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terça-feira, 12 de março de 2019

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista: Parte 12. Café: o ouro negro chega ao brasil.


Adilson D. Paschoal | Professor Sênior da Esalq-USP


Século XIX: Primeira metade. Em Lavras do Funil (Lavras) chega a notícia sobre o café. Com a Independência, a economia brasileira passa a depender da Inglaterra. Com a abdicação de D. Pedro I, fazendeiros tornam-se mais poderosos. A escravidão cruel.




Minas Gerais, com suas minas de ouro, tornara rica muitas famílias. Desde a Inconfidência Mineira de 1789, porém, as pessoas de maior posse e cultura passaram a ser mais vigiadas e a Fazenda Real mantinha sobre as maiores fortunas cobiça desmedida, decretando derramas a todo instante. Tais razões foram suficientes para que muitos abastados mineiros, sobretudo os do sul, viessem para São Paulo, onde terras estavam sendo oferecidas, com a condição de se estabelecer roças, povoando o sertão paulista.


Em certo momento, em Lavras do Funil (Lavras), ao capitão-mor Joaquim Gonçalves dos Santos foram apresentadas, por um de seus amigos fazendeiros, capitão como ele, que retornava de viagem empreendida ao Rio de Janeiro, sementes de uma planta que se dizia originária da África, e que fora introduzida no Brasil em 1727: o café. Contou-lhe, então, a seguinte história:

— Quem a descobriu — disse ele — foi um pastor de cabras que vivia no centro da África (Absínia, atual Etiópia), há cerca de mil anos. Notou que os animais ficavam alegres e saltitantes sempre que mastigavam uns frutos de coloração amarelo-avermelhada, de arbustos existentes em alguns campos de pastoreio, e somente com a ajuda deles o rebanho conseguia caminhar por várias léguas e por subidas infindáveis. E prosseguindo: — Tal descoberta chegou aos ouvidos de um monge, que decidiu experimentar o poder dos frutos. Colheu alguns e os levou consigo até o monastério. Ao preparar infusão, percebeu que a bebida o ajudava a resistir ao sono enquanto orava, ou em suas longas horas de leitura do breviário. Essa descoberta espalha-se rapidamente entre os monges, criando demanda pela bebida, sendo as primeiras plantas cultivadas em monastérios islâmicos no Iémen. No século XVI, os persas (iranianos) passam a torrar e moer os grãos, formando bebida estimulante.

— Que coisa fantástica! — assevera o capitão Joaquim. — E seus descobridores? Passaram eles a plantar e a comercializar a nova bebida?

Em resposta, diz o fazendeiro: — O café tornou-se de grande importância para os árabes, que tinham completo controle sobre o cultivo e o preparo da bebida.

E continuando, após breve pausa: — Na época em questão, o café era produto guardado a sete chaves. Proibia-se até mesmo que estrangeiros se aproximassem das plantações; os árabes protegiam as mudas como se protegessem a própria vida. Os holandeses foram os primeiros a obter as sementes, plantando-as em suas colônias, o mesmo se dando com os franceses.

— Os holandeses!... Sempre eles e os franceses a tomar a dianteira! comenta o capitão-mor. — E aqui, entre nós? quis saber ele.

— Aqui na Colônia o café entrou por Belém, através da Guiana Francesa, graças à astúcia do sargento-mor Francisco de Mello Palheta, a pedido do capitão-general do Maranhão e Grão Pará, que o enviara às Guianas com essa missão.

Vivamente interessado, após ouvir, com redobrada atenção, o relato do amigo, o capitão Joaquim pega as sementes em suas grandes mãos e, após examiná-las por algum tempo, exclama:

— Vou plantá-las aqui na fazenda e queira Deus que elas vinguem e dêem bons frutos, com o que minha família haverá de ter o pão de cada dia.

Mostrando a simplicidade de seu caráter, o capitão encerra o diálogo dizendo:

— Compadre, daqui alguns anos você vem pra cá com a comadre, que a minha cara-metade, dona Maria Rosa Cândida dos Serafins, mandará preparar o “vinho das arábias”, com o café que aqui se colherá.

O café foi introduzido no Brasil em 1727. Já em 1779, embarcam-se pelo porto do Rio de Janeiro as primeiras partidas do produto. Assim como a cana, o café viria a ser o suporte financeiro de muitos agricultores paulistas. Transporte de café no Rio de Janeiro. Gravura de Jean Baptist Debret.


