Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP
Séculos XIX e XX. Com o algodão inicia-se a Revolução Industrial. Krähenbühl, Engelberg, Luiz de Queiroz e Barão de Resende: pioneiros da industrialização. O Salto do rio Piracicaba e a ideia de utilização de sua força hidráulica. Fábrica de Tecidos “Santa Francisca”. O enigma do telefone. Usina Elétrica.
Colheita e beneficiamento de algodão. Tela de Oscar Pereira da Silva Esalq, 1916. |
Figura marcante em Piracicaba, nas últimas décadas do século XIX, era Luiz Vicente de Souza Queiroz. Ele havia aprendido muito com as viagens empreendidas e com os estudos realizados no exterior, não apenas na área agrícola, mas em outras também, ligadas à mecanização e ao processo industrial do Velho Continente. Durante sua permanência na Europa, de 1857 a 1873, grandes descobertas estavam sendo feitas. Assim, em 1867 o engenheiro francês Aristides Berges aproveitou pela primeira vez a força hidráulica para gerar energia elétrica, instalando, numa serraria de sua propriedade, a primeira turbina movida por queda d’água. Antes, porém, na Inglaterra iniciava-se a Revolução Industrial, com a mecanização das tecelagens que utilizavam algodão como matéria-prima. O processo manual cede lugar às máquinas, impulsionadas por força hidráulica, e estas às máquinas a vapor, depois substituídas pelos maquinários elétricos. Em 1842, o tear torna-se semiautomático, automatizando-se completamente em 1890.
A industrialização no Brasil também se inicia com as fábricas de tecidos. Havia, porém, sério impedimento: a Inglaterra, através de um tratado com Portugal, impedia que os tecidos brasileiros competissem com os tecidos ingleses. Somente uma mudança política alteraria tal restrição.
Da sede da fazenda em que Luiz de Queiroz se hospedara em 1873 (Fazenda Nazareth), pertencente aos seus tios, os marqueses de Valença, a vista do salto do rio Piracicaba, ao longe, era esplêndida, já que a sede ficava em terreno elevado, distante da margem do rio. — Por que não utilizar de suas águas para iniciar uma revolução industrial em Piracicaba? Mas por onde começar? — conjetura ele. A
fazenda produzia café, mas o que mais lhe chamou a atenção foi o algodão, que o Barão de Serra Negra havia introduzido regionalmente. Força das águas e o ouro branco: era tudo o que ele precisava para iniciar algo que ninguém, na cidade, jamais pensara. Montaria uma fábrica de tecelagem de algodão.
Mas como tudo aquilo que é novidade, pioneiro, é contraposto pelos mais velhos e conservadores, por força de experiência, tradicionalismo, hierarquia ou temeridade, à ideia a que ele propunha levar adiante mil obstáculos foram colocados, que só serviram para acalentar ainda mais a sua determinação de jovem dinâmico e inovador, de jamais esmorecer face às adversidades. Afinal, seus conhecimentos
adquiridos no exterior eram garantia de sucesso, de inovar naquilo que seus conterrâneos desconheciam.
Ao contrário da agricultura, cujas fazendas eram de posse quase que exclusiva de portugueses e de seus descendentes brasileiros, conduzidas não por eles, mas por escravos, a indústria tinha principalmente nos imigrantes seus grandes iniciadores e proprietários. Primeiro foram alemães e suíços, depois ingleses, americanos e italianos. Em São Paulo, o café foi a principal cultura que levou à industrialização. As fábricas de máquinas para a lavoura, para trabalhar o solo, beneficiar e ventilar café, e para a indústria, assim como as fundições e oficinas mecânicas concentravam-se principalmente em São Paulo, Pindamonhangaba, Campinas e Rio Claro. Tecelagens mecanizadas já existiam na capital e em Sorocaba.
Uma única iniciativa de industrialização expressiva existia em Piracicaba: a Oficina Krähenbühl, fundada pelo suíço Pedro Krähenbühl em 1870, com fábrica de troles, tílburis, charretes, carroças, carroções, jardineiras e carros fúnebres, veículos esses que substituíram os carros de bois. A fábrica de Luiz de Queiroz seria a segunda (1876). Outras viriam logo depois. Assim, em 1882 o Barão de Resende, primo de Luiz de Queiroz, inaugura o Engenho Central, com maquinário moderno importado da França. O piracicabano Evaristo Conrado Engelberg, filho de imigrantes alemães, inventa a máquina de beneficiar arroz (depois adaptada para descaroçar café) e o ventilador para café coco. Tais máquinas, que revolucionaram o processamento de grãos, eram produzidas em Piracicaba desde 1885 e vendidas em São Paulo pela Engelberg, Siciliano & Cia, no bairro dos Campos Elíseos.
Na margem esquerda do rio Piracicaba, em terras que lhe pertenciam (parte da Fazenda Engenho d’Água), Luiz de Queiroz instala a Fábrica de Tecidos “Santa Francisca”, nome com o qual homenageava sua mãe, a Baronesa de Limeira. A empresa fora fundada em 1873, com pedido de concessão para instalar uma usina de força no rio Piracicaba. Com equipamentos importados da Inglaterra e com técnicos vindos da Bélgica, as obras começam em 1° de julho de 1874, com o lançamento da pedra fundamental, sendo os trabalhos conduzidos pelo engenheiro mecânico inglês Arthur Drysdem Sterry. Pela ausência de carpintaria, as obras em madeira foram entalhadas a mão. Sendo a fábrica dotada de máquinas para fiar e tecer algodão, e sendo a cultura do algodoeiro pequena na região, dominada pela cana e pelo café, Luiz de Queiroz inicia o plantio da malvácea em sua propriedade e incentiva o cultivo em outras, que passam a lhe fornecer a matéria-prima, vinda de
Santa Bárbara do Oeste, Sorocaba, Tietê e Tatui. Os fornecedores recebiam 2$000 por arroba de algodão bruto. Seus estudos de agricultura permitiram que empregasse tecnologias avançadas, trazidas da Europa, do Egito e dos Estados Unidos.
Em 1876, a fábrica estava pronta, passando a produzir 2.400 metros de tecido por dia, com cinquenta teares e 2.500 fusos em funcionamento e o trabalho de setenta operários, todos livres, para os quais catorze casas foram construídas, além de outra para o guarda-livros (contador). Toda a produção era enviada para São Paulo, Rio de Janeiro e Paraná, utilizando, a partir de 1877, os trilhos da Cia. Ituana
e a navegação fluvial nos rios Piracicaba e Tietê. Em pouco tempo, acumula grande riqueza, que o impele a novos investimentos.
A fábrica era constituída por vários prédios, de funções variadas, tendo arquitetura simples, o maior deles sendo o grande pavilhão da tecelagem, dividido em quatro blocos em desnível, o que exigiu porões. Um casarão coberto com telhas coloniais, antiga sede da fazenda Engenho d’Água, abriga o escritório. Entre o pavilhão e a casa sede um jardim francês foi construído, ladeando um canal, com ponte para a travessia. Um frontão, com a epígrafe da empresa, destaca-se na fachada. O fornecimento de água operava por caixa d’água, abastecida por dutos. No terreno mais acidentado, ao lado da fábrica, uma cocheira abriga alguns animais e carroças, com pastos cercados com tábuas.
O fato de Geraldo ser primo de Luiz de Queiroz e de ter estudado agricultura na França, sendo apenas três anos mais velho que ele, levou à falsa interpretação de que Luiz de Queiroz teria instalado uma linha telefônica na “sua fazenda Santa Genebra” (Kiehl, 1976) quando, na realidade, o telefone foi instalado na sua fazenda Engenho d’Água, ou mais propriamente, na sede desta fazenda em Piracicaba, ligando-a com a Fábrica “Santa Francisca” e com o palacete que construía ao lado, situados há pequena distância dela (Ver observação). As terras da fazenda Engenho d’Água estendiam-se de Piracicaba a Limeira. No dia 22 de novembro de 1882, o jornal A Gazeta notificava a existência de telefone em postes e fios na propriedade de Luiz de Queiroz, e que não havia telefones públicos em Piracicaba.
O ano era 1873, quando os postes das principais esquinas de Constituição (Piracicaba) passaram a iluminar a cidade com querosene. Em 1879, nos Estados Unidos, Thomas Alva Edison inventa a lâmpada elétrica. Três anos depois, ele iluminava, com sua invenção, a Pear Street, em Nova Iorque. No ano seguinte (1880) a mesma tecnologia era usada em Campos, no Rio de Janeiro, gerando eletricidade uma usina movida a vapor produzido pela queima de carvão. Em Sorocaba, no bairro Votorantim, havia a Fábrica de Tecidos Votorantim, onde se instalou uma das primeiras usinas hidrelétrica de São Paulo e uma usina térmica (1889) para fornecer energia à tecelagem.
Conhecedor desses progressos, pois viajava com frequência ao Rio de Janeiro, onde tinha parentes, e sabedor do alto custo do carvão para gerar eletricidade, não dispondo o país de reservas do combustível, Luiz de Queiroz resolve instalar uma usina hidrelétrica em sua propriedade, não só para acionar as máquinas da fábrica e iluminá-la, como para fornecer eletricidade para a cidade.
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Observação. A fazenda Santa Genebra (1.250 alqueires), equivocadamente citada como pertencente a Luiz de Queiroz, local onde ele teria instalado telefone e plantado algodão para a sua fábrica de tecidos (Kiehl, 1976), ficava em Campinas, sendo proprietário um de seus primos (Geraldo Ribeiro de Souza Resende, Barão Geraldo de Resende), engenheiro agrícola formado na França. Geraldo adquiriu a fazenda em 1876, após a morte de sua mãe Ilídia Mafalda de Souza Queiroz, casada com Estevão Ribeiro de Resende (Marquês de Valença, falecido em 1856) que a havia comprado em 1850, após a morte de uma das filhas de Francisco Antônio de Souza Queiroz (Barão de Souza Queiroz), que a herdara do pai. A fazenda foi, originalmente, propriedade do Brigadeiro Luiz Antônio de Souza Queiroz, que a nomeou Fazenda Santa Genebra em homenagem a sua esposa Genebra de Barros Leite.
No inicio do século XX, a fazenda tornou-se a maior produtora de café do estado de São Paulo, usando tecnologias avançadas no campo, no terreiro de secagem e no beneficiamento dos grãos; para o escoamento da safra, dispunha de ferrovia própria. Geraldo, assim que adquiriu a fazenda, alforriou todos os escravos e contratou mão de obra europeia. A fazenda tinha telefone, que foi um dos primeiros da cidade, senão o primeiro. Algodão só foi plantado na fazenda por ocasião da crise do café, nos anos 30 do século XX (Ver ilustrações na página 7). A fazenda Santa Genebra deu origem ao bairro Barão Geraldo, em Campinas.
A Usina Elétrica, às margens do rio Piracicaba, foi inaugurada por Luiz de Queiroz em 1893, sendo ela a primeira de seu gênero na cidade.
Antes de seu casamento, em 1880, com dona Ermelinda Ottoni de Souza Queiroz, filha do Conselheiro Cristiano Ottoni, Luiz de Queiroz manda construir um palacete ao lado da fábrica, que tomava todo um quarteirão, sendo cercado por muros, contendo belos jardins e sombreador arvoredo. Nele passou a viver com a esposa, tendo sido a residência uma das que primeiro recebeu luz elétrica no país.
A par de tudo o que de mais moderno havia na Europa, nos Estados Unidos e nas principais cidades do país, Luiz de Queiroz introduz em sua fábrica algo que o mundo pouco conhecia: o telefone. Inventado em 1860 pelo italiano Antônio Meucci, teve em Chicago, EUA, sua primeira linha, operada por uma central telefônica em 1876; a segunda foi instalada no Rio de Janeiro, em 1877, a mando de Dom Pedro II; a terceira foi em Campinas, esta de origem incerta. Pelas pesquisas que fiz, a linha operava em um galpão da fazenda Santa Genebra (Campinas, distrito de Barão Geraldo), uma imensidão de terra (1.250 alqueires) cultivada com café, pertencente, desde 1876, a Geraldo Ribeiro de Souza Resende (Barão de Geraldo Resende), engenheiro agrícola formado na França, tornando-se fazenda modelo, produzindo e beneficiando café com tecnologias avançadas para a época.
O ano era 1873, quando os postes das principais esquinas de Constituição (Piracicaba) passaram a iluminar a cidade com querosene. Em 1879, nos Estados Unidos, Thomas Alva Edison inventa a lâmpada elétrica. Três anos depois, ele iluminava, com sua invenção, a Pear Street, em Nova Iorque. No ano seguinte (1880) a mesma tecnologia era usada em Campos, no Rio de Janeiro, gerando eletricidade uma usina movida a vapor produzido pela queima de carvão. Em Sorocaba, no bairro Votorantim, havia a Fábrica de Tecidos Votorantim, onde se instalou uma das primeiras usinas hidrelétrica de São Paulo e uma usina térmica (1889) para fornecer energia à tecelagem.
Conhecedor desses progressos, pois viajava com frequência ao Rio de Janeiro, onde tinha parentes, e sabedor do alto custo do carvão para gerar eletricidade, não dispondo o país de reservas do combustível, Luiz de Queiroz resolve instalar uma usina hidrelétrica em sua propriedade, não só para acionar as máquinas da fábrica e iluminá-la, como para fornecer eletricidade para a cidade.
Observação. A fazenda Santa Genebra (1.250 alqueires), equivocadamente citada como pertencente a Luiz de Queiroz, local onde ele teria instalado telefone e plantado algodão para a sua fábrica de tecidos (Kiehl, 1976), ficava em Campinas, sendo proprietário um de seus primos (Geraldo Ribeiro de Souza Resende, Barão Geraldo de Resende), engenheiro agrícola formado na França. Geraldo adquiriu a fazenda em 1876, após a morte de sua mãe Ilídia Mafalda de Souza Queiroz, casada com Estevão Ribeiro de Resende (Marquês de Valença, falecido em 1856) que a havia comprado em 1850, após a morte de uma das filhas de Francisco Antônio de Souza Queiroz (Barão de Souza Queiroz), que a herdara do pai. A fazenda foi, originalmente, propriedade do Brigadeiro Luiz Antônio de Souza Queiroz, que a nomeou Fazenda Santa Genebra em homenagem a sua esposa Genebra de Barros Leite.
No inicio do século XX, a fazenda tornou-se a maior produtora de café do estado de São Paulo, usando tecnologias avançadas no campo, no terreiro de secagem e no beneficiamento dos grãos; para o escoamento da safra, dispunha de ferrovia própria. Geraldo, assim que adquiriu a fazenda, alforriou todos os escravos e contratou mão de obra europeia. A fazenda tinha telefone, que foi um dos primeiros da cidade, senão o primeiro. Algodão só foi plantado na fazenda por ocasião da crise do café, nos anos 30 do século XX (Ver ilustrações na página 7). A fazenda Santa Genebra deu origem ao bairro Barão Geraldo, em Campinas.
A Usina Elétrica, às margens do rio Piracicaba, foi inaugurada por Luiz de Queiroz em 1893, sendo ela a primeira de seu gênero na cidade.
Antes de seu casamento, em 1880, com dona Ermelinda Ottoni de Souza Queiroz, filha do Conselheiro Cristiano Ottoni, Luiz de Queiroz manda construir um palacete ao lado da fábrica, que tomava todo um quarteirão, sendo cercado por muros, contendo belos jardins e sombreador arvoredo. Nele passou a viver com a esposa, tendo sido a residência uma das que primeiro recebeu luz elétrica no país.
Desde que adquirira a fazenda São João da Montanha, em 1889, suas atividades na fábrica são reduzidas, passando ele a concentrar-se na escola agrícola, cujas obras iniciara. Problemas logo surgem. Torna-se impossível para ele custear sozinho a escola e a iluminação pública da cidade; o governo não lhe vem no auxílio.
Desgostoso, Luiz de Queiroz decide vender a fábrica de tecidos, que estava fechada há dois anos, e o palacete onde morava com a esposa. Os imóveis são adquiridos por um sindicato. Postos como garantia para pagamento de divida junto ao Banco da República do Brasil, em 1897, e não tendo o sindicato honrado o compromisso, os imóveis acabam vendidos pelo banco, em 1902, para Rodolpho Nogueira da Rocha Miranda, filho do Barão de Bananal, ocasião em que a fábrica passa a se chamar Arethusina, em homenagem à sua esposa Arethusa. Ampliada e remodelada, a fábrica de tecidos estava entre as 21 maiores empresas industriais paulistas em 1907, com capital de 1.800 contos de réis, tendo 300 operários. Em 1918, é vendida para a companhia inglesa Boyes.
Continua.
Referências
CACHIONI. M. O papel pioneiro de Piracicaba na construção fabril na província de
São Paulo. Doutorando, FAU, USP, sd.
KIEHL, E. J. Vida e obra de Luiz de Queiroz. Esalq 75. Livro comemorativo do 75º.
aniversário da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”. 1976, pag. 21-40.
MAGIOLI, L. Fábrica de tecidos “Boyes”. Memorial do Empreendedorismo. Acipi,
2014.
MARSON, M. D. Origens dos empresários da indústria de máquinas e equipamentos
em São Paulo, 1870-1900. Nova econ. vol.22 no.3 Belo Horizonte Sept./Dec. 2012
NETTO, C.E. A secular fábrica. A fábrica de tecidos que foi Santa Francisca, depois
Erethusina. Memorial de Piracicaba, Almanaque, 2000.
PASCHOAL, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo II.
Séculos XIX e XX. 403 p. Piracicaba, 2010.
Fazenda Santa Genebra em 1880, com sua monumental casa sede, terreiro de café mecanizado e outras benfeitorias, já com mão de obra livre. Foto de autor desconhecido. |
Fazenda Santa Genebra, onde aparece a família do Barão de Geraldo Resende. Litografia do desenhista paulista Henrique Manzo.
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