Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP
Século XX. O porquê da imigração oriental. A modernização da agricultura japonesa obriga à emigração. A difícil adaptação dos pioneiros à lavoura de café. Lavoura de parceria. Sucesso dos empreendimentos. Êxodo rural do pós-guerra.
As emigrações subsidiadas pelos governos italiano e espanhol, para o trabalho de seus compatriotas nas fazendas de café paulistas, foram proibidas em 1902 na Itália e em 1910 na Espanha. Apesar destas restrições, a vinda de imigrantes continuou, porém em número insuficiente para a demanda crescente da cafeicultura. A solução vem com trabalhadores japoneses, requisitados desde então. O decidido gerou muita discordância, pois um dos objetivos do governo, desde o Brasil Império, era a europeização do país e o branqueamento do povo. Mas da mão de obra barata, para o trabalho nas fazendas de café em São Paulo e no norte do Paraná, dependia o sucesso econômico da cafeicultura, o grande motor da economia brasileira desde meados do século XIX. Por sua vez, o Japão, que se modernizava e se abria para o comércio exterior, precisava resolver sério problema social, gerado pela elevada taxa demográfica. A solução era incentivar a emigração.
A situação do agricultor japonês era precária desde longa data. Produzia-se o suficiente para a demanda local, sem formar estoques para as épocas ruins. A falta de terras agriculturáveis e a quebra de safras levavam à fomes generalizadas. Urgia modernizar. Mas nem tudo saiu como se esperava. A mecanização da agricultura teve como consequência, séria e inevitável, o desemprego de milhares de camponeses; os que permaneceram produzindo endividaram-se de tal forma a perderem suas terras, por não conseguirem pagar os elevados impostos, cobrados em dinheiro e não mais em produtos agrícolas. A miséria generaliza e a fome desespera. Tem início o êxodo rural para as cidades, que se saturam e se enchem de desempregados miseráveis. A política emigratória desponta-se como necessária para resolver o problema social e permitir a modernidade.
Acordos diplomáticos e comerciais entre o Brasil e o Japão existiam desde 1880; a imigração não europeia era proibida. Em 1890, o presidente Deodoro da Fonseca e o ministro da agricultura Francisco Glicério assinam um decreto determinando que a entrada de imigrantes da África e da Ásia seria permitida apenas com autorização do Congresso Nacional. Havia o preconceito de serem os asiáticos raças inferiores, que comprometeriam a política nacional de purificação de seu povo. O “perigo amarelo”, como se dizia, era séria ameaça às nações americanas, devido ao expansionismo militar nipônico, que buscava novas terras para colonizar. Tal raciocínio ganha vulto depois que o Japão invade a China, derrotando-a em 1895, e a Rússia, em 1905. Costumes exóticos e religião não cristã eram outros obstáculos.
A abertura às imigrações japonesa e chinesa só foi autorizada em 1892. Em 1907, o governo brasileiro edita a Lei da Imigração e Colonização, autorizando os estados definirem a forma mais adequada de receber e instalar os imigrantes. Em acordo firmado entre o governo japonês e o secretário da Agricultura de São Paulo, o médico piracicabano Carlos Botelho, ficou definida a vinda de três mil imigrantes japoneses, num período de três anos. Com isso, no dia 28 de abril de 1908, o navio Kasato Maru ruma para o Brasil, trazendo a bordo 781 imigrantes para trabalho nas lavouras de café. Cinquenta e dois dias se passam até o desembarque no porto de Santos. Ainda no Japão, eles haviam passado por exame médico e receberam noções básicas de português.
De Santos, depois de passarem pela alfândega, eles seguem de trem até São Paulo pela São Paulo Railway, sendo alojados na Hospedaria dos Imigrantes. Os 781 japoneses recém-chegados são então distribuídos em seis fazendas de café no oeste paulista. O empreendimento não dá bons resultados, pois a maioria deles não era agricultor; a lavoura cafeeira demandava também muito esforço físico. Poucos meses depois, muitos já haviam desistido; em 1909, apenas 191 continuavam nas fazendas paulistas. Contribuíra também para o fracasso a difícil adaptação aos novos padrões, costumes e clima, tão diferentes daqueles a que estavam acostumados. Repetindo o que já ocorrera com outros migrantes, a maioria dos que para cá vinham intencionava enriquecer rapidamente e retornar ao país do Sol Nascente. Isolados no meio rural, mantendo suas tradições milenares, muitos sequer aprenderam o idioma português.
