Pesquisar neste blog

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista: Parte 8. A estrutura e as técnicas agrícolas coloniais.

Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP


Séculos XVI a XIX. Uma história de concorrências. Sistema camponês da Metrópole e de plantação da Colônia. Consequências da mineração na agricultura brasileira. Com a Revolução Industrial o renascimento agrícola: pecuária, fumo, algodão, arroz e açúcar.



A agricultura no Brasil Colônia foi marcada por concorrências, daí seus altos e baixos. Quando a cana-de-açúcar foi trazida da ilha da Madeira para o Brasil, na terceira década do século XVI, ela aqui foi cultivada em sistema muito diferente do local de origem. Lá, na ilha, todo o processo de produção da cana e da manufatura do açúcar era feito pela família proprietária da terra, no sistema tradicional camponês europeu, diversificado, de policultura e de pequena escala. Nas áreas continentais do Brasil isso não ocorreu, adotando-se o sistema de plantação (plantation), de monocultura para exportar, em áreas extensas e com mão de obra escrava, controlada por feitores e capitães do mato, morando os proprietários geralmente em vilas e cidades. Nesses moldes, a monocultura canavieira impediu o surgimento de pequenos e médios proprietários, que, quando existiam, produziam para subsistência, dependendo do grande proprietário para processar o açúcar ou para comprar a sua produção; muitos deles, sem recursos, tornavam-se agregados, vivendo na propriedade do senhor, prestando-lhe serviços.

Aprendido de indígenas, que escravizavam tribos rivais, os portugueses que vieram para a Capitania de São Vicente passaram a escravizar os índios para trabalho nas lavouras e nos engenhos de açúcar. Pela mesma razão, os que vieram para as capitanias de Pernambuco e da Bahia, passaram a escravizar negros trazidos do continente africano.

Tal estrutura modifica-se no século XVII, com o ciclo do ouro em Minas Gerais, com a expulsão dos holandeses do Nordeste e com a proibição da escravatura dos índios em todo o Brasil, ocasião em que o trabalho nas lavouras e nas áreas mineradoras passa a ser totalmente feito por escravos africanos.

A concorrência do açúcar brasileiro de plantação fez perecer o açúcar camponês madeirense. A produção mais barata e eficiente do açúcar do Nordeste, região mais próxima da Metrópole, selou a produção do açúcar em Santos e em São Vicente. Com a expulsão dos holandeses de Pernambuco e da Bahia, a produção do açúcar nordestino entra em colapso, pela concorrência do açúcar das Antilhas holandesas, produzido com custo menor e com melhor qualidade. A decadência dos senhores de engenho nordestinos e o fim do ciclo do ouro mineiro criam nova oportunidade para a canavicultura paulista desenvolver-se no século XVIII.

Aprendido de indígenas, que escravizavam tribos rivais, os portugueses que vieram para a Capitania de São Vicente passaram a escravizar os índios para trabalho nas lavouras e nos engenhos de açúcar, depois substituídos por negros africanos. Engenho de açúcar. Litogravura de autor desconhecido.

Por pelos menos setenta anos do século XVIII a mineração foi a atividade econômica principal da Colônia, desenvolvendo-se em detrimento das demais, principalmente da agricultura. Consequência do pólo econômico ter-se transferido da região açucareira nordestina para Minas Gerais foi a decadência das capitanias de Pernambuco e da Bahia, o que perdura por quase um século. Os senhores de engenho, abatidos com a crise do açúcar e interessados em avultados lucros, passam a vender grande parte de sua mão de obra escrava para a região das Minas, esvaziando os canaviais, mas mantendo o lucro. A própria capital da Colônia, Salvador, mudara-se para o Rio de Janeiro, por onde saia toda a riqueza mineral. A Capitania de São Paulo, despovoada pelo êxodo para as Gerais, tornara-se uma das mais pobres da Colônia. O Reino só tinha olhos para as minas de ouro e de pedras preciosas.

O aglomerado humano fantástico na região mineira, determinado pela corrida ao ouro, embora esparso e separado entre si por áreas desertas imensas, cria desabastecimento de gêneros alimentícios, originando fome generalizada na região, principalmente nos anos de 1697, 1698, 1700, 1701 e 1713. Para poder abastecer a população, a agricultura e a pecuária são incentivadas não só na Capitania das Minas Gerais, como também naquelas do Rio de Janeiro e de São Paulo. As crises de fome, que levaram à dispersão dos mineradores, resultam na descoberta de novas jazidas; ao mesmo tempo, começa se implantar, nos quintais das casas, pequena pecuária, principalmente de suínos.

Da maior importância eram os senhores de engenho, que produziam açúcar e aguardente, além de se ocuparem da criação de gado e produzirem alimentos de subsistência, tendo numerosos escravos. Engenho de açúcar. Detalhe da tela de Benedito Calixto.

