de Benício.

Pelos incentivos de Morgado Mateus, nomeado capitão-general em 1765, a cana-de-açúcar transforma vários povoados em importantes vilas. Assim, surge a vila de São Carlos (Campinas) em 1797, no antigo povoado de Campinas do Mato Grosso, que tinha esse nome devido às suas densas florestas; o povoamento fora fundado pelo taubatense Francisco B. Leme, em 1739. A antiga vila de Itu, criada em 1657, desenvolve-se extraordinariamente a partir de 1777, com a exportação de açúcar para a Europa, a partir do porto de Santos. Os solos férteis do povoado de Nossa Senhora dos Prazeres (Piracicaba), fundado em 1767, atraem muitos agricultores, que passam a produzir cana e a fabricar açúcar.

A cana-de-açúcar não produzia bem na área rural da cidade de São Paulo, sendo mais cultivada nas vilas próximas, de Campinas, Jundiaí, Itu e Piracicaba. Legumes, cereais e frutas eram, entretanto, produzidos em suas numerosas chácaras. Dessa forma, a riqueza da cidade girava em torno de seu comércio centralizador.

A vinda ao Brasil de D. João VI, em 1808, fez crescer muito a cidade, por onde passa todo o precioso açúcar produzido pelos inúmeros engenhos da redondeza, seguindo para a Europa pelo porto de Santos. Entrementes, a riqueza trazida pela gramínea açucarada não livrara os donos de engenho de dificuldades financeiras. Quando morriam, seus escravos eram repartidos entre os filhos. Questão de honra para eles era que os filhos também se tornassem senhores de engenho. Para isso, compravam mais escravos. Com a morte de muitos deles, por doenças ou maus tratos, os novos proprietários de engenhos eram obrigados a comprar outros mais, agora a crédito, endividando-se. Os fazendeiros paulistas não moravam em suas fazendas, vivendo na cidade de São Paulo ou em vilas, misturados a funcionários públicos, artesãos, negociantes e proprietários de casas urbanas.


Os fazendeiros paulistas não moravam em suas fazendas, vivendo na cidade de São Paulo ou em vilas, misturados a funcionários públicos, artesãos, negociantes e proprietários de casas urbanas. São Paulo. Largo e igreja de Nossa Senhora dos Remédios. Tela de Benedito Calixto.
A vila que mais se desenvolveu com o comércio do açúcar foi Itu. Partindo de São Paulo em direção a esta vila, atravessava-se região de campos entremeados por maciços de árvores e pastos, trilhava-se por montanhas cobertas de matas e capoeiras e vadeava-se ribeiros caudalosos, passando por terras antes dominadas pelos índios Guaianases, ora transformadas em fazendas de criar e terras de engenho. Pelo caminho, muitas mulas levando açúcar para Santos e algumas boiadas que iam para o Rio de Janeiro. Logo se avizinha a antiga vila de Itu, nos campos de Pirapitingui, que os índios chamavam “outu-guaçu”, referindo-se à grande cachoeira (salto de Itu). Fundada em 1610, elevada à vila em 1657, o local desenvolvera-se bem a partir de 1777, com a exportação de açúcar para a Europa. Anos mais tarde, entre 1836 e 1854, Itu se tornaria a vila mais rica de toda a província.

A vinda da família real portuguesa para o Brasil e as decisões tomadas pela Corte fizeram com que as relações comerciais da Capitania de São Paulo se expandissem, tornando-se mais importantes. A cabotagem reinicia e os agricultores conseguem vender mais vantajosamente seus produtos. A lavoura de cana-de-açúcar gera capital e os sertões paulistas passam a ser desbravados. Apoiado na economia açucareira, Morgado Mateus, mediante concessões de sesmarias, leva à ocupação do solo paulista até metade de seu território. A ideia era fornecer terras não muito grandes para que, rapidamente, se enchessem de gente.

Dada às dificuldades de alojar viajantes nas casas das fazendas, os ranchos ─ construções primitivas que os fazendeiros mandavam erguer à beira das estradas ─ passam a assumir importância cada vez maior. Neles os proprietários vendiam milho para as tropas, além de grande quantidade de mercadorias; a higiene era, entretanto, precária, com pó e lixo acumulados, em meio ao qual pululavam pulgas e bichos-de-pé.

Dada às dificuldades de alojar viajantes nas casas das fazendas, os ranchos ─ construções primitivas que os fazendeiros mandavam erguer à beira das estradas ─ passam a assumir importância cada vez maior. Pouso de tropeiros. Johan Moritz Rugendas.

A capital São Paulo era a mais importante e única cidade da capitania, apesar da miséria, que aos poucos ia se debelando. Poucas eram as diversões dos paulistanos: banhos no rio Tamanduateí, circo de touradas e uma espécie de teatro no estilo francês, além do batuque. Doenças como a icterícia e a lepra assolavam a população.

Em segundo lugar vinha a vila de Nossa Senhora da Ponte de Sorocaba (Sorocaba), onde se instala, em 1810, na antiga forja de Ipanema (estabelecida desde meados do século XVI), a Real Fábrica de Ferro de São João do Ipanema; dispunha, ainda, de intenso mercado de tropas. A vila e freguesia de Nossa Senhora do Desterro (Jundiaí) e a vila de São Carlos (Campinas) eram lugares importantes para o comércio do sertão, neles se organizando todas as tropas que partiam da Capitania de São Paulo para Minas Gerais, Mato Grosso e Goiás.

