Adilson D. Paschoal
Professor Titular-Sênior da Esalq-USP | E-mail: adpacho@usp.br
Modernização da agricultura familiar.
O tamanho limitado da propriedade familiar de certa forma dificulta a sua viabilidade econômica e a adoção de tecnologias modernas. A própria permanência das famílias no campo é outro problema, tanto por questões financeiras como por disponibilidade menor de financiamentos, falta de assistência técnica, aumento da mecanização e da contratação de serviços, e até mesmo de motivação para trabalharem com agricultura e pecuária, principalmente dos jovens, as cidades constituindo-se em maiores atrativos para eles. Com isso, as famílias rurais diminuem e envelhecem, como está ocorrendo no Rio Grande do Sul onde 82% dos trabalhadores rurais têm mais de 41 anos. Em 2017, quase a metade dos produtores familiares no Brasil tinha idade de 55 anos ou mais, 25% superavam os 65 anos e apenas 10% tinham menos de 35 anos.
A busca por trabalho fora da propriedade do agricultor tem diminuído tanto a mão de obra da família em seu próprio domínio como a média de pessoas ocupadas nos estabelecimentos familiares, a ponto de não poderem mais ser classificados nessa categoria. O Decreto no. 9.064, de 2017, exige que pelo menos a metade da renda dos produtores deva proceder de atividades realizadas na propriedade; isso fez com que apenas 3,9 milhões de estabelecimentos fossem incluídos na categoria familiar no Censo de 2017, deixando de fora cerca de 900 mil outras, que, assim, perderam os benefícios das políticas públicas. A maior diminuição ocorre nas novas fronteiras agrícolas (Matopiba, principalmente).
Políticas públicas para a agricultura familiar
Políticas públicas têm sido implantadas em apoio a essa modalidade de agricultura, como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), de 1996, e o fortalecimento das ações de reforma agrária. A primeira dessas ações deu-se em 1985, através do Programa de Crédito Especial para Reforma Agrária (Procera), cuja finalidade era aumentar a produção e a produtividade da agricultura dos assentados da reforma agrária, de forma a possibilitar a inserção no mercado, a independência econômica do governo e a posse definitiva da terra.
Outras se seguiram: Apoio à Pequena Produção Familiar Rural (Prorural), do início da década de 1990, com a criação de linha de crédito rural específica para a agricultura familiar; Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), do Programa Fome Zero, cujo objetivo era incentivar a produção e facilitar a comercialização dos produtos através de hortas comunitárias, hortas escolares, feiras livres, mercados municipais, cozinhas comunitárias etc.
De máxima importância foi a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Pnapo), de 2012, cujo objetivo era promover a transição das práticas agropecuárias convencionais para as práticas agroecológicas e fomentar a produção orgânica, tornando-as sustentáveis pelo uso racional dos recursos de produção e naturais, melhorando a qualidade de vida das pessoas pela oferta de alimentos saudáveis, livres de resíduos tóxicos. O projeto Banco Comunitário de Sementes (sementes crioulas) foi introduzido para garantir maior autonomia dos agricultores, reduzindo a dependência deles de insumos externos. A criação da Agência Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (Anater) em 2013 permitiu viabilizar e qualificar o serviço de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) em todo o país, promovendo o desenvolvimento rural sustentável, sobretudo da agricultura familiar, convênios sendo firmados entre entidades públicas e empresas privadas com aplicação de R$ 80 milhões em 2020.
Outra iniciativa de grande importância do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) foi o Plano Setorial de Mitigação e de Adaptação às Mudanças Climáticas para a Consolidação de uma Economia de Baixa Emissão de Carbono na Agricultura (mais conhecido como Plano ABC de Baixa Emissão de Carbono). Criado em 9 de junho de 2020, o plano incentivava o uso de práticas agrícolas sustentáveis pelos agricultores, tais como: recuperação de pastagens degradadas; Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e Sistemas Agroflorestais (SAFs); Sistema de Plantio Direto (SPD); fixação biológica de nitrogênio; florestas plantadas; tratamento de dejetos animais; e adaptação às mudanças climáticas.
