Adilson D. Paschoal
Professor Titular-Sênior da Esalq-USP
Agricultura familiar na região Sul
A situação é bem diferente nos estados do Sul (Rio Grande do Sul e Santa Catarina principalmente), onde a agricultura familiar teve origem nos primórdios da colonização e da ocupação territorial. Isso se deu primeiro com colonos vindo dos Açores (que falhou, assim como em São Paulo e em outros estados) e depois com imigrantes italianos e alemães, com quem a agricultura familiar floresceu e manteve-se até hoje. Dentre as causas do sucesso, apontam-se a maior organização e cooperação entre produtores; a existência de sindicatos, associações e cooperativas de agricultores familiares; a assistência técnica e extensão rural; a utilização de insumos em maior quantidade e a disponibilidade de maior capital.
De acordo com o Censo Agropecuário de 2006, a agricultura familiar dessa região obtém valor bruto da produção agrícola superior ao da agricultura não familiar: R$1.613,94 por hectare e R$792,78 por hectare, respectivamente. A principal vantagem dessa região está na existência de experiências bem sucedidas ligadas à agricultura familiar desde o tempo da colonização. Nos estados sulinos predominam as lavouras temporárias (algodão, alho, arroz, batata, cana-de-açúcar, cebola, feijão, fumo, mandioca, milho, soja, tomate, trigo); agricultores familiares também atuam na produção animal, em parceria com agroindústrias, na bovinocultura, na suinocultura, na avicultura e na ovinocultura. Em termos de grau de instrução têm-se os seguintes valores para a região Sul: ensino fundamental incompleto, 53,8%; ensino médio completo, 18,8%; ensino fundamental completo, 11,3%; ensino superior completo, 1,5% (dados da Epagri, 2017).
Rio Grande do Sul
Embora a policultura seja a técnica mais recomendada para o agricultor familiar (principalmente nas áreas tropicais e subtropicais do país), conforme sugere o Programa Nacional de Apoio à Diversificação, criado em 2006, tal nem sempre é observado, principalmente na região Sul. Assim, a monocultura da soja consolidou-se como a principal fonte de renda da agricultura familiar no Rio Grande do Sul. Segundo o Censo de 2017, o valor bruto da produção da oleaginosa atingiu R$3,99 bilhões em propriedades familiares. Em relação ao censo anterior (2006), a renda da soja entre os pequenos agricultores cresceu 254%, motivada pela alta demanda chinesa pelo grão. Em 2006, a soja ficava atrás das culturas de fumo e de milho; presentemente, representa 20% do faturamento (R$20,2 bilhões).
— Tu crias vacas de leite, mas logo descobres que o que ganhas mal dá pra pagar o que elas comem — conjetura um pequeno agricultor gaúcho. E prosseguindo:
— Mas com a soja eu já comprei até um trator com cabina refrigerada... A soja é agora o carro chefe daqui... Não quero outra coisa...
Outra cultura da agricultura familiar que vem sendo plantada em monocultura, por décadas, nos estados sulinos, principalmente no Rio grande do Sul, é o tabaco. O tamanho médio das terras cultivadas é de 15 hectares. Na safra 2018/2019, 665 mil toneladas desse produto foram produzidas em 557 municípios dos três estados do Sul. Dentre os trinta municípios que mais produziram dezesseis são gaúchos, nove são catarinenses e cinco são paranaenses.
Em volume de produção, o Brasil ocupa o terceiro lugar, depois da China e da Índia. Oitenta e cinco por cento da produção brasileira é exportada, rendendo ao país US$2,5 bilhões anuais. Cerca de 170 mil famílias na região Sul e mais de 20 mil no Nordeste ocupam-se em produzir fumo, o que garante para 30% delas não mais do que dois salários mínimos mensais, além dos graves danos à sua saúde (uso de agrotóxicos) e dos fumantes, o que tem diminuído a área com a cultura nas últimas décadas.
