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quinta-feira, 13 de dezembro de 2018

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista - Parte 5. Os caminhos do sertão que levaram ao povoamento e à expansão da agricultura


Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da ESALQ-USP


Século XVIII. Caminhos de São Paulo. Caminho dos Guaianases, Estrada Real ou Caminho de Goiás: o terceiro mais importante da Colônia. Concessão de sesmarias e o surgimento de fazendas e povoados na Capitania de São Paulo.


A expansão do território paulista para oeste ocorre com a descoberta de ouro em Mato Grosso (1719) e em Goiás (1725), o que traz de volta à cena o rio Tietê e seus afluentes. Muitas expedições fluviais (monções) eram organizadas partindo do porto de Araritaguaba (Porto Feliz), às margens do Tietê, com destino às minas de ouro de Cuiabá. As expedições eram organizadas em São Paulo, de onde partiam por terra, margeando, à esquerda, o Tietê, passando pela freguesia de São Roque (1657) — onde se cultivava videira e trigo — depois pela freguesia de Araçariguama (1653) e pela vila de Itu (1610), de onde se chegava ao porto de Araritaguaba: uma viagem de três dias. O percurso fluvial era todo feito em canoas, dezenas delas. Do Tietê ia-se ao rio Paraná e deste ao Pardo, Coxim, Taquari, Paraguai, São Lourenço e Cuiabá. O trajeto, de 531 léguas (3.504 km), levava quatro meses, enfrentando-se todo tipo de adversidade. Por isso, preferia-se outro, adentrando-se primeiro o sertão de Goiás e daí o sertão de Mato Grosso.

Ano de 1722. Em seu palácio em São Paulo, o capitão-general Rodrigo César de Menezes, acerta com Bartolomeu Bueno da Silva os últimos detalhes da expedição que o bandeirante faria ao sertão de Goiás.

— Vosmecê, Bartolomeu, está incumbido por mim, seu capitão-general, por Ordem Régia de sua majestade, o Magnânimo Dom João V, de formar uma bandeira com quantos homens, bestas de carga e mantimentos precisar, e rumar sertão adentro a procura de ouro além das Gerais. Como vosmecê sabe, a Espanha quer apossar-se de todo o sertão do Mato Grosso, onde ouro foi encontrado dois anos atrás, e isso não pode ser aceito, por contrariar a vontade de
sua alteza real, que pensa criar aí nova capitania, sob meu comando. A experiência de vosmecê determinou a minha escolha pelo vosso nome.

— Honra-me poder servir-vos, à vosmecê, meu capitão, e ao meu soberano D. João V — responde Bartolomeu. Ouro deve haver nesse sertão, pois fica no mesmo paralelo das minas descobertas nas Gerais e no Mato Grosso, como afirmam os entendidos.

— Os registros indicam, diz o capitão-general, que os bandeirantes Afonso Sardinha, pai e filho, e João do Prado, alcançaram as margens do rio Jeticaí (rio Grande) entre 1594 e 1599, atravessando território habitado pelo “gentio caiapó”, de que vosmecê deve ter muito cuidado, por serem estes índios ferozes.

A expedição comandada por Bartolomeu Bueno da Silva partiu no mesmo ano. Integrava-a cento e cinquenta e dois homens, dentre os quais vinte índios carregadores e três religiosos, além de trinta e nove bestas de montaria e de carga. Partindo de São Paulo, pelos rios Atibaia, Camanducaia e Mogi Guaçu, chega ao rio Jeticaí (rio Grande) apenas vinte dias depois, indicando que o trajeto era bem conhecido nesse trecho; havia aí moradores, o caminho sendo trilhado por índios inicialmente, e depois por bandeirantes. Do grande curso d’água, a expedição segue
por território praticamente desabitado, por nome “Sertão da Farinha Podre” (Triângulo Mineiro). Continua pelo rio das Velhas, penetrando em Goiás pelo rio Corumbá, após ter cruzado o Paranaíba, chegando a uma chapada onde ouro é encontrado, nos “mananciais afortunados” do rio Vermelho. Mais tarde, seu filho, homônimo do pai, que saíra em busca da mina de ouro descoberta pelo genitor, encontra-a próxima de onde se ergueu Vila Boa de Goiás (Goiás), em 1726. A partir de então, as veredas abertas pelos pés aborígines tornaram-se no Caminho dos Guaianases (ou Goiases), em referência aos índios que Bartolomeu, o “Anhanguera”, ameaçou queimar os rios, caso não o levassem às minas de ouro.



