Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP
Séculos XIX e XX. Erros e acerto dos cafeicultores. Desmatamento e a marcha para o Oeste. Correlação entre produção de café e o desmatamento. Como se fazia a derrubada das matas nas encostas dos morros. Ferrovias e o eucalipto salvador.
A história do café é uma história de muitos erros e poucos acertos. Erros pela forma como a exploração foi feita, em escala gigantesca, monocultural e monovarietal, as lavouras sendo implantadas nas encostas íngremes de morros, sem nenhum cuidado com a conservação do solo, o que obrigou ao deslocamento contínuo do cultivo sertão adentro, o machado e o fogo pondo fim às matas, secando mananciais, deixando atrás de si áreas degradadas, imprestáveis senão para pastos pouco produtivos. Propriedades rurais, vilas e cidades cujas economias giravam em torno do café acabaram em ruínas, mortas, sem esperanças, malgrado o labor, o suor e o sangue de povos escravizados ou semiescravizados, pela imposição de uma aristocracia poderosa, que acabou arruinada pela própria ambição, fausto e má gerência dos bens. Do povo vinha, como alerta, o ditado: “Pai rico, filho nobre, neto pobre”. Não fosse, entretanto, pelos pioneiros, desbravadores do sertão hostil, fazendeiros intrépidos, de coragem e determinação, para quem o desafio era meta de vida, a província paulista não teria sido rica e próspera como acabou sendo, e isto devido ao café, sendo este seu único acerto histórico.
Exemplo marcante é o do vale do Paraíba fluminense, berço da cafeicultura intensiva no Brasil. O cultivo do café em grande escala nessa região iniciou-se com a vinda da família real portuguesa para o Rio de Janeiro em 1808, ocasião em que muitas sesmarias foram distribuídas para colonos recém chegados da metrópole, ou já estabelecidos no vale, com o compromisso de iniciar lavouras com café. O plantio nas encostas dos morros, sem o cuidado de pelo menos manter no cume a vegetação nativa, como manta protetora do solo, permitindo infiltração maior de água da chuva, única técnica que, por força do acaso, mostrara ser eficiente, em pouco tempo tornou as plantações improdutivas, as terras sendo abandonadas e outras desmatadas, repetindo-se o processo até o último quinhão de terra disponível. Idêntico problema ocorreu em Minas Gerais.
A terra era o recurso natural de que mais se dispunha, por isso os erros se repetiam. Assim foi que do vale do Paraíba fluminense a cafeicultura espalha-se pelo vale do Paraíba paulista: mesmos morros, mesma técnica, mesmo sucesso de curtíssimo tempo. Em 1830, o café era a principal cultura do vale do Paraíba, caminhando continuadamente em direção à capital São Paulo. Em 1854, a exportação de café atinge cifra considerável, com produção de 3,5 milhões de arrobas (51,4 t), o que representou o desmatamento de 510.000 hectares, máxime nas regiões de Bananal e de Areias, de grandes cafezais, quase na divisa com o Rio de Janeiro.
Enquanto a cafeicultura declinava no Rio de Janeiro em Minas Gerais e no vale do Paraiba paulista, como rápida passagem da riqueza do café, deixando atrás ruinas de velhas mansões senhoriais, desaparecendo as plantações enriquecedoras, a produção se mantinha no Oeste Novo de São Paulo graças às terras abundantes, clima favorável e solos férteis. Dessa região, a marcha em busca de novas fronteiras seguia a oeste, nas divisas com o Paraná e com Mato Grosso. A safra de café de 1886 atinge 10,3 milhões de arrobas (151,4 t) com área desmatada de 2.800.000 hectares e taxa de desmatamento de 72.000 hectares por ano, sucumbindo ao café a magnífica Floresta Latifoliada Tropical e o Cerradão.
A alta produção obriga o governo a aumentar os estoque de café, para estabilizar o preço. Ao longo do tempo, novas técnicas foram introduzidas: a do arado de aiveca, de tração animal, e do despolpador, o qual simplificou o descascamento dos grãos. De 1890 a 1900, as plantações de São Paulo duplicam, passando de 220 milhões de pés para 520 milhões (chegaria a um bilhão em 1930). A safra de 1901, de oito milhões de sacas, crescera cinco vezes em apenas cinco anos, o que teve, como consequência, a perda de 150.000 hectares de florestas. A partir de 1902, o governo paulista passa a cobrar imposto sobre as novas plantações, porém é somente a saturação do mercado consumidor que consegue reduzir o ritmo de crescimento. Em 1907, o estado havia perdido perto de seis milhões de hectares, ou seja, quase a metade do que havia primitivamente. A região mais desmatada era a da Mogiana, seguida da Paulista, da Araraquarense e da Alta Sorocabana.
