NA MARTINICA
Nossa próxima parada foi na Martinica. Lá fica o Monte Pelle, à esquerda, quieto como qualquer outra montanha, não dando indicação alguma de sua intenção de entrar em erupção, como aconteceu em 1902, erupção aquela que praticamente destruiu a cidade a seus pés, matando aproximadamente 10.000 pessoas.
Em agosto, antes da nossa chegada, um furacão tinha atingido a ilha e não restou nenhuma folha verde nas árvores ou vegetação, como nos foi contado. Um barco grande como o nosso foi então arrastado à deriva para a praia e ficou lá, indefeso. Muitos prédios foram destelhados ou tiveram suas fundações arrancadas ou ambos.
Meninos negros nus vieram em suas pequenas canoas para mergulhar atrás de moedas de um cent, as quais os passageiros jogavam na água para vê-los mergulhar. Eles nadavam talvez tão bem quanto mergulhavam, principalmente quando as moedas iam excepcionalmente fundo. Os garotos passavam sob o barco por um dólar, mas não deixavam o serviço. Se por desventura alguma água entrasse em sua canoa eles pulavam, viravam os barcos de cabeça para baixo, tiravam a água, desviravam e subiam de novo, como se nada de mais tivesse acontecido. Eles estavam nas canoas como em suas próprias casas, inclusive eles navegavam com elas mais rápido do que nadavam.
Claro que desembarcamos para visitar a estátua da imperatriz Josefina, primeira esposa de Napoleão. Pobre "crioula", ela teria se saído melhor se tivesse ficado na linda ilha onde nasceu.
Foi no Caribe que nos familiarizamos com duas características impressionantes de velejar nos trópicos. Em primeiro a fosforescência da água, ia além de toda a imaginação. Começava no leme, corria formando rodamoinhos de fogo, fazendo um caminho traçado atrás da embarcação noite adentro.
Outro fenômeno inesperado foi o comportamento de pequenas tempestades. Nós já tínhamos visto o que um furacão podia fazer, mas, por outro lado, podia-se ver pequenas tempestades por todo lado. Uma vez contei 11 à vista ao mesmo tempo, tão pequenas que em muitas delas se ficava fora do alcance simplesmente andando pelo convés do barco.
Também parecia mais claro quando a água estava agitada, passando por uma barreira de corais ou bancos de areia em águas rasas.
Nossa próxima parada foi Barbados, possessão inglesa, dizem que uma das regiões mais densamente povoadas da terra, mais de 1.100 indivíduos por milha quadrada. Dedicada à plantação de cana de açúcar, o valor de suas terras chegam de $400,00 a $600,00 por acre. A cidade do porto é Bridgetown e, como todos esses portos, é alcançada por chatas. Estamos em 18 de outubro, onze dias desde Nova York e nem a metade do caminho para o Rio foi vencida.
Passado o tempestuoso mar do Caribe, tripulação e passageiros passaram a procurar por "Jonas", o pé-frio, que estaria trazendo azar à travessia. Descobrimos que as opiniões sobre quem era "Jonas" estavam divididas entre um padre e nós. Quando soubemos que éramos vistos como um jovem casal em lua de mel, rimos muito e contamos logo celebraríamos nosso décimo aniversario.
Temos vários passageiros interessantes, entre eles J. O. Nebias, um brasileiro em sua viagem para casa, egresso da Universidade da Virginia, onde ele esteve estudando engenharia. Ele é um "Delta Tau Delta", a mesma fraternidade a que pertenço e está nos ajudando com a língua portuguesa, auxílio sempre benvindo, pois viveremos em português de agora em diante, por um tempo.
Há o Sr. Seers, rapaz bastante superior, presumo, ao menos segundo sua própria opinião e esta, me parece ser definitiva. De qualquer forma não confraterniza com ninguém e parece extremamente solitário. No mar, todos conhecem todos, embora ninguém admita que alguma amizade formada se estenda após a viagem.
Há também Albany, chamado assim pelo nome de sua cidade de origem. Ele esta a caminho da Argentina, para vender maquinas colhedeiras.
Está assustadíssimo com a febre amarela e contou outro dia na presença do médico do barco que vai se manter somente com a whisky quando chegar na região da febre. "Bem, se você fizer isso e por ventura pegar a doença, então estará acabado" disse o doutor, o qual suponho que não é adepto de bebidas alcóolicas.
Um outro, do qual esqueci o nome, era um tipo esportivo e perdeu todo seu dinheiro jogando em Newport News, enquanto carregávamos a farinha. Ele foi despojado de tudo, exceto 20 dólares que os outros jogadores devolveram. Ele telegrafou da primeira parada dizendo que foi roubado na embarcação. Mas nisso ele não se lembrou do Capitão Crossman, que não era um homem de brincadeiras e se ressentiu da crítica a seu navio e telegrafou a verdade, o que fez com que o jovem fosse demitido ao chegar ao Rio de Janeiro.
Havia também um fabricante de machados, que estava indo para o Rio criar uma fábrica de machados. Ele disse que perguntavam a ele com frequência por que era tão difícil fazer um bom machado? "Fácil de responder" dizia. "Existem mil maneiras de se fazer um machado ruim e apenas uma de se fazer um machado bom". Uma lição que apliquei para muitas coisas além de machados.
Nós estamos definitivamente nos trópicos, a diferença entre estações absolutamente desapareceram, o Sol nasce no Leste exatamente às seis horas, levanta se diretamente no seu zênite e fica precisamente sobre as nossas cabeças ao meio dia, quando a sombra de um homem mal cobria seus pés. A mudança dos ventos soprados vindos do leste no empurrava constantemente, o que criou um crescente tédio, mas será pior após cruzar o Equador pois eles mudarão ligeiramente para o Sudeste e nos pegarão mais de frente do que agora.
Estou surpreso com o frescor, especialmente durante a noite, quando se faz necessário um agasalho pesado no convés. Suspeito que essas surpresas aumentarão, pois vamos viver num clima no qual metade do dia se passa com a ausência do sol.
Enjôos tem sido a ocupação principal do nosso grupo, especialemnte a Emma, enquanto que a Mamãe não sofreu nenhum pouco. Papai é ótimo marinheiro e eu fico bem, se estiver fora da parte interna da embarcação, mas ajudar os outros realmente me pega.
Noite passada durante o jantar um passageiro correu para o convés e foi direto ao mancebo onde "chamou o Hugo" e garantiu, enquanto voltava aliviado, "pronto, agora qualquer peixe pode ficar com o meu jantar se quiser; pois para mim basta de enjôo".
REFERÊNCIAS
DAVEMPORT, E. Memórias. [S.l: s.n.], [2017?]. 54 p. (University of Illinois Archives Record Series, 8-1-21; Eugene Davemport Paper Box, 4).
Na semana que continuaremos narraremos os acontecimentos durante o cruzamento da embarcação pela região do Equador até o Rio Amazonas.
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