Sobre as vilas onde se organizavam tropas, diz von Martius: “Os habitantes possuem grandes manadas de mulas, que fazem essas viagens algumas vezes por ano. O fabrico de cangalhas, selas, ferraduras e tudo o que é necessário para o equipamento das tropas, assim como o maçante vaivém das grandes caravanas, dão ao lugar feição de atividade e riqueza e, com razão, dão-lhe foros de porto seco. Daqui partem estradas trilhadas para as províncias acima citadas.

Santos, pelo seu porto, e as tradicionais vilas do vale do Paraíba conheceriam seu maior esplendor por ocasião do ciclo do ouro negro: o café. Antes dele, o tabaco era a principal cultura do vale.

Graças aos incentivos de Morgado Mateus, nomeado capitão-general (governador) da Capitania de São Paulo em 1765, a cana-de-açúcar transforma vários povoados em importantes vilas, como Campinas, Itu e Piracicaba, que se desenvolvem a custa do açúcar, exportado pelo porto de Santos. Antigo Porto de Santos. Tela de Benedito Calixto.

Em 1811, dá-se um fato extraordinário: estoura uma guerra entre o Brasil e os hispano-americanos do rio da Prata. Tropas são recrutas em apenas duas capitanias, justamente naquelas situadas mais próximas da área do conflito, ou seja, do Rio Grande e de São Paulo. Temendo as consequências de luta contra inimigo distante, de quem não se tinha conhecimento, grande número de paulistas emigra para Minas Gerais, esvaziando novamente a Capitania de São Paulo, aumentando muito a população daquela capitania.

O grande desenvolvimento da Capitania de São Paulo nas últimas décadas do século XVIII e início do século seguinte se deveu ao açúcar e ao comércio de animais. O progresso, a concessão de sesmarias (principalmente a noroeste da capitania, na fronteira com a região sul das Gerais, onde já havia muitos caminhos de tropas e ranchos de fazendas), e o despovoamento de São Paulo com consequente inchaço da região sul de Minas, fizeram com que muitas famílias mineiras voltassem às suas origens, nas promissoras terras dos intrépidos “mamelucos” ou “portugueses do planalto”, como pejorativamente se referia a esse povo, que estendeu suas raízes a todos os rincões e colonizou quase todo o imenso sertão brasileiro: os paulistas.

Continua.

Referência.
Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista - Parte 5. Os caminhos do sertão que levaram ao povoamento e à expansão da agricultura


Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da ESALQ-USP


Século XVIII. Caminhos de São Paulo. Caminho dos Guaianases, Estrada Real ou Caminho de Goiás: o terceiro mais importante da Colônia. Concessão de sesmarias e o surgimento de fazendas e povoados na Capitania de São Paulo.


A expansão do território paulista para oeste ocorre com a descoberta de ouro em Mato Grosso (1719) e em Goiás (1725), o que traz de volta à cena o rio Tietê e seus afluentes. Muitas expedições fluviais (monções) eram organizadas partindo do porto de Araritaguaba (Porto Feliz), às margens do Tietê, com destino às minas de ouro de Cuiabá. As expedições eram organizadas em São Paulo, de onde partiam por terra, margeando, à esquerda, o Tietê, passando pela freguesia de São Roque (1657) — onde se cultivava videira e trigo — depois pela freguesia de Araçariguama (1653) e pela vila de Itu (1610), de onde se chegava ao porto de Araritaguaba: uma viagem de três dias. O percurso fluvial era todo feito em canoas, dezenas delas. Do Tietê ia-se ao rio Paraná e deste ao Pardo, Coxim, Taquari, Paraguai, São Lourenço e Cuiabá. O trajeto, de 531 léguas (3.504 km), levava quatro meses, enfrentando-se todo tipo de adversidade. Por isso, preferia-se outro, adentrando-se primeiro o sertão de Goiás e daí o sertão de Mato Grosso.

Ano de 1722. Em seu palácio em São Paulo, o capitão-general Rodrigo César de Menezes, acerta com Bartolomeu Bueno da Silva os últimos detalhes da expedição que o bandeirante faria ao sertão de Goiás.

— Vosmecê, Bartolomeu, está incumbido por mim, seu capitão-general, por Ordem Régia de sua majestade, o Magnânimo Dom João V, de formar uma bandeira com quantos homens, bestas de carga e mantimentos precisar, e rumar sertão adentro a procura de ouro além das Gerais. Como vosmecê sabe, a Espanha quer apossar-se de todo o sertão do Mato Grosso, onde ouro foi encontrado dois anos atrás, e isso não pode ser aceito, por contrariar a vontade de
sua alteza real, que pensa criar aí nova capitania, sob meu comando. A experiência de vosmecê determinou a minha escolha pelo vosso nome.