O módulo fiscal do Rio Grande do Sul varia de cinco a quarenta hectares o que leva muitos agricultores familiares a arrendarem terras de vizinhos (geralmente aposentados), pagando o arrendamento com parte da produção. Produtos tradicionais (leite, feijão, milho, fumo etc.) deixaram de ser produzidos sendo substituídos pela soja. Com isso, os pequenos agricultores estão comprando plantadeiras e tratores, permitindo colher de 60 a 80 sacos de soja por hectare (antes não passava de 50). A tecnologia ajudou, porém novos problemas surgiram como o uso intensivo de agrotóxicos.
Santa Catarina
Nesse estado, o tamanho médio das unidades familiares é de 20 hectares, onde se cultivam tabaco estufa (53% na renda total das unidades de produção), bovinocultura 13%), soja (6%), tabaco galpão (5%), milho (4%) e cebola (3%). A produção de cebola ocorre na região do Alto Vale do Itajaí, tendo elevado rendimento. Por isso, agricultores familiares, que têm propriedades entre quatro e dez hectares, arrendam terras de vizinhos, utilizando mão de obra de parentes e métodos tradicionais de cooperação, como a troca de dias e de mutirão entre vizinhos (“pixurum”), na época do plantio e da colheita. Muitos, porém, contratam mão de obra temporária, pagando em média R$ 5,00 por milheiro plantado, o que equivale a R$ 125,00 por dia. Como a lei exige do empregador que o empregado temporário tenha instalações adequadas disponíveis (dormitório, banheiro etc.) e registro em carteira, tem havido multas e muita revolta por parte deles.
Santa Catarina é o estado maior produtor de cebola do país (630 mil toneladas em 2017), com área de 20 mil hectares (36% da área plantada dessa hortaliça no Brasil); outros estados produtores são Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo; o Nordeste e a região do Cerrado estão ampliando seus plantios.
Paraná
No Paraná, sobretudo no sudoeste, a exploração da terra sofreu alterações bruscas, primeiro com a migração de agricultores descendente de italianos e de alemães vindos do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina na década de 1940 e, depois, com a modernização agrícola nos anos 1970. A vinda dos colonos gaúchos e catarinenses, em busca de novas terras provocou a eliminação do caboclo e de seu modo de vida itinerante.
Até os anos 1970, o solo era cultivado em rodízio pelos colonos, mantendo-se uma área para lavoura, outra para pastagem e outra para pousio. Policultura era a regra, rotacionando-se as culturas: milho, para suínos; feijão preto, para os mercados de Curitiba e do Rio de Janeiro; trigo, para o consumo da família; e forragens (mandioca, alfafa, cana-de-açúcar e soja) para bovinos Ao longo dos anos, a diminuição do tempo de pousio fez acelerar a degradação dos solos. Para o colono, as inovações tecnológicas surgiram como alternativa à degradação edáfica e a consequente queda de produtividade. Aqueles que conseguiram se modernizar, graças aos créditos disponíveis apenas para os gêneros de exportação (soja e milho) puderam recuperar o solo e usar insumos artificiais, sementes selecionadas e ração industrial para o gado. A agricultura familiar só ganharia reconhecimento na década de 1990.
A mecanização e a monocultura para o mercado externo não extinguiram o plantio diversificado para o consumo da família, conservando, assim, a tradição do colono; da mesma forma, a tração mecânica não eliminou a tração animal, que com ela convive. O Pronaf e políticas públicas permitiram que o agricultor familiar pudesse obter crédito para aprimorar suas técnicas e comercializar seus produtos (vendidos para cooperativas ou para grandes empresas). Na agricultura familiar do sudoeste paranaense predominam as lavouras temporárias: soja (34%), milho em grão (25%), milho forrageiro (12%), fumo (10%), além de trigo, feijão e mandioca. De produtos animais, o leite representa cerca de um quarto dos valores comercializados em 2014, com destaque para o Sistema de Cooperativas de Leite da Agricultura Familiar. Em menor escala, há a comercialização com a agroindústria, caso de aves e de suínos.