A partir desse instante, a planta merece do capitão interesse crescente. Fica sabendo que, no final do século XVIII, a produção cafeeira do Haiti — até então o principal exportador mundial — entrara em crise. Em consequência, o Brasil aumentara bastante sua produção, passando a exportar o produto com maior regularidade. Em 1779, embarcaram-se pelo porto do Rio de Janeiro as primeiras partidas de café, com a insignificante quantia de setenta e nove arrobas (1.185 kg).

Mas, no ano de 1806, as exportações atingiram o volume significativo de oitenta mil arrobas (1.200 t). Primeiramente cultivadas no Pará, as lavouras de café espalharam-se rapidamente pela Colônia, atendendo apenas ao mercado doméstico, sendo consumido nas próprias fazendas. Em sua trajetória pelo Brasil, o café passara pelo Maranhão, Bahia, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná e há pouco chegara a Minas Gerais.

O destino, porém, muda os planos do capitão-mor. Corriam em Lavras, como em todo o sul de Minas, notícias alvissareiras sobre o Sertão do Rio Pardo, onde sesmarias estavam sendo concedidas às margens e às nascentes e afluentes desse importante rio. Tinha ele conhecimento de que grande número de mineiros estava ocupando seus campos e estabelecendo criação de gado; os de mais posse estavam implantando engenhos, para exportar açúcar, graças aos incentivos do governo paulista ao cultivo de cana-de-açúcar. Já na primeira década do século XIX, o Sertão do Rio Pardo transforma-se rapidamente de terra de posseiros, agregados e donatários de sesmarias, em área especializada de produtos exportáveis: açúcar e algodão. Dependendo das condições que encontrasse, o café poderia ser uma opção viável. O assentamento de açorianos com erário real era outro forte motivo.

Sendo fidalgo da Casa Real, e homem de prestígio e fortuna, ocupando cargo político de destaque em Lavras, onde fora nomeado Capitão-Mor de Ordenança em 1803, consegue terras de sesmaria no Sertão da Casa Branca. Em 1819, aos cinquenta e nove anos de idade, vende suas propriedades de Lavras, reúne a família, agregados e escravos, coloca todos seus pertences em liteiras e mulas cargueiras, e ruma para a freguesia da Casa Branca.

Embora conhecedor do caminho, contrata os serviços de um guia experiente, pois não queria correr riscos. A viagem é longa, cansativa e muito perigosa. Ao cair de uma tarde muito quente, com o céu coberto por nuvens pesadas, anunciando aguaceiro próximo, os viajantes, arranchados na mata, em local afastado dos ribeiros e alagadiços para evitar incômodos mosquitos e febres, são alertados por um dos camaradas da tropa, de que havia onça nas cercanias de onde se achavam. Imediatamente o guia reúne alguns de seus homens, que se armam de espingardas, forquilhas e facas e adentram a mata densa, seguindo seus cães mateiros.

O capitão permanece, empunhando sua arma, em defesa da família. A tensão é geral; o medo eriça os pelos e alerta para o perigo. Depois de longa espera, latidos são ouvidos com mais frequência, à distância, seguidos por repetidos tiros partidos de dentro do matagal. Profundo e perturbador silêncio se faz sentir. O que teria acontecido? A onça fora morta ou matara seus desafiantes? Finalmente, aquela quietude inquietante é rompida por barulho sinistro, vindo da trilha. Mirando sua espingarda naquela direção, o capitão espera pelo pior, mas logo vê sair do imenso verde o guia com um camarada, trazendo às costas, atravessado em um pau, de onde pendia amarrado pelas patas, o belo felino, atingido por tiro certeiro, que lhe varara o crânio. José, que se posicionara ao lado do pai e dos outros dois irmãos homens, Joaquim e Francisco, respira aliviado. O perigo terminara. Poderiam agora repousar, não fosse pelo temporal que em seguida desaba, impedindo-os de pegar no sono, até que a noite avançasse.

Em 1820, o fidalgo Joaquim toma posse da Sesmaria da Paciência, na Estrada de Goiás, uma das maiores da região, transformando-a em produtiva fazenda, que, como a maioria daquelas de maior riqueza, dispunha de sede, no estilo do sul de Minas Gerais, tendo dois andares, de engenho para a produção de açúcar e aguardente, e de capela e senzala.


Ao cair de uma tarde muito quente, com o céu coberto por nuvens pesadas, anunciando aguaceiro próximo, os viajantes, arranchados em meio à mata, são alertados por um dos camaradas da tropa de que havia onça nas cercanias de onde estavam. Caçada à onça. Gravura de Maximilian Alexander Philipp, Príncipe de Wied. Modificado por Alamy Photo.