— Honra-me poder servir-vos, à vosmecê, meu capitão, e ao meu soberano D. João V — responde Bartolomeu. Ouro deve haver nesse sertão, pois fica no mesmo paralelo das minas descobertas nas Gerais e no Mato Grosso, como afirmam os entendidos.

— Os registros indicam, diz o capitão-general, que os bandeirantes Afonso Sardinha, pai e filho, e João do Prado, alcançaram as margens do rio Jeticaí (rio Grande) entre 1594 e 1599, atravessando território habitado pelo “gentio caiapó”, de que vosmecê deve ter muito cuidado, por serem estes índios ferozes.

A expedição comandada por Bartolomeu Bueno da Silva partiu no mesmo ano. Integrava-a cento e cinquenta e dois homens, dentre os quais vinte índios carregadores e três religiosos, além de trinta e nove bestas de montaria e de carga. Partindo de São Paulo, pelos rios Atibaia, Camanducaia e Mogi Guaçu, chega ao rio Jeticaí (rio Grande) apenas vinte dias depois, indicando que o trajeto era bem conhecido nesse trecho; havia aí moradores, o caminho sendo trilhado por índios inicialmente, e depois por bandeirantes. Do grande curso d’água, a expedição segue
por território praticamente desabitado, por nome “Sertão da Farinha Podre” (Triângulo Mineiro). Continua pelo rio das Velhas, penetrando em Goiás pelo rio Corumbá, após ter cruzado o Paranaíba, chegando a uma chapada onde ouro é encontrado, nos “mananciais afortunados” do rio Vermelho. Mais tarde, seu filho, homônimo do pai, que saíra em busca da mina de ouro descoberta pelo genitor, encontra-a próxima de onde se ergueu Vila Boa de Goiás (Goiás), em 1726. A partir de então, as veredas abertas pelos pés aborígines tornaram-se no Caminho dos Guaianases (ou Goiases), em referência aos índios que Bartolomeu, o “Anhanguera”, ameaçou queimar os rios, caso não o levassem às minas de ouro.



Os caminhos de São Paulo eram antigas trilhas indígenas, ampliadas e melhoradas pelos bandeirantes. Não foi diferente com o Caminho dos Guaianases. Em 1726, após dois anos de trabalho em meio a densas matas e ataques constantes de índios, o primitivo Caminho dos Guaianases dá lugar ao Caminho de Goiás, o terceiro mais importante da Colônia. Guerrilhas. Gravura de Johan Moritz Rugendas. Biblioteca Municipal de São Paulo.

Tal sucesso levou o capitão-general Menezes a mandar abrir, em 1724, um caminho por terra. Passados dois anos de árduo trabalho em meio a densas matas e ataques constantes dos índios caiapós, o primitivo Caminho dos Guaianases dá lugar ao Caminho de Goiás, o terceiro mais importante da Colônia, com trajeto totalmente por terra, com passagens e pedágios pelos rios. O novo caminho se estendia até a vila de Cuiabá, evitando a perigosa navegação pelos rios. Criada a Capitania de Goiás em 1748, Vila Boa de Goiás passa a ser a sua capital. O Sertão da Farinha Podre só se incorporaria a Minas Gerais em 1816.

Na capitania de São Paulo, o Caminho de Goiás (ou Estrada Real ou do Anhanguera) iniciava-se na cidade de São Paulo, seguindo em direção à vila de Nossa Senhora do Desterro (Jundiaí, 1665), passando pelas vilas de São Carlos (Campinas, 1739) e de Mogi Mirim (1720), pela freguesia de Conceição do Campo (Mogi Guaçu, 1722) e pelo arraial de Casa Branca (1814), onde pouso existia desde 1727. Depois do percurso sul-norte, o Caminho de Goiás tomava a direção noroeste, atingindo a região compreendida entre os rios Pardo e Sapucaí, passando por Cajuru (1865), freguesia do Senhor Bom Jesus de Batatais (Batatais, 1814), freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Franca e do Rio Pardo (Franca, 1805), distrito de paz de Nossa Senhora da Franca do Imperador (Ituverava,1818), área essa designada por “Sertão do Rio Pardo”, administrado pela comarca de São Paulo. A partir desse sertão, o caminho incluía uma passagem pelo rio Grande, chamada Porto da Espinha, seguindo daí em diante pelo Sertão da Farinha Podre, já na Capitania de Goiás. Os arraiás, freguesias e vilas tiveram suas origens a partir de pousos implantados por fazendeiros, para o descanso e o abastecimento das tropas, já que o trajeto era muito longo, durando meses.