Em nível internacional, a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) instituiu 2014 como o Ano Internacional da Agricultura Familiar, com o objetivo de colocar essa modalidade no centro das políticas agrícola, social e ambiente, acabando com a miséria no campo.
Tecnologias apropriadas para a agricultura familiar
Os agricultores familiares atuais têm demonstrado maior preocupação com o uso racional dos recursos naturais e de produção, máxime nas regiões mais desenvolvidas e onde a assistência técnica é maior, daí o emprego de técnicas agroecológicas. Muitas delas vêm sendo pesquisadas e recomendadas por quase todas as unidades da Embrapa, assim como por universidades e institutos de pesquisa: adubos orgânicos e verdes; compostagem e vermicompostagem de resíduos agrícolas e industriais; rotação e consórcio de culturas; tecnologias brandas; mecanização e equipamentos adequados à unidade produtiva e às condições do agricultor familiar; cultivo mínimo do solo; cobertura, viva ou morta, permanente do solo para evitar erosão e seca; integração lavoura-pecuária-floresta; variedades produtivas e resistentes a pragas e doença; sementes crioulas e raças animais rústicas; criação animal a pasto; rodízio de pastagens; uso de produtos naturais e biológicos para o controle de pragas e doenças; homeopatia para tratamento veterinário entre outros. Alimentos e outros produtos assim produzidos têm maior valor agregado, alcançando maior preço, sobretudo quando rotulados com selos identificadores da procedência (agricultura familiar, orgânica, artesanal etc.).
Alguns resultados animadores têm sido obtidos pela Embrapa em suas várias unidades, no programa Agricultura Familiar e Populações Tradicionais, principalmente no Nordeste e no Centro-Oeste. Assim, a Embrapa Arroz e Feijão (Goiás) obteve média de 1.934Kg/ha de arroz das cultivares BRS Sertaneja e BRS Bonança em duas aldeias indígenas Bacairis, onde 22 hectares foram plantados, sendo a melhor colheita de 3.450kg/ha. Sistemas agroflorestais voltados para a agroenergia e segurança alimentar, produziram ótimos resultados em comunidades locais assim como o uso de tecnologias brandas e de saneamento como o uso de fossa séptica biodigestora (para tratar esgoto doméstico e gerar adubo orgânico); jardim filtrante; barragem subterrânea; irrigação por microaspersão; e barraginhas para a captação de água de chuva entre outras.
No sertão nordestino de vários estados, em comunidades de pequenos agricultores familiares, foi implantado pela Embrapa em 2010 o Sistema Agropecuário Sustentável (Siagros), com o plantio de palma forrageira (ou milho, feijão, girassol, guandu) entre fileiras da leguminosa Gliricidia sepium, planta capaz de resistir aos períodos de seca e de alimentar animais. No assentamento “Margarida Maria Alves”, localizado no agreste paraibano, os agricultores têm colhido 1.000 kg/ha de algodão colorido orgânico, em área de 15 hectares em 2013. O produto é processado em miniusina descaroçadora de algodão e prensa para enfardamento da fibra desenvolvidas pela Embrapa para os agricultores familiares.
Sementes biofortificadas, ou seja, sementes de cultivares melhoradas para serem mais nutritivas, têm diminuído a desnutrição e elevado a segurança alimentar no Nordeste. É o caso, por exemplo, dos feijões comuns BRS Pontal e BRS Agreste, e do feijão caupi BRS Xiquexique, desenvolvidos pela Embrapa, que têm maiores quantidades de ferro e zinco, sendo mais resistentes às pragas e doenças.
No Rio Grande do Sul, 390 famílias estão produzindo arroz orgânico em dez municípios, num total de 3.700 ha em 2021, vendendo o produto para o Grupo Gestor do Arroz Agroecológico, com acréscimo de 20% pela qualidade do alimento. Em 2020, o saco de 5 kg de arroz convencional era vendido por R$50,00 e o orgânico por R$27,50.
Referência:
PASCHOAL, A.D. História Ilustrada da Agricultura. Seis séculos de agricultura no Brasil. Edição comemorativa dos 120 anos da Esalq e dos 200 anos da Independência do Brasil. 550 p. aprox. Em revisão, para publicação.
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