O modelo de monocultura para o pequeno produtor tem sido taxado de não sustentável, por não prover a família com o que precisa para o seu sustento básico, nem fornecer alimentos para o consumo interno. Com os plantios de soja e de milho o agricultor familiar consegue crédito mais fácil pelo Pronaf e conta com o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro). Estudo feito na Universidade do Paraná, em 2014, indica os seguintes dados quanto à diversificação das atividades rurais no estado: muito diversificadas, 5%; diversificadas, 46%; muito especializadas, 9%; especializadas, 37%. A afiliação à cooperativas não passava de 15% em 2006. A maioria (90%) reside na propriedade, é proprietária do imóvel (84%) e é alfabetizada (85%).
Agricultura familiar na região Norte
Essa região concentra os menores números de estabelecimentos familiares do país. Em 2006, a região tinha 9,46% desses estabelecimentos, fato que se repete em 2017, com 480.575 propriedades (12,33%).
Malgrado isso, a área com propriedades familiares dessa região representa quase um quarto (24,44%) da área brasileira ocupada por empreendimentos familiares. O tamanho médio dos estabelecimentos familiares ultrapassa 50 hectares, principalmente no sudeste da região. O tamanho das propriedades rurais nem sempre indica sua viabilidade econômica, razão de se ter criado o módulo fiscal, já tratado.
Quanto aos maiores valores da produção em 2017, o Pará aparece em sétimo lugar entre os estados brasileiros (R$ 5.233,60 milhões) depois do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Paraná, Santa Catarina e São Paulo. Em quatro dos sete estados da Amazônia, a agricultura familiar gera mais de 50% do valor da produção agropecuária total (no Pará, ela supera 70%). A pecuária é a principal atividade econômica agrícola da região Norte, seguida pelo cultivo de mandioca, feijão, arroz, milho, café e pecuária leiteira bovina.
A riqueza da Amazônia não está no seu solo, que é pobre, mas sim na riqueza da biomassa da própria floresta e na sua biodiversidade. O desconhecimento desses fatos levou aos desacertos do passado (Fordlândia, no Pará, do milionário americano Henry Ford, com a monocultura adensada de seringueira, de 1927 a 1945; Projeto Jari, na fronteira do Para com Amapá, do bilionário americano Daniel Keith Ludwig, com plantio de uma essência florestal exótica para obtenção de celulose (Gmelina sp.), de 1967 a 1982).
A agricultura na região Norte não pode ser monocultural, nem extensiva, pois a regra é a diversidade e a integração de atividades, daí o sucesso dos sistemas agrossilvipastoris, que tenho proposto desde os anos 1970, e que agora estão sendo difundidos pela Embrapa e outras instituições de pesquisa. As propriedades familiares e empresariais precisam adotar técnicas sustentáveis, preservando a Floresta Amazônica, por razões hoje bem conhecidas. A exploração extrativista complementa a economia regional e provém alimentos saudáveis e rentáveis (peixes, castanha-do-pará, açaí, cupuaçu, palmito, cacau etc.). A recuperação de pastagens degradadas permite as atividades pastoris sem que sejam necessários novos desmatamentos.
Agricultura familiar no Centro-Oeste
Da mesma forma que a região Norte, o Centro-Oeste concentra os menores índices de estabelecimentos familiares do país, que era de 4,98% em 2006 e de 5,73% em 2017 (223.275 estabelecimentos). A área com propriedades familiares nessa região representa 12,32% da área brasileira. O tamanho médio dos estabelecimentos familiares ultrapassa 50 hectares, principalmente no norte da região. Compreendendo três diferentes biomas (Cerrado, Pantanal e Amazônia) a área de preservação permanente (APP) no Centro-Oeste mostrava-se ser a maior do país em 2006, registrando 21,63%, enquanto esse percentual para o Brasil era de 15,20%.
Nota: No próximo artigo discorrerei sobre a modernização da agricultura familiar.
Referência:
PASCHOAL, A.D. História Ilustrada da Agricultura. Seis séculos de agricultura no Brasil.
Edição comemorativa dos 120 anos da Esalq e dos 200 anos da Independência do Brasil. 550 p. aprox. Em revisão, para publicação.