O esgotamento das reservas auríferas e a exclusividade da Coroa na exploração de diamantes levam os mineiros a se dedicarem intensamente à agricultura e à pecuária. As mudanças econômicas vão ocorrendo gradativamente sem causarem profundas interferências na ordem social vigente. À medida que as lavras de ouro iam se fechando, o governo lusitano concedia sesmarias com a obrigação de seu uso na criação animal. Dessa forma, após a decadência da mineração, o território aurífero torna-se importante centro agropecuário. As vilas, porém, não conseguem mais manter a importância que tinham, estagnando-se econômica, política, social e culturalmente.

Dava-se às terras que não tinham dono o nome de sesmaria (de sesmar = partilhar, dividir). Quem obtinha sesmaria devia começar o seu cultivo ou criação no mesmo ano em que era outorgada, caso contrário retornaria ao governo. As despesas para adquiri-la podiam chegar a 100$000 (cem mil réis). Um quarto de légua de sesmaria (1,65 km) de terra boa podia valer quinhentos mil reis. As terras pertenciam a quem as descobrisse. Para estimular a colonização de áreas desertas, a Coroa isentava de impostos, por dez anos, quem entrasse pelas florestas a fim de “fazer desmoitados.”

O solo pobre da região das minas, totalmente degradado pelos mineradores, e seu relevo montanhoso, constituíam obstáculos sérios à agricultura, obrigando aos mineiros abastecerem-se de gêneros alimentícios vindos de fora. Servem-se principalmente da região sul de Minas que, pelas condições agronômicas mais propícias, permitia o desenvolvimento de uma economia agrária significativa. Pela distância considerável do litoral e pela ausência de estradas adequadas ao escoamento da produção, feita toda ela ainda por dois caminhos precários, em lombo de burros, não se desenvolve aí uma agricultura de alimentos de alto valor comercial, como o açúcar das regiões litorâneas. Apesar disso, a região sul mineira alcança, com a agricultura (pecuária, principalmente), nível de relativa prosperidade.


O esgotamento das reservas auríferas e a exclusividade da Coroa na exploração de diamantes levam mineiros, paulistas e cariocas a se dedicarem intensamente à agricultura e à pecuária. Entardecer. Hora de descanso. Tela de Benedito Calixto.

Embora se desenvolvesse em toda a Colônia, é, sobretudo, nas Minas Gerais que a criação animal atinge o seu mais alto nível, principalmente a de gado leiteiro. As fábricas de laticínios tornam-se notáveis, principalmente de queijos. Na região sul das Gerais também aparece, como importante, a cultura do fumo e a elaboração de fumo em corda. O fumo e a aguardente eram indispensáveis ao árduo trabalho dos escravos nas minas, convertendo-se, depois, em vícios.

Enquanto os mineiros tinham recursos financeiros suficientes para a compra de comida, de vestimenta, de animais e até mesmo de artigos de luxo, provenientes de toda a Colônia e da Metrópole, os demais sofriam com a debandada de alimentos, animais e prestadores de serviço, caso da Capitania de São Paulo. A especulação sobre os produtos chega a níveis alarmantes, obrigando às casas de conselhos interferirem para impedir a falência social e econômica das vilas e cidades, pois enquanto os produtos se tornavam cada vez mais caros e inacessíveis, profissionais como ferreiros, padeiros, marceneiros e oleiros transferiam-se para o emergente e promissor mercado das Minas Gerais.

O renascimento agrícola da Colônia atinge seu apogeu entre 1770 e 1808 devido a dois importantes fatores: o crescimento demográfico europeu e a Revolução Industrial inglesa, que substituía, progressivamente, o capitalismo comercial pelo capitalismo industrial. Os mercados e os produtos das colônias européias multiplicam e valorizam. A máquina a vapor (de 1769) e o tear mecânico (de 1787) aperfeiçoam a tecelagem, aumentando o consumo de algodão, o que favorece o Brasil. Planta tropical das Américas, o algodão já era conhecido dos silvícolas, que com ele teciam suas redes. Disso aprenderam os portugueses, que passaram a utilizar as fibras para tecerem panos rústicos, usados para vestir os escravos e a classe mais pobre da população. O Maranhão se destaca, e torna-se uma das mais prósperas capitanias. Nas Minas Gerais, o algodão aparece principalmente na área fronteiriça com a Bahia. Diferentemente do açúcar, o processamento do algodão — o ouro branco —, é simples, consistindo no descaroçamento e no enfardamento, possíveis de serem feitos pelo produtor ou por um beneficiador. O arroz é outra cultura que se desenvolve bem no Brasil. O processamento mecanizado, com as novas técnicas da Revolução Industrial, tanto da cana-de-açúcar, como do algodão e do arroz ensaia seus primeiros passos.