Depois de reformada a sede e aperfeiçoada a infraestrutura de produção, suas dependências passaram a receber, com mais frequência, viajantes que transitavam pela Estrada de Goiás. Dois dos mais ilustres foram o naturalista francês Auguste de Saint Hilaire e o sargento-mor Luis d’Alincourt, cujos pais eram franceses. Em 1825, o capitão já era o maior dos três senhores de engenho da freguesia, tendo quarenta e sete escravos e um feitor, com renda de 1.064$000 nesse ano. Além de cana-de-açúcar, tinha criação de gado e culturas de subsistência.

Entrementes, no Rio de Janeiro grandes mudanças estavam acontecendo. Em abril de 1821, o rei D. João VI é obrigado a retornar a Portugal, cabendo a D. Pedro a regência do Brasil. A subordinação portuguesa à Inglaterra levara o povo português à miséria e à fome, e o país à decadência econômica e do comércio. Por isso, ao retornar a Portugal, o soberano esvazia o Banco do Brasil, levando tudo o que podia a bordo de seus navios. Pouco mais tarde, em 1828, o banco entraria em falência. Um dos últimos atos do soberano foi decretar, em 28 de fevereiro de 1821, a extinção das capitanias, que passam a se denominar províncias.

A regência de D. Pedro (1821-1822) se transcorre em meio a inúmeras exigências de Portugal para que o Brasil voltasse a ser colônia, o que não podia ser aceito pelos brasileiros. Em 7 de setembro de 1822 é proclamada a Independência.

A independência política do Brasil não significou independência econômica. De Portugal, a subserviência passa para a Inglaterra, o que já ocorria desde o tratado de 1810. Os ingleses é quem definiam ao país o que importar e o que não importar; máquinas para indústrias manufatureiras, que pudessem concorrer com equivalentes inglesas, eram de importação proibida. Assim, a economia do país continuava a ser totalmente agrícola. A agricultura, porém, mergulhara em séria crise. O açúcar tinha forte concorrência das Antilhas (Cuba, principalmente). O algodão brasileiro, que progredira muito durante o período da independência americana, tinha agora nos Estados Unidos o seu principal concorrente. O tabaco, destinado quase que todo ao mercado africano, teve sucessivas quedas com a extinção do tráfico negreiro, e a forte pressão inglesa contra o mercado escravista, desde 1826.

O desgaste político e popular de D Pedro I obriga SM a abdicar, em abril de 1831, em favor de seu filho Pedro de Alcântara, de seis anos de idade, retornando depois a Portugal. Com a abdicação, fazendeiros e proprietários rurais tornam-se mais poderosos. O Brasil havia assinado, em 1831, um tratado com a Inglaterra, em que se comprometia extinguir o tráfico de escravos em três anos. Isso porém não ocorre. As fazendas não podiam prescindir do trabalho dos negros, e o pais desenvolvia-se. Surge o tráfico ilegal, que perdura por muitos anos. Depois de 1840, o número de escravos intruduzidos anualmente passava de cinquenta mil (antes era de quarenta mil), sem contar muitos que simplesmente eram cruelmente jogados ao mar, quando os navios negreiros eram abordados por naus inglesas.

Os traficantes rapidamente acumulam grandes fortunas, passando a competir com a elite rural, obrigada a ter de pagar valores mais altos, sofrendo pressões frequentes para o pagamento de suas dívidas. Isso foi suficiente para que os fazendeiros assumisse posição contrária ao tráfico, em 1850, que assim começa a declinar rapidamente, passando de cinquenta e quatro mil em 1849, para vinte e três mil em 1850, três mil em 1851, e pouco mais de setecentos em 1852.


No Estado Brasileiro a escravidão permanece, por ser a base da estrutura social e econômica do país. A jornada de trabalho era de catorze a dezesseis horas, sob a fiscalização do feitor, que não admitia pausa ou distração. Quando um escravo era considerado preguiçoso ou insubordinado, vinham os castigos. O feitor, ou escravo por ele designado, era o executor da sentença. Feitores corrigindo os negros. Gravura de Jean Baptist Debret.
Até que se consumasse a maioridade do novo imperador, o que ocorreria em 1840, o Brasil passa por um de seus períodos mais conturbados. Com o Código de Processo Criminal, as autoridades passam ao controle dos proprietários de terras, restabelecendo-se a autonomia municipal, e os juízes de paz passam a ser eleitos pela população local.

Continua.

Referência.

Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.

Um comentário:

  1. No paragrafo "Em 1920, o fidalgo Joaquim toma posse da Sesmaria da Paciência, na Estrada de Goiás, uma das maiores da região" Seia 1820?

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