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segunda-feira, 14 de junho de 2021

Agricultura Familiar. II - Parte 2. Modelo autossustentável para o agricultor familiar, desenvolvido na Esalq: instalações e resultados


Imagem meramente ilustrativa - Pixabay.com


Adilson D. Paschoal 

Professor Titular-Sênior da Esalq-USP 

Trabalho elaborado em homenagem aos 120 anos da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, Universidade de São Paulo, e à memória de seu idealizador e criador Luiz Vicente de Sousa Queiroz, exemplo de dedicação e determinismo por uma causa que não viu concluída senão em seus sonhos. 


Instalações e resultados

Todas as construções foram feitas de alvenaria (blocos de cimento) e de madeira visando durabilidade, custo menor, conforto para as criações e facilidade para a coleta de estercos. As seguintes instalações fazem parte do projeto: dois galpões para galinhas e um para cabras; minhocário; tanque para irrigação da horta e para criação de peixes e patos; galpão para máquinas, implementos e armazenamento de ferramentas e produtos; galpão para peneira separadora de minhocas e húmus, debulhador de milho e picador de forragens; viveiro para mudas; canteiros elevados e composteira de madeira. Segue resumo das instalações e dos resultados. 


Galinheiros

Galpão para pintos e frangas: 9mx3m (3x3m e 6x3m respectivamente); galpão para poedeiras: 10mx4m. Poleiros de madeira, elevados do solo de modo a permitir coleta de esterco pelo lado de fora do galpão e maior higiene interna; ninhos para postura feitos de madeira, fechados na frente, com tampa na parte superior para a coleta dos ovos, tendo acesso nas laterais (o ambiente escuro dos ninhos acalma as aves, permitindo a retração total da cloaca após a postura, evitando que outras aves biquem a região); bebedores e comedores convencionais; piso de cimento, com cama de resíduos orgânicos (capim picado e seco), que depois de retirado é compostado. Cobertura dos galpões com telhas de barro e lona antitérmica; laterais teladas para ampla ventilação e solarização, sendo protegidas do frio e chuva por cortinas plásticas. Três pastos, com 200m² cada, completam a área dos galinheiros. 

Para a produção diária de cinco dúzias de ovos orgânicos (R$ 2.800,00 por mês ao preço atual), definiu-se o plantel como sendo de 80 galinhas e 8 galos (2m² de pasto por ave), renovável quando a postura atingisse 50% da produção máxima. Um dos plantéis da raça francesa Label Rouge produziu a média quinzenal de 960 ovos, entre maio de 1998 e novembro do mesmo ano, variando de 822 a 1.142 (cerca de 5 dúzias diárias). Cálculo preliminar da eficiência energética, i.e, a razão entre a quantidade de energia gasta para produzir e a quantidade de energia obtida na produção, resultou no valor positivo de 1,42%, mostrando ser energeticamente eficiente. Após o período de postura econômica, as aves são vendidas para abate e/ou consumidas pela própria família.

Nota: Os ovos foram comercializados na Leiteria do Departamento de Zootecnia da Esalq, revertendo o arrecadado para a manutenção da unidade.



Horta orgânica biocinética


“Biocinética” implica em movimento (rotação de culturas); daí a denominação desse modelo de horticultura orgânica desenvolvido na Esalq, cuja técnica é baseada em rotação de plantas olerícolas de famílias botânicas diferentes (para evitar danos por pragas e patógenos), de diferentes exigências nutricionais (para não esgotar o solo de macro e micro nutrientes), e de biodiversidade visando estabilidade.


O modelo compreende uma horta padrão de 1.008 m², dividida em quatro secções independentes, para a facilidade de se promover rotação das hortaliças. Cada secção tem área produtiva de 192 m², sendo formada por um canteirão (2,40m x 20m), para culturas de ciclo longo, maior do que quatro meses; cinco canteiros regulares (1,20m x 20m), para culturas com ciclo curto, igual ou menor do que quatro meses; e metade de outro canteirão (2,40m x 10m, para uma secção, e 2,40m x 10m, para a outra secção), destinado ao cultivo de adubos verdes e de essência atraentes e repelentes de pragas. Sendo modular, o tamanho da horta pode ser ampliado proporcionalmente, o que é facilitado por programa desenvolvido para computador, originalmente elaborado para a IBM do Brasil, para a sua horta orgânica junto da indústria em Sumaré, SP. 