Eram quatro os caminhos paulistas que conduziam às regiões mineradoras, sendo responsáveis pela colonização do sertão; todos tinham inicio em São Paulo. O principal era o Caminho Velho ou Caminho Geral do Sertão, com trajeto pelo vale do Paraíba, adentrando Minas pela garganta do Embu. O segundo seguia pelas vilas de São João de Atibaia (Atibaia, 1665), Nova Bragança (Bragança Paulista, 1763) e Santa Rita da Extrema (Extrema, 1871), transpondo a serra da Mantiqueira na altura do arraial de Camanducaia (Camanducaia, 1833), trajeto esse percorrido por Fernão Dias Paes Leme (atual rodovia do mesmo nome). O terceiro, o mais novo deles, era o Caminho dos Goianases, que passava pelo vale do Mogi Guaçu e pelo Morro do Gravi, constituindo o traçado inicial do Caminho de Goiás. Havia ainda o Caminho de Curitiba (Caminho de Viamão), que se tornou muito importante depois da descoberta das minas gerais, por ele transitando tropeiros que traziam cavalos, mulas e boiadas de Curitiba. Do Rio Grande, as tropas concentravam os animais em Curitiba de onde eram levados a Sorocaba, ultimo ponto de invernada antes de entrarem em picadas cercadas de matas profundas, a caminho das Gerais. A descoberta de minas de ouro em Apiaí e Paranapanema intensifica o trânsito na região, muitas sesmarias sendo concedidas, surgindo fazendas de agricultura e pecuária.

Embora o comércio de São Paulo com as Gerais existisse desde final do século XVII, o Caminho dos Guaianases só se constituiria em importante via comercial após 1726. Até então, apenas o trecho até Mogi Mirim (que já era povoado
em 1720), tinha importância, por estar ligado ao comércio das Minas Gerais. A partir de 1655, registram-se solicitações e doações de terras ao longo do caminho. Contudo, foi nos dez anos posteriores às descobertas de ouro em Cuiabá e em Vila Boa de Goiás que se concede a maior parte das sesmarias ao longo do trajeto. Ante a notícia do ouro goiano, o local atrai generalizada atenção e muita gente demanda a Vila Boa. Surgem prósperas fazendas no Caminho de Goiás, “concedidas em samarias (sic), a título de legitimação possessória de terras já trabalhadas e também sob a alegação de conveniência, para os mineiros de melhor estabelecimento das minas.” As fazendas pertenciam a paulistas, oriundos de São Paulo e das vilas de Itu, Santos e São Vicente. A estes pioneiros se juntariam elementos vindos de Minas Gerais.


Eram quatro os caminhos paulistas que conduziam às regiões mineradoras, sendo responsáveis pela colonização do sertão; todos tinham inicio em São Paulo. Observe no mapa os quatro caminhos partindo de São Paulo, com indicação das principais vilas e freguesias e dos pousos. Carta Geral do Brasil (1797). José Joaquim Freire. Direcção dos Serviços de Engenharia, Lisboa.
O Caminho por terra não extinguiu as monções, que existiriam ainda por longo tempo, já que o transporte de mercadorias por via fluvial era mais barato, pelo menor tempo e por levar uma canoa a carga que só quarenta ou cinquenta mulas transportariam. O comércio por terra só não se tornou impraticável porque os próprios animais de carga eram vendidos, a bom preço, em Cuiabá.

O grande afluxo de pessoas e animais pelo interior da Capitania de São Paulo, depois que as minas de Mato Grosso e de Goiás foram descobertas, obrigou a colonização do sertão paulista de forma mais organizada. A região do Tietê passou a ser preferida para o povoamento. À esquerda do rio ficava o antigo povoamento de Itu (1610), e às margens do rio Sorocaba, afluente do Tietê, ficava outro povoamento antigo: Sorocaba (1654), ambas as vilas muito ricas devido ao fluxo de mercadorias destinadas às minas de Mato Grosso e de Goiás, e de tropas que seguiam para
MInas Gerais. À margem direita do Tietê, de solos também muito férteis, ficava a povoado de Nossa Senhora dos Prazeres, depois vila da Nova Constituição (Piracicaba, 1767), fundada pelo capitão Antônio Correa Barbosa, encarregado pelo capitão-general da capitania, Morgado Mateus, de fundar uma povoação na região, que servisse de apoio às embarcações que desciam o Tietê em direção ao rio Paraná. A povoação, que deveria ser fundada na foz do Piracicaba com o Tietê, acabou implantada treze léguas acima, onde já havia posseiros e com melhor acesso a outras vilas da região, especialmente Itu.

A importância dessa região mereceu a construção de novo caminho, regionalmente chamado de Picadão de Cuiabá, que, partindo de Itu, passava por Piracicaba e daí, no meio de muita mata, dirigia-se para onde hoje estão Rio Claro, São Carlos e Araraquara, ligando-se mais adiante ao Caminho de Goiás. Uma variante saia de Araraquara em direção à margem direita rio Tietê, próximo de Jaú. Dessa forma, o importante Caminho de Goiás passou também a ligar Cuiabá a Piracicaba-Itu. Em 1840, os viajantes que de Mato Grosso seguiam rumo a São Paulo utilizavam, preferentemente, a passagem pelo rio Paranaíba, atravessavam a província mineira para alcançarem Araraquara.

A partir de 1776 toda esta região seria o principal pólo açucareiro de São Paulo.


Havia ainda o Caminho de Curitiba (Caminho de Viamão), que se tornou muito importante depois da descoberta das minas gerais, por ele transitando tropeiros que traziam cavalos, mulas e boiadas de Curitiba. Rancho Grande de tropeiros. Tela de Benedito Calixto.

Continua.

Referência.
Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.

Portal de Busca Integrada - Atualização programada - 19 de dezembro de 2018



FIQUE ATENTO!