O crescimento da economia mundial, no período pós-guerra I, cria nova oportunidade para novos plantios. Assim, entre 1918 e 1924 cerca de 121 milhões de pés de café são plantados e a cobertura florestal nativa cai para 44,8% em 1920. Em 1927, a produção atinge 104 milhões de sacas.
São Paulo, que primitivamente tinha 82% de seu território coberto por matas, ia rapidamente perdendo essa riqueza, pouco entendida na época, substituída pelo café. No período áureo, por volta de 1886, já estava reduzida a 70%. Sessenta e seis anos depois, em 1952, restariam apenas 18% (hoje não passa de 3%).
A derrubada das matas seguia o mesmo procedimento usado para o plantio da cana-de-açúcar nos tempos coloniais. Começava de madrugada. Munidos de foices, escravos negros adentravam a mata, cortavam cipós e arbustos do subbosque, abrindo caminho para os machadeiros que, com seus instrumentos afiados, cortavam parcialmente o tronco, movendo depois morro acima, para iniciar idêntico procedimento em outra árvore próxima. Assim, em cascata, sucumbiam as árvores quando aquela mais acima das outras era derrubada, derrubando, na queda, as demais. As madeiras mais nobres, úteis na fazenda, eram retiradas e as outras enleiradas e queimadas. O fogo descontrolado destruía não apenas a área derrubada, mas outras mais, de cinco a dez vezes maiores.
Um bom exemplo é o da floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. Desmatada para o plantio de café, em pouco tempo deixou a cidade do Rio sem água potável, devido à seca dos mananciais. Em 1856, por intervenção da Secretaria dos Negócios da Agricultura, iniciou-se a desapropriação das áreas de nascentes para serem reflorestadas, culminando, em 1861, com a determinação do imperador Dom Pedro II para que a área fosse replantada e conservada.
Porém, não foram apenas as derrubadas das matas para o plantio de café que levaram à destruição da cobertura vegetal. Os fazendeiros abriam grandes ferrovias e muitos ramais chamados “cata-café”, para poderem escoar a produção. Como dormentes, moirões e postes usavam madeiras nobres, perobeiras por exemplo, o que exigia grande devastação para retirá-las. As locomotivas usavam muita lenha também, o que consumia matas. Somente em 1904 a Companhia Paulista de Estradas de Ferro começaria a utilizar lenha de eucalipto, de seu horto de Jundiaí.
A substituição da lenha de matas nativas, quase extintas no ciclo do café, por lenha de eucalipto, um recurso natural renovável, deu-se graças a Edmundo Navarro de Andrada, regente agrícola (agrônomo) formado pela Escola Nacional de Agricultura de Coimbra, Portugal, em 1903. Navarro havia sido contratado pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro para desenvolver projetos de criação de hortos florestais ao longo de sua malha ferroviária. O objetivo era criar infraestrutura onde fosse possível avaliar as melhores essências para o reflorestamento das áreas desmatadas, obter dormentes para assentar trilhos e fornecer lenha e carvão para as locomotivas a vapor. Dezoito hortos foram criados, ficando a sede no horto de Rio Claro, tendo área de 2.230 hectares. Das noventa e cinco espécies silvícolas avaliadas, uma única foi escolhida: o eucalipto australiano.
Navarro não foi, entretanto, o primeiro a introduzir o eucalipto no Brasil. Exemplares já existiam no Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1825), em Amparo, SP (1861-1863) e no Rio Grande do Sul (1868), sendo este o estado onde primeiro se plantou, com certa regularidade, a essência florestal, cabendo a iniciativa ao político gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil. Navarro foi quem mais contribuiu para o estudo do eucalipto e de seu emprego silvicultural.
Continua
Referências.
MARCONDES, S. O impacto da cultura do café no meio ambiente do Brasil, do século XVIII
ao XXI. Ecodebate, 2015
PASCHOAL, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo II. Séculos XIX e XX. 403 p. Piracicaba, 2010.
VICTOR, M.A.M, CAVALLI, A.C., GUILLAUMON, J. R., SERRA FILHO, R. Cem Anos de Devastação Revisitada 30 anos depois. Ministério do Meio Ambiente Secretaria de Biodiversidade e Florestas Diretoria do Programa Nacional de Conservação da Biodiversidade. Brasília, 2005.
A alta produção obriga o governo a aumentar os estoque de café, para estabilizar o preço. Ao longo do tempo, novas técnicas foram introduzidas: a do arado de aiveca, de tração animal, e do despolpador, o qual simplificou o descascamento dos grãos. De 1890 a 1900, as plantações de São Paulo duplicam, passando de 220 milhões de pés para 520 milhões (chegaria a um bilhão em 1930). A safra de 1901, de oito milhões de sacas, crescera cinco vezes em apenas cinco anos, o que teve, como consequência, a perda de 150.000 hectares de florestas. A partir de 1902, o governo paulista passa a cobrar imposto sobre as novas plantações, porém é somente a saturação do mercado consumidor que consegue reduzir o ritmo de crescimento. Em 1907, o estado havia perdido perto de seis milhões de hectares, ou seja, quase a metade do que havia primitivamente. A região mais desmatada era a da Mogiana, seguida da Paulista, da Araraquarense e da Alta Sorocabana.