A sequência rotacional das hortaliças foi feita de acordo com os seguintes esquemas: 1). Raízes exigentes (beterraba, rábano, mandioquinha-salsa) seguidas por folhosas pouco exigentes (cebolinha, acelga, mostarda), seguidas por recuperadoras de solo (feijões, favas, adubos verdes), recomeçando depois o ciclo; 2). Folhosas exigentes (brócolo, coentro, repolho, alface, couve, couve-flor, almeirão, espinafre, chicória, salsa, agrião, rúcula), seguidas por raízes ou tubérculos pouco exigentes (cenoura, nabo, rabaneta, batata-doce, inhame, cará), seguidas por recuperadoras de solo ou por folhosas pouco exigentes, recomeçando depois o ciclo; 3). Para canteirões: frutos exigentes (abóbora, abobrinha, pepino, berinjela, quiabo) ou frutos pouco exigentes (pimentas), seguidos por recuperadoras do solo. 

Como a maioria das hortaliças tem ciclos inferiores a 120 dias, os canteiros de cada secção são renovados a cada quatro meses, o que permite melhor planejamento rotacional e estimativa da produção. Dados obtidos apontam rendimento mensal bruto de aproximadamente R$3.200,00 (2007). 

Nota: As verduras e legumes foram comercializados nos restaurantes da Esalq, revertendo o arrecadado para a manutenção da unidade. 


Tanque para irrigação e criação

O sistema de irrigação da horta é por aspersão, sendo a água bombeada de um tanque de alvenaria de 43m³ (9m x 3m x 1,6m), também utilizado para a criação de peixes (tilápia) e de patos, para consumo da família. Um pré-tanque (1m x 3m x 1,6m), alimentado por tubulação no fundo, fornece água livre de cloro ao tanque, caindo a água em cascata para oxigenação natural, benéfica aos peixes. Um abrigo de alvenaria serve às aves. Todo o sistema é fechado por alambrado. 


Viveiro para mudas e canteiro elevado

Um viveiro de alvenaria de 4m x 4m, com irrigação por aspersores semiautomáticos, e um canteiro elevado de 20m x 2m, disposto em dois andares, para plantas medicinais herbáceas, arbustivas e arbóreas, assim como para plantas condimentares, completam o setor da horta. 


Cabril

A criação de cabras destina-se à produção de leite para consumo da família e de esterco para o minhocário. A área para a criação tem 63,5m x 14m (889m²), contendo cabril, pastos e capineira. O projeto foi desenvolvido para se ter uma cabra e cabritos da raça Saanem, produtora de 2,6 a 3 litros de leite por dia, com lactação de 9 a 10 meses (720 litros).


O cabril, de alvenaria, mede 8m x 4m, tendo abrigo e maternidade. O abrigo (4m x 3m) tem piso elevado de um metro de altura, com rampa de acesso, sendo construído de madeira com vãos para a coleta de esterco na parte de baixo e pelo lado de fora do abrigo, 
sendo equipado com manjedoura, cocho, saleiro e bebedouro. Um adulto produz cerca de 600 kg de esterco por ano. A maternidade tem 4m x 2,5m, com baia para cabra, curral de 2,5m x 2m e sala de ordenha, com cocho e bebedouro; para os cabritos há uma baia com cocho e bebedouro e curral separado de 2,5m x 2m. Os pastos de capim “cost cross” são dois, divididos em quatro piquetes para o rodízio dos animais (pastejo rotacionado), favorecendo o desenvolvimento das pastagens. Os animais também têm acesso ao pasto das aves, como já foi explicado. Pastos 1 e 2: 20m x 14m cada; capineira com cana-de-açúcar, para o inverno: 16m x 14m. 

Além de volumosos, os animais recebem milho e outros cereais da área de grãos, feijão-guandu, plantado em toda a periferia dos pastos, e sobras da horta orgânica. 


Minhocário

Foi dimensionado de forma a atender à demanda de húmus de minhoca (vermicomposto) para a horta orgânica e de minhocas para a produção de farinha de minhoca para as aves. Camas do galinheiro e do cabril, acrescidas de sobras vegetais de diferentes procedências, são previamente compostadas e estabilizadas em composteira de madeira de três corpos, mantendo um sempre vazio para permitir a virada do composto, antes de serem colocadas nos canteiros para a alimentação das minhocas. 

O minhocário é construído de blocos de cimento, tendo por cobertura telhas onduladas de fibrocimento, com armação de madeira para suporte. Dimensionado para se conseguir máximo rendimento em função do ciclo biológico da espécie gigante africana (Eudrilus eugeniae), apresenta três canteiros em sequência: um canteiro de matrizes (2m x 2m); um canteiro de reprodução (6m x 2m) e três canteiros de produção (20m x 2m cada). Microaspersores mantêm o substrato com umidade adequada e lâmpadas são acesas automaticamente à noite para evitar possíveis fugas das minhocas. A separação dos vermes é feita em peneira vibratória para húmus.