Informamos que na semana que vem, quarta-feira, dia 19 de dezembro de 2018, o Portal de Busca Integrada da USP e o Sistema Primo serão atualizados. O período estimado fora do ar será das 7:30 às 18:00. Os sistemas afetados são o Portal de Busca Integrada e o aplicativo móvel Bibliotecas USP, que ficarão indisponíveis nesse período.

Agradecemos a compreensão e colocamo-nos à disposição sempre que necessário.

Atenciosamente,

Elisabeth Adriana Dudziak
Divisão de Gestão de Desenvolvimento e Inovação
Departamento Técnico - SIBiUSP
www.bibliotecas.usp.br
atendimento@sibi.usp.br
www.facebook.com/SIBiUSP
Fone: +5511-3091-4195

quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

A Divisão de Biblioteca apoia a Campanha Viver o Natal 2018!




Como é a Campanha?
Funcionários, docentes e alunos voluntários do Campus "Luiz de Queiroz" estão empenhados em promover esta grande ação social que pretende arrecadar 600 "kits" de Natal para crianças, jovens e adultos de atendidos por instituições e projetos filantrópicos de nossa cidade.

Como será esta doação?
* Exemplo de "kit" para crianças:
01 panetone, 01 caixa de bombom, 01 brinquedo novo, 01 kit de higiene pessoal (shampoo, condicionador, escova e creme dental);
* Exemplo de "kit" para adultos:
01 panetone, 01 caixa de bombom, balas, bolachas, 01 lata de fruta em calda (figo, abacaxi, pêssego).

Quais instituições serão atendidas?
- Obra de Maria - Morador de Rua;
- Cooperativa do Reciclador Solidário;
- Centro de Apoio aos Portadores do Vírus HIV/AIDS (CAPHIV);
- Associação de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual de Piracicaba (AVISTAR);
- Centro de Apoio à Criança com Câncer (CACC);
- Centro de Doenças Infecto Contagiosas (CEDIC);
- Funcionários terceirizados da Limpadora e Vigias do Campus.

Quando e onde posso doar?
As doações serão recebidas até o dia 11/12/2018 (terça-feira).
Pontos de coleta: Serviço Social/DVATCOM ou Biblioteca Central (balcão de empréstimo).

Pequenas atitudes podem fazer grande diferença na sociedade!

Por isto queremos fazer a nossa parte começando pela comunidade que nos rodeia.

E, desde já, agradecemos o seu gesto de amor ao próximo.

Participe!

Maiores informações:
E-mail: social.lq@usp.br
Site: http://www.pusplq.usp.br
Fone: (19) 3429-4161

Texto: Ligiana Damiano

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Horário de atendimento da Divisão de Biblioteca nas férias




De 10 de dezembro de 2018 a 15 de fevereiro de 2019, o horário de atendimento na Divisão de Biblioteca será:
  • Biblioteca Central: segunda a sexta-feira, das 7h45 às 18h;
  • Biblioteca Setorial do LES: segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 18h.

Destaca-se que permanecerão fechadas de 24 a 31 de dezembro de 2018 em virtude do recesso de final de ano.

Informações:
  • Biblioteca Central: biblioteca.esalq@usp.br / (19) 3429.4311 ramal 200;
  • Biblioteca Setorial do LES: biblioteca.les@usp.br / (19) 3429.4467 / 3429.4444 ramal 8727.

Resultados da Quinzena do Perdão 2018




De 05/11 a 14/11/2018, os usuários inscritos nas Bibliotecas da ESALQ (Central e LES) puderam trocar sua suspensão por doação de leite.

O objetivo foi proporcionar vantagens ao usuário para regularizar sua situação com a biblioteca, reforçando a importância do cumprimento do regulamento e o alerta aos compromissos assumidos, utilizando as doações como caráter educativo.

Foram recuperados 32 materiais, contando com a participação de 20 pessoas que trocaram sua suspensão ou participaram voluntariamente, por aprovar a proposta.

O resultado foi a arrecadação de 103 litros de leite integral, doados dia 29/11/18 para duas instituições: CACC - Centro de Apoio a Criança com Câncer e CAPHIV -  Centro de Apoio aos Portadores do Vírus HIV/AIDS e Hepatites Virais.


Aspectos Históricos da Agricultura Paulista. Parte 4: O ciclo do ouro faz desenvolver a agricultura para abastecimento interno


Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP

Século XVII. Vilas de São Paulo e de Parnaíba. Caminho Geral do Sertão e a ocupação do Vale do Paraíba. Com as Minas Gerais, chegam os negros da África. A fome em Minas, onde uma galinha vale seu peso em ouro. O açúcar das Antilhas Holandesas gera crise econômica no Brasil Colônia.


A bem da verdade há que se dizer que, pelo seu isolamento, a vila de São Paulo era paupérrima, sendo as casas não mais do que choupanas cobertas de palha, com exceção das casas dos mais nobres, das igrejas e dos órgãos administrativos. A agricultura era de sobrevivência. Afora os poucos detentores de títulos de nobreza, a maioria de sua gente era inculta, de homens do campo, mercadores de recursos limitados, artífices e aventureiros de toda a casta, seduzidos pelas possibilidades com que lhes acenava o continente novo. Muitos eram descendentes de condenados, deportados de diferentes povos da Europa, e de mulheres indígenas. Era tal a carência de mulheres brancas, que o padre Manoel da Nóbrega, certa ocasião chegou a afirmar em carta que “os paulistas aceitariam até as mulheres erradas de Portugal.”