Os caminhos de São Paulo eram antigas trilhas indígenas, ampliadas e melhoradas pelos bandeirantes. Não foi diferente com o Caminho dos Guaianases. Em 1726, após dois anos de trabalho em meio a densas matas e ataques constantes de índios, o primitivo Caminho dos Guaianases dá lugar ao Caminho de Goiás, o terceiro mais importante da Colônia. Guerrilhas. Gravura de Johan Moritz Rugendas. Biblioteca Municipal de São Paulo.

Tal sucesso levou o capitão-general Menezes a mandar abrir, em 1724, um caminho por terra. Passados dois anos de árduo trabalho em meio a densas matas e ataques constantes dos índios caiapós, o primitivo Caminho dos Guaianases dá lugar ao Caminho de Goiás, o terceiro mais importante da Colônia, com trajeto totalmente por terra, com passagens e pedágios pelos rios. O novo caminho se estendia até a vila de Cuiabá, evitando a perigosa navegação pelos rios. Criada a Capitania de Goiás em 1748, Vila Boa de Goiás passa a ser a sua capital. O Sertão da Farinha Podre só se incorporaria a Minas Gerais em 1816.

Na capitania de São Paulo, o Caminho de Goiás (ou Estrada Real ou do Anhanguera) iniciava-se na cidade de São Paulo, seguindo em direção à vila de Nossa Senhora do Desterro (Jundiaí, 1665), passando pelas vilas de São Carlos (Campinas, 1739) e de Mogi Mirim (1720), pela freguesia de Conceição do Campo (Mogi Guaçu, 1722) e pelo arraial de Casa Branca (1814), onde pouso existia desde 1727. Depois do percurso sul-norte, o Caminho de Goiás tomava a direção noroeste, atingindo a região compreendida entre os rios Pardo e Sapucaí, passando por Cajuru (1865), freguesia do Senhor Bom Jesus de Batatais (Batatais, 1814), freguesia de Nossa Senhora da Conceição de Franca e do Rio Pardo (Franca, 1805), distrito de paz de Nossa Senhora da Franca do Imperador (Ituverava,1818), área essa designada por “Sertão do Rio Pardo”, administrado pela comarca de São Paulo. A partir desse sertão, o caminho incluía uma passagem pelo rio Grande, chamada Porto da Espinha, seguindo daí em diante pelo Sertão da Farinha Podre, já na Capitania de Goiás. Os arraiás, freguesias e vilas tiveram suas origens a partir de pousos implantados por fazendeiros, para o descanso e o abastecimento das tropas, já que o trajeto era muito longo, durando meses.

Eram quatro os caminhos paulistas que conduziam às regiões mineradoras, sendo responsáveis pela colonização do sertão; todos tinham inicio em São Paulo. O principal era o Caminho Velho ou Caminho Geral do Sertão, com trajeto pelo vale do Paraíba, adentrando Minas pela garganta do Embu. O segundo seguia pelas vilas de São João de Atibaia (Atibaia, 1665), Nova Bragança (Bragança Paulista, 1763) e Santa Rita da Extrema (Extrema, 1871), transpondo a serra da Mantiqueira na altura do arraial de Camanducaia (Camanducaia, 1833), trajeto esse percorrido por Fernão Dias Paes Leme (atual rodovia do mesmo nome). O terceiro, o mais novo deles, era o Caminho dos Goianases, que passava pelo vale do Mogi Guaçu e pelo Morro do Gravi, constituindo o traçado inicial do Caminho de Goiás. Havia ainda o Caminho de Curitiba (Caminho de Viamão), que se tornou muito importante depois da descoberta das minas gerais, por ele transitando tropeiros que traziam cavalos, mulas e boiadas de Curitiba. Do Rio Grande, as tropas concentravam os animais em Curitiba de onde eram levados a Sorocaba, ultimo ponto de invernada antes de entrarem em picadas cercadas de matas profundas, a caminho das Gerais. A descoberta de minas de ouro em Apiaí e Paranapanema intensifica o trânsito na região, muitas sesmarias sendo concedidas, surgindo fazendas de agricultura e pecuária.