O crescimento da economia mundial, no período pós-guerra I, cria nova oportunidade para novos plantios. Assim, entre 1918 e 1924 cerca de 121 milhões de pés de café são plantados e a cobertura florestal nativa cai para 44,8% em 1920. Em 1927, a produção atinge 104 milhões de sacas.
São Paulo, que primitivamente tinha 82% de seu território coberto por matas, ia rapidamente perdendo essa riqueza, pouco entendida na época, substituída pelo café. No período áureo, por volta de 1886, já estava reduzida a 70%. Sessenta e seis anos depois, em 1952, restariam apenas 18% (hoje não passa de 3%).
A derrubada das matas seguia o mesmo procedimento usado para o plantio da cana-de-açúcar nos tempos coloniais. Começava de madrugada. Munidos de foices, escravos negros adentravam a mata, cortavam cipós e arbustos do subbosque, abrindo caminho para os machadeiros que, com seus instrumentos afiados, cortavam parcialmente o tronco, movendo depois morro acima, para iniciar idêntico procedimento em outra árvore próxima. Assim, em cascata, sucumbiam as árvores quando aquela mais acima das outras era derrubada, derrubando, na queda, as demais. As madeiras mais nobres, úteis na fazenda, eram retiradas e as outras enleiradas e queimadas. O fogo descontrolado destruía não apenas a área derrubada, mas outras mais, de cinco a dez vezes maiores.
Um bom exemplo é o da floresta da Tijuca, no Rio de Janeiro. Desmatada para o plantio de café, em pouco tempo deixou a cidade do Rio sem água potável, devido à seca dos mananciais. Em 1856, por intervenção da Secretaria dos Negócios da Agricultura, iniciou-se a desapropriação das áreas de nascentes para serem reflorestadas, culminando, em 1861, com a determinação do imperador Dom Pedro II para que a área fosse replantada e conservada.
Porém, não foram apenas as derrubadas das matas para o plantio de café que levaram à destruição da cobertura vegetal. Os fazendeiros abriam grandes ferrovias e muitos ramais chamados “cata-café”, para poderem escoar a produção. Como dormentes, moirões e postes usavam madeiras nobres, perobeiras por exemplo, o que exigia grande devastação para retirá-las. As locomotivas usavam muita lenha também, o que consumia matas. Somente em 1904 a Companhia Paulista de Estradas de Ferro começaria a utilizar lenha de eucalipto, de seu horto de Jundiaí.
A substituição da lenha de matas nativas, quase extintas no ciclo do café, por lenha de eucalipto, um recurso natural renovável, deu-se graças a Edmundo Navarro de Andrada, regente agrícola (agrônomo) formado pela Escola Nacional de Agricultura de Coimbra, Portugal, em 1903. Navarro havia sido contratado pela Companhia Paulista de Estradas de Ferro para desenvolver projetos de criação de hortos florestais ao longo de sua malha ferroviária. O objetivo era criar infraestrutura onde fosse possível avaliar as melhores essências para o reflorestamento das áreas desmatadas, obter dormentes para assentar trilhos e fornecer lenha e carvão para as locomotivas a vapor. Dezoito hortos foram criados, ficando a sede no horto de Rio Claro, tendo área de 2.230 hectares. Das noventa e cinco espécies silvícolas avaliadas, uma única foi escolhida: o eucalipto australiano.
Navarro não foi, entretanto, o primeiro a introduzir o eucalipto no Brasil. Exemplares já existiam no Jardim Botânico do Rio de Janeiro (1825), em Amparo, SP (1861-1863) e no Rio Grande do Sul (1868), sendo este o estado onde primeiro se plantou, com certa regularidade, a essência florestal, cabendo a iniciativa ao político gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil. Navarro foi quem mais contribuiu para o estudo do eucalipto e de seu emprego silvicultural.
Continua
Referências.
MARCONDES, S. O impacto da cultura do café no meio ambiente do Brasil, do século XVIII
ao XXI. Ecodebate, 2015
PASCHOAL, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo II. Séculos XIX e XX. 403 p. Piracicaba, 2010.
VICTOR, M.A.M, CAVALLI, A.C., GUILLAUMON, J. R., SERRA FILHO, R. Cem Anos de Devastação Revisitada 30 anos depois. Ministério do Meio Ambiente Secretaria de Biodiversidade e Florestas Diretoria do Programa Nacional de Conservação da Biodiversidade. Brasília, 2005.
Nenhum comentário:
Postar um comentário