Nas entradas e bandeiras, a vila de São Paulo encontra sua principal fonte de renda: a mão de obra escrava. Para isso, porém, tinha-se que enfrentar a vastidão dos campos e matas, as sombrias florestas emaranhadas de cipós e espinhos, os morros escarpados, os pântanos e rios caudalosos, a ferocidade das onças, o veneno mortal das cobras, as picadas de insetos, as febres, e as flechas silenciosas e mortais do homem cor de bronze, camuflado e oculto na imensidão e no silêncio das matas. Na volta, depois de muito tempo ausentes, não era incomum aos bandeirantes encontrarem suas esposas casadas com outros homens, que os tinham por mortos.

Apesar de os paulistas terem percorrido grande parte da imensidão do Brasil, estendendo as fronteiras muito além do que estipulava o Tratado de Tordesilhas, nenhuma vila ou povoamento surgiu no sertão por iniciativa dos bandeirantes indigenistas. Elas só começam a aparecer durante o ciclo do ouro, primeiro como simples paragens, com ranchos e pastarias para animais, convertidas em povoamentos, elevados a vilas e cidades. A necessidade de novas terras férteis para a agricultura e a busca de ouro e de índios fez surgir alguns povoados ao longo do rio Anhembi (Tietê): Santana de Parnaíba, Sorocaba e Itu, este local de parada e de partida de bandeirantes e monçoeiros em busca do sertão. Nele, muitas expedições fluviais (monções) eram organizadas partindo do Porto de Araritaguaba (Porto Feliz), às margens do Tietê, com destino às minas de ouro de Cuiabá.


Para os bandeirantes havia duas maneiras de penetrar o sertão inóspito: por terra, caminhando através de matas densas, ou por rios, enfrentando corredeiras e quedas d'água. Nas margens do Anhembi, povoados foram surgindo em locais de parada e de partida de bandeirantes e monçoeiros em busca do sertão. Muitas expedições fluviais foram organizadas partindo de vários portos do Tietê e, depois, do Paraíba, com destino às minas gerais. Partida da monção. Tela de Pedro Américo. Museu Paulista. Obs. Esta tela foi seguramente destruída pelo incêndio de setembro de 2018.

A economia da vila de Santana de Parnaíba era de subsistência. Pela sua posição favorável, torna-se importante ponto de partida das bandeiras. No século XVII, a vila se desenvolve pelo emprego da mão de obra indígena, por ser um núcleo exportador de índios para as demais capitanias, e pela chegada de famílias importantes; também era uma das principais áreas de mineração da capitania. As terras, tão abundantes na época, geralmente eram recebidas de sesmarias, sendo depois divididas e doadas para parentes e amigos, que as desmatavam e construíam suas fazendas e habitações, atraindo novos moradores. As culturas mais plantadas eram trigo, milho, algodão, feijão branco, cana-de-açúcar, uva, marmelo e legumes. Os instrumentos agrícolas da época eram foices, enxadas, machados, facões, cunhas, escopros e serras.


Os produtos da lavoura eram permutados com outros de maior necessidade. O sal vinha de Santos e era para aí que se dirigiam as tropas levando açúcar, fabricado em seus engenhos, ou outro produto. As mercadorias valiam pouco. A mão de quarenta espigas de milho valia cinco réis, um alqueire de trigo, quinhentos réis, e um bom cavalo, dois mil réis. Os bandeirantes de Parnaíba traziam muitos índios para as lavouras, fazendo crescer a população. Em nada era superior a vila de São Paulo à vila de Paranaíba.

Os primeiros bandeirantes buscavam índios e metais a oeste de São Paulo, em Mato Grosso, no Sul da Colônia e no Paraguai. O Anhembi (Tietê) era, assim, o caminho natural. Com a descoberta das minas gerais, esse rio acaba sendo esquecido por certo tempo, movendo-se a rota migratória para o vale de outro curso d’água: o Paraíba, a leste da vila de São Paulo. Este era um corredor natural para as bandeiras, por ser um vale facilmente transitável, comprimido entre a serra dos Sete Pecados Mortais (serra do Mar) e a serra de Jaguamimbaba (serra da Mantiqueira).

O rio Paraíba era o caminho de penetração e ocupação das terras do vale, sendo utilizado por índios e bandeirantes. Os sertões que margeavam o rio eram cobertos por matas densas, cortadas por trilhas indígenas e por picadas abertas em seu interior, ora ao longo de serras e espigões, ora margeando gargantas de rios e ribeiros, que descem da serra da Mantiqueira e dos contrafortes da Bocaina. Os caminhos percorridos tinham sempre como referências o rio Paraíba, as gargantas e trilhas da serra da Mantiqueira, e os caminhos para o mar (Ubatuba e Parati).

