Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP
Séculos XIX e XX. Primeiras instituições de ensino superior no Brasil e em São Paulo. Imperial Estação Agronômica de Campinas. Razões da necessidade de uma escola agrícola em São Paulo. A República e as elites agrárias. Luiz Vicente de Sousa Queiroz e sua escola. Fazenda e Escola Prática São João da Montanha.
Em contraste com as ex-colônias espanholas e inglesas das Américas, que possuíam universidades desde o século XVI, o Brasil