Pomar orgânico

Destinado ao consumo da família e dos animais, o pomar tem 784m² (28m x 28m) foi inicialmente plantado com 15 bananeiras, oito pés de acerola, quatro goiabeiras, uma mangueira, uma jabuticabeira anã e dois camu-camus (Myrciaria dubia), recebendo, ao longo dos anos, outras fruteiras (mamão, mexerica, limão, maracujá, carambola e amora). Nabo-forrageiro (Raphanus sativus), da família das crucíferas, foi plantado em toda a área como adubo verde, uma vez que suas raízes descompactam o solo (Cambissolo, B-textural com cascalho, perfil raso), servindo a planta para alimentação animal e para a reciclagem de nutrientes, como nitrogênio e fósforo. A adubação foi feita com composto no plantio (40kg/cova) e em cobertura. Acidez foi corrigida com calcário dolomítico e aplicado fosfato natural em cobertura. Depois de formado, o pomar serve para o pastejo dos caprinos, realizando, assim, capina biológica das plantas invasoras.


Arborização

Na área reservada para reflorestamento (2.000m²) e no entorno do projeto, árvores foram plantadas com as finalidades de: quebra-ventos e barreiras físicas contra a disseminação de organismos indesejáveis; obtenção de madeiras (mourões), lenha e frutas; atração da fauna associada à existência do componente arbóreo, especialmente polinizadores necessários às fruteiras e outras plantas; e paisagismo e melhoria do microclima local. Em um primeiro momento plantou-se uma essência exótica (eucalipto, para mourão) e outra nativa (grevilha, de crescimento rápido, que floresce o ano todo, para quebra-vento). Sistema Agrofloretal (Saf) foi adotado, cultivando-se milho e feijão entre fileiras de árvores. Em anos subsequentes outras essências foram plantadas: acácias, cabeludinha, calabura, cedro, ipê, jambolão, jequitibá, paineira-rosa e pau-d’álho.


Automatização e mecanização

A fim de facilitar o árduo trabalho do agricultor, a automatização de algumas atividades foi estabelecida: sistema de irrigação da horta por aspersão; irrigação das mudas do viveiro por microaspersores semiautomáticos temporizados; umidificação dos canteiros do minhocário por microaspersores temporizados; peneira vibratória para separar minhocas e húmus; debulhador de milho; picador de forragens; roçadeira portátil a gasolina e outros. Embora não necessário, um microtrator da fazenda Areão foi utilizado no projeto, para ele sendo adquiridos uma enxada rotativa, um rotocanteirador e uma carreta.


Nota:
A utilização de tecnologias integradas, como são as do projeto em apreço, desenvolvidas para o pequeno agricultor (agricultor familiar), é o fundamento pelo qual se deve desenvolver qualquer outro modelo visando sustentabilidade e autossuficiência, passos seguros para a permanência dele no campo, produzindo alimentos que lhe garantam renda adequada, proporcionem segurança alimentar para a população humana e conservem e preservem os recursos de produção e os recursos naturais fundamentais à vida.


Referências

PASCHOAL, A.D. Ökolosische und öconomische Last der industriell betribenen Landwirtschaft in Brasilien. Hamburg: Lateinamerika, 1985.

PASCHOAL, A.D. Sustainable Agriculture. A world-wide growing concern and reality. Proceedings, 2nd International Conference on Kyusei Nature Farming, Piracicaba: 1991.13-17.

PASCHOAL, A.D; PASCHOAL,.D.P.D. A model of sef-sustained nature farming system suitable for small-holders in Brazil. Proccedins, 6th International Conference on Kyusei Nature Farming. Pretoria: South Africa, 1993.

PASCHOAL, A.D. Produção orgânica de alimentos. Agricultura sustentável para os séculos XX e XXI. Piracicaba: 1994, 191p.

PASCHOAL, A.D. Modelos sustentáveis de agricultura. Agricultura Sustentável-Embrapa. Jaguariuna, 2(1),11-16, 1995.

PASCHOAL, A.D. Projeto de viabilidade sócio-econômica para o assentamento de 40 familias de agricultores no município de Bastos, SP. Projeto Casulo “Vida no Campo”, Incra-Prefeitura Municipal de Bastos, 2001, 31p.

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