O açúcar também renasce, após quase um século, na região litorânea nordestina. Na Capitania de São Paulo, é no planalto, e não mais no litoral, que a cana-de-açúcar avança, graças aos incentivos de Morgado Mateus. No litoral, Ubatuba, São Sebastião e Ilha Bela produziam cana para produção de aguardente. No vale do Paraíba a cana foi plantada em extensa área, quase até o Rio de Janeiro, que já era grande produtor, não se constituindo em monocultura graças a outras culturas econômicas. O “ciclo do açúcar” paulista achava-se concentrado no quadrilátero formado por Sorocaba, Piracicaba, Mogi Guaçu e Jundiaí.

Na Capitania de São Paulo, é no planalto, e não mais no litoral, que a cana-de-açúcar avança, graças aos incentivos de Morgado Mateus. Engenho caseiro, para a produção de rapadura, garapa e aguardente. Pequena moenda portátil. Gravura de Jean Baptiste Debret.

Mas a agricultura da Colônia estava fadada ao fracasso. Em mãos inábeis, e ao contrário do que ocorria em outras regiões, a agricultura colonial brasileira tropeça em seus próprios pés. Inculto, com exceção dos mais nobres, que podiam estudar seus filhos varões na Europa, o colono brasileiro pratica agricultura primitiva, de baixa produtividade. Somente em alguns lugares se tem acesso ao conhecimento, na Cadeira de Primeiras Letras (latim e grego), instituída em 1776. Da mesma forma que se fazia desde o início da colonização, as matas são derrubadas, queimadas e seus restos enleirados e queimados de novo, até virarem cinza. Sendo a cinza o único adubo que vem ao solo, as culturas produzem cinco ou seis colheitas, sendo depois abandonadas. Sempre em busca de terras frescas, que não exijam maiores esforços de sua parte, os colonizadores vão semeando desertos, obrigando ao seu deslocamento contínuo. Isso explica o porquê da vinda de mineiros de volta para São Paulo.

“Onde não há mata não existe agricultura”, diziam antigos fazendeiros. Por isso, as matas foram derrubadas, queimadas e cultivadas por poucos anos, sendo abandonadas em seguida. Nos solos degradados formavam-se capoeiras, de vegetação aberta, invadida e dominada pelo capim gordura, verdadeiro flagelo colonial, introduzido em Minas, espalhando-se depois em outros lugares. Derrubada de mata. De autor desconhecido.

Conduzida por escravos de origem africana, as monoculturas tropicais vão perdendo rapidamente a sua produtividade. As terras, sem os estrumes animais, enfraquecem, o que pouca importância tem, uma vez que as reservas de recursos são quase ilimitadas. As matas vicejam por todos os cantos e sob elas acumulam-se reservas que podem produzir colheitas abundantes, mesmo que sejam por curto período de tempo. O agricultor colonial e seus escravos só conhecem o fogo, o machado, a enxada e algumas poucas variedades de culturas. A cana crioula atravessa séculos de uso nos engenhos, ainda movidos à tração animal; só em 1790 é que se introduz a cana caiena. A milenar chuka, trazida do oriente, era a única máquina com a qual o algodão era descaroçado. As tropas nem sempre levavam apenas o que era desejado. Por volta de 1788, um almocreve carrega suas bestas no litoral. Junto à carga, um capim (capim-gordura), vindo da África, que logo é espalhado pelas terras das Minas Gerais, tornando verdadeiro flagelo, obrigando agricultores e criadores a abandonarem suas terras.

Outro fator da decadência rápida da agricultura foi a maneira como a Fazenda Real penalizava os dizimeiros que, na impossibilidade de cumprirem com as cláusulas dos contratos, tinham suas sesmarias e outros bens confiscados e depois vendidos em hasta pública, concedendo-se, aos arrematantes, prazos muito longos para os pagamentos. Muitos adquiriam os bens sem sequer terem dinheiro e também sem terem a esperança de um dia poderem ser seus donos.

A Colônia continuava isolada do progresso. Assim, não fosse por uma nova cultura, o café, a agricultura colonial do Brasil teria enfrentado novo colapso já no início do século XIX.

No Caminho Velho dos Paulistas, assim como na Estrada Real, em terras de sesmarias, muitas fazendas surgiram e prosperam durante o ciclo do ouro, fornecendo víveres aos viajantes que se dirigiam às Minas Gerais. Os produtos delas (feijão preto, arroz, farinha de mandioca, toucinho e aguardente, além de milho para os animais), eram comercializados em vendas à beira dos caminhos, tocadas por escravos da confiança de seus donos, e que tinham nelas o lucro de suas produções. Casa de fazendeiro. Gravura de Johan Moritz Rugendas.

Continua.

Referência.
Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.







Nenhum comentário:

Postar um comentário