Guiados por índios, os sertanistas que iam à busca do gentio da terra, e de ouro e prata, partiam de São Paulo, passavam pela região de Boigy, que deu origem ao povoado de Santa Anna das Cruzes de Mogi (Mogi das Cruzes), elevado à vila em 1611, descendo, então, de canoa, o rio Paraíba. No trajeto, entre densa floresta e muitas corredeiras, as pirogas corriam céleres passando por uma aldeia de bugres, refugiados da Borda do Campo, por eles chamada Tabaeté (“aldeia verdadeira”, em tupi). A aldeia origina um povoado em 1636, que logo se transforma na vila de São Francisco das Chagas de Taubaté (Taubaté), o primeiro núcleo de povoamento do Paraíba, ponto inicial para a ocupação de todo o vale. Em 1645, a vila dispunha de igreja matriz, casa de conselho e cadeia pública, além de moinhos de trigo e engenhos de açúcar.

Nas proximidades de Taubaté, muitos sertanistas e bandeirantes faziam pouso na paragem chamada Pindamonhangaba, nas terras do capitão João do Prado Martins, homem bom da capitania, neto de João do Prado e Filipa Vicente, que viera de São Paulo com a família e agregados, e que já estava de posse de suas terras em 1643, data de sua fundação. Mais tarde, em 1672, os irmãos Antônio Bicudo Leme e Brás Esteves Leme, netos de Antônio Bicudo e Maria de Brito, assim como de Brás Esteves e Leonor Leme, iniciam a construção de uma capela em honra a São José, fundando a povoação de São José de Pindamonhangaba, que passa a pertencer a Taubaté. Anos depois, em 1705, seria criada a Vila Real de Nossa Senhora do Bom Sucesso de Pindamonhangaba, tornando-se independente de Taubaté.


De Taubaté e de Pindamonhangaba os aventureiros seguiam caminho passando por um local onde havia muitas garças brancas, por isso chamado pelos índios de Guaratinguetá. Nesse local havia, desde 1630, uma capelinha feita de pau a pique e coberta de sapé, em torno da qual se desenvolveu um povoamento, elevado a vila em 1651, a pedido do capitão Domingos Luiz Leme, bisneto de Brás Esteves e Leonor Leme, com o nome de vila de Santo Antônio de Guaratinguetá.


Vindos de Santana do Parnaíba, os pioneiros enfrentam os perigos de longa viagem, passando pela vila de São Paulo de Piratininga e o povoado de Santa Anna das Cruzes de Mogi, para chegarem a São Francisco das Chagas de Taubaté, onde tomam posse de sesmarias. O transporte é feito em lombo de burros e em pirogas indígenas, que sulcam as águas cristalinas do rio Paraíba, em cujas margens vicejam esplendorosas matas. Gravura de Johan Moritz Rugendas. Biblioteca Municipal de São Paulo.

Toda essa região pertencera à condessa de Vimieiro. Com a criação da Capitania da Conceição de Itanhaem, em 1628, com sede na vila de Itanhaem, inicia-se o povoamento do médio Paraíba, com ilustres figuras piratininganas adquirindo terras e mudando-se de São Paulo e de Santana de Parnaíba para estas novas plagas, dentre as quais muitos descendentes ─ netos e bisnetos ─ dos pioneiros Leme, Bicudo, Brito, Rocha e Prado.

Navegando a favor da correnteza, nas águas do rio Paraíba, os paulistas e outros sertanistas e aventureiros atingiam as terras de Guaypacaré, onde existia um porto, que o tempo haveria de transformar no povoado de Nossa Senhora da Piedade (Lorena). O núcleo inicial da povoação surge no final do século XVII, com as roças de Bento Rodrigues Caldeira. Antes de o rio encachoeirar-se, na paragem de Cachoeira (Cachoeira Paulista), tomavam um caminho através da mata, que vinha desde o litoral até a serra, atravessavam a garganta do Embaú, por onde se transpunha a serra de Jaguamimbaba (Mantiqueira), penetrando no “Certam dos Cataguazes” e no “Certam do Sabarabuçu”, nas futuras Minas Gerais.


Esse trajeto, chamado Caminho Geral do Sertão, foi estabelecido por várias expedições, desde o século anterior. Em primórdios do século XVII, tal caminho foi a linha de penetração mais importante do Brasil, até a abertura do “Caminho Novo”, de Garcia Rodrigues, que passa a ligar diretamente o Rio de Janeiro às Minas Gerais, reduzindo para dezessete dias o percurso, enquanto era de sessenta dias o do Caminho Geral; desde então, o Caminho Geral passa a se chamar Caminho Velho.

Corria o ano de 1699 quando chega a Taubaté um velho de setenta e um anos, maltrapilho, barbudo e de cabeça branca, portando como armas arcos e flechas.

— Quem é? perguntam os moradores, sem obterem resposta.

Curiosos acodem ao átrio da matriz, onde o forasteiro, prostrado, de joelhos fixos no chão batido, parece orar uma longa prece.

Finalmente, depois de exame minucioso, uma mulher, Maria Leite, em suspiro profundo e cheia de emoção, exclama com voz quase que embargada:

— Minha Nossa Senhora! Sagrado Coração de Jesus! É o meu marido Borba Gato!

Sim, era ele, o destemido bandeirante paulista, que retornava depois de dezessete anos de andanças pelo sertão bravio. A esposa Maria, irmã de Garcia Pais, filho de Fernão Dias Pais Leme, havia mudado para a vila de Taubaté, na esperança de reencontrar um dia o marido aventureiro. Pouco depois, embrenha-se ele de volta ao seu ambiente favorito, para descobrir a lendária serra de prata de Sabarabuçu, que, afinal, não era de prata e, sim, de ouro, de ouro de grandíssima qualidade.

Margens do Paraíba. Fins do século XVII. Vultosa quantia de mercadorias cruza o rio, em balsas, levando todo o tipo de provisões transportadas no lombo de animais, principalmente alimentos e produtos manufaturados, além de gado e de escravos conduzidos às Gerais. Corria a notícia, de boca em boca, dos tristes episódios de fomes e mortandades que assolavam a região aurífera das Minas Gerais, desde 1697, devido ao fluxo migratório intenso para o território mineiro. Essa região, praticamente despovoada antes do ciclo do ouro, tinha agora trinta mil almas.

Os mineradores sonhavam com a riqueza e poucos se dispunham a trabalhar a terra para produzir alimentos, pois um escravo empunhando a bateia dava lucro cem vezes maior ao seu senhor do que se empunhasse a enxada. Nas crises de falta de comida, comia-se de tudo: raízes, lagartos, urubus e ratos. Uma galinha valia seu peso em ouro. Muitos morreram de fome, principalmente nas vilas mais populosas do vale do rio das Velhas: Vila Rica do Ouro Preto (Ouro Preto), vila do Ribeirão do Carmo (Mariana) e arraial de Santo Antônio do Bom Retiro da Roça Grande (Sabará), obrigando a uma retirada em massa desses lugares para povoados de população menos densa. Com isso, a produção de ouro cai assustadoramente, crescendo a de alimentos, embora ainda produzidos em quantidade insuficiente, obrigando à constantes importações.

A necessidade de alimentos (mais de noventa por cento dos víveres vinham de fora da região mineradora), o crescimento das vilas e povoados, e o enriquecimento rápido dos mineradores, fizeram surgir uma elite econômica na região, passando os gêneros alimentícios e os produtos manufaturados a serem importados em grande quantidade de Portugal e de São Paulo, sendo transportados no lombo de burros, em imensas caravanas, de centenas de animais, vindas de Parati, pelo Caminho Velho, e do Rio de Janeiro, pelo Caminho Novo. A abundância de matas fornecia madeira para a construção de igrejas, edifícios e pontes.

A escassez de mercadorias e de viveres, pela alta demanda, colocava o preço nas nuvens em todo o vale do Paraíba. Assim é que, em Taubaté, gastava-se 38$000 (trinta e oito mil réis ou trinta e oito contos de réis) em equipamentos para uma viagem a Minas: escopeta, 6$000; 12 libras de pólvora, 4$800; 36 libras de chumbo, 3$600; um tacho, 3$800; um prato de estanho, 1$280; sete facas, $600; alfaia e pedra ume, $480; um papel de alfinetes, 1$600; um terçado, 1$280; três cadeados, $600; quatro machados e quatro podões, 2$000; confraria do senhor, 1$000; cinco colares, $300; uma canoa, 7$000; duas arrobas de toucinho, 1$600; uma caixeta de marmelada, $400. Pagava-se em ouro, ou, os mais nobres, em moedas de ouro e de prata. As moedas que circulavam no Brasil desde 1698 eram cunhadas na Casa da Moeda do Rio de Janeiro, sendo as de ouro nos valores de 1$000, 2$000 e 4$000 e as de prata nos valores de 20 (chamada vintém), 40, 80, 160, 320 e 640 reis (patacas). As moedas só circulavam na faixa litorânea, onde ficava a maior parte das vilas e cidades. No interior, prevalecia o escambo ou troca de mercadorias. Nas Minas Gerais, as moedas não circulavam ainda, sendo o ouro pesado servindo para os negócios. A riqueza se avaliava com base na propriedade imobiliária e o gado tinha um meio de intercambio bem aceito.

O ouro salvara a Colônia e, consequintemente, a Metrópole, pois com a expulsão dos holandeses do Nordeste em 1654, onde se concentrava a maior produção do açúcar brasileiro, houve a primeira grande crise econômica da nação que florescia. Os holandeses, responsáveis pela rápida recuperação, desde 1630, das lavouras de cana e dos engenhos de açúcar dessa região, máxime em Pernambuco e na Bahia, através de créditos concedidos aos proprietários e facilidades para a aquisição de escravos africanos, e que por décadas financiaram, transportaram, refinaram e distribuíram o açúcar produzido no Brasil, levaram consigo para as Antilhas Holandesas (América Central), mudas de cana-de-açúcar, que logo formam grandes lavouras, o açúcar aí produzido, a baixo custo, fazendo séria concorrência com o brasileiro, gerando crise que atravessaria a segunda metade do século XVII até a descoberta de ouro nas minas gerais. 

A canavicultura só voltaria a se reerguer como atividade econômica em São Paulo, na segunda metade do século XVIII.


Continua.

Referência.

Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.