Embora o comércio de São Paulo com as Gerais existisse desde final do século XVII, o Caminho dos Guaianases só se constituiria em importante via comercial após 1726. Até então, apenas o trecho até Mogi Mirim (que já era povoado
em 1720), tinha importância, por estar ligado ao comércio das Minas Gerais. A partir de 1655, registram-se solicitações e doações de terras ao longo do caminho. Contudo, foi nos dez anos posteriores às descobertas de ouro em Cuiabá e em Vila Boa de Goiás que se concede a maior parte das sesmarias ao longo do trajeto. Ante a notícia do ouro goiano, o local atrai generalizada atenção e muita gente demanda a Vila Boa. Surgem prósperas fazendas no Caminho de Goiás, “concedidas em samarias (sic), a título de legitimação possessória de terras já trabalhadas e também sob a alegação de conveniência, para os mineiros de melhor estabelecimento das minas.” As fazendas pertenciam a paulistas, oriundos de São Paulo e das vilas de Itu, Santos e São Vicente. A estes pioneiros se juntariam elementos vindos de Minas Gerais.


Eram quatro os caminhos paulistas que conduziam às regiões mineradoras, sendo responsáveis pela colonização do sertão; todos tinham inicio em São Paulo. Observe no mapa os quatro caminhos partindo de São Paulo, com indicação das principais vilas e freguesias e dos pousos. Carta Geral do Brasil (1797). José Joaquim Freire. Direcção dos Serviços de Engenharia, Lisboa.
O Caminho por terra não extinguiu as monções, que existiriam ainda por longo tempo, já que o transporte de mercadorias por via fluvial era mais barato, pelo menor tempo e por levar uma canoa a carga que só quarenta ou cinquenta mulas transportariam. O comércio por terra só não se tornou impraticável porque os próprios animais de carga eram vendidos, a bom preço, em Cuiabá.

O grande afluxo de pessoas e animais pelo interior da Capitania de São Paulo, depois que as minas de Mato Grosso e de Goiás foram descobertas, obrigou a colonização do sertão paulista de forma mais organizada. A região do Tietê passou a ser preferida para o povoamento. À esquerda do rio ficava o antigo povoamento de Itu (1610), e às margens do rio Sorocaba, afluente do Tietê, ficava outro povoamento antigo: Sorocaba (1654), ambas as vilas muito ricas devido ao fluxo de mercadorias destinadas às minas de Mato Grosso e de Goiás, e de tropas que seguiam para
MInas Gerais. À margem direita do Tietê, de solos também muito férteis, ficava a povoado de Nossa Senhora dos Prazeres, depois vila da Nova Constituição (Piracicaba, 1767), fundada pelo capitão Antônio Correa Barbosa, encarregado pelo capitão-general da capitania, Morgado Mateus, de fundar uma povoação na região, que servisse de apoio às embarcações que desciam o Tietê em direção ao rio Paraná. A povoação, que deveria ser fundada na foz do Piracicaba com o Tietê, acabou implantada treze léguas acima, onde já havia posseiros e com melhor acesso a outras vilas da região, especialmente Itu.

A importância dessa região mereceu a construção de novo caminho, regionalmente chamado de Picadão de Cuiabá, que, partindo de Itu, passava por Piracicaba e daí, no meio de muita mata, dirigia-se para onde hoje estão Rio Claro, São Carlos e Araraquara, ligando-se mais adiante ao Caminho de Goiás. Uma variante saia de Araraquara em direção à margem direita rio Tietê, próximo de Jaú. Dessa forma, o importante Caminho de Goiás passou também a ligar Cuiabá a Piracicaba-Itu. Em 1840, os viajantes que de Mato Grosso seguiam rumo a São Paulo utilizavam, preferentemente, a passagem pelo rio Paranaíba, atravessavam a província mineira para alcançarem Araraquara.

A partir de 1776 toda esta região seria o principal pólo açucareiro de São Paulo.


Havia ainda o Caminho de Curitiba (Caminho de Viamão), que se tornou muito importante depois da descoberta das minas gerais, por ele transitando tropeiros que traziam cavalos, mulas e boiadas de Curitiba. Rancho Grande de tropeiros. Tela de Benedito Calixto.

Continua.

Referência.
Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.

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