Em mensagem ao Congresso do Estado de São Paulo, em 1909, o presidente do Estado, Manuel Joaquim de Albuquerque, assim se manifestou: “A imigração japonesa parece não produzir os resultados esperados. Os 781 primeiros imigrantes, introduzidos na vigência do contracto de 6 de Novembro de 1907, deram entrada na Hospedaria da Capital em junho do anno indo; mas, na maioria indivíduos solteiros e pouco habituados á lavoura, esquivaram-se a certos serviços agrícolas, que abandonaram aos poucos. Somente ficaram nas fazendas algumas familias constituidas por verdadeiros agricultores, que trabalham muito a contendo dos fazendeiros em cujas propriedades se localizaram”.
Mesmo assim, as imigrações continuam. Em 1910, novecentos e seis novos trabalhadores chegam a Santos, sendo distribuídos por dezessete fazendas, onde permanecem por tempo maior, cumprindo os contratos assinados, que exigiam permanência mínima de cinco anos.
O sistema em que vinham trabalhar era o da lavoura de parceria, existente desde as primeiras migrações europeias, porém com algumas características mais favoráveis ao agricultor. O imigrante assinava contrato com o fazendeiro, em que era obrigado a desmatar certa área de terreno, limpá-lo, plantar as mudas de café, fazer os tratos culturais e colher, devolvendo a área depois de sete anos, quando a segunda safra estaria para colher. O lucro da primeira safra era seu, bem como aquele de outras culturas que plantasse além do café.
Trabalhando com afinco, muitas famílias conseguiram economizar o suficiente para adquirirem terras próprias, permanecendo assim no país. Os primeiros lotes de terras foram comprados em 1911, no interior do estado de São Paulo, dentro do projeto de colonização Monções, criado pelo governo federal. O empreendimento dera certo porque os contratos exigiam a vinda de famílias inteiras, pais e filhos pequenos, ou então casais recém constituídos, o que nem sempre ocorria com as migrações europeias. Por meio de um contrato de colonização, firmado em 1912, entre uma companhia japonesa e o governo paulista, novas famílias são assentadas em Iguape, vindas principalmente de fazendas em que os contratos foram cumpridos.
Com o fim da contratação de imigrantes pelo governo de São Paulo em 1914, constatou-se haver dez mil japoneses no Brasil; até 1915, quase 15.000 novos imigrantes chegaram ao país, atraídos pela abertura de novas comunidades rurais, não apenas no noroeste de São Paulo, mas também no norte do Paraná. Entre 1917 e 1940 vieram 164 mil japoneses, com a intenção de permanecer no país, concentrando-se principalmente no Estado de São Paulo. Na década de 30, a população japonesa no Brasil já era a mais numerosa fora do Japão. Além do café, vinham para trabalhar com algodão, batata, morango, arroz e chá.
Os anos que antecederam e seguiram à II Guerra Mundial foram anos difíceis para os imigrantes japoneses, alemães e italianos, principalmente os dois primeiros, que formavam comunidades fechadas. Bens foram confiscados e muitos cidadãos foram perseguidos e expulsos do país. As imigrações foram proibidas. O período pós-guerra é caracterizado por forte êxodo rural japonês para as cidades, principalmente para a capital São Paulo, que, assim, passa a ter a maior população de japoneses fora do Japão. No ambiente urbano, eles passaram a trabalhar em atividades relacionadas com a agricultura, produzindo e comercializando produtos de hortas, pomares e granjas. O legado dos japoneses e dos nipo-brasileiros para a agricultura foi notável e só seria reconhecido mais tarde.
Continua.
Referências.
Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo. História da imigração japonesa no Brasil. 2008.
Wikipédia, a enciclopédia livre. Migração japonesa no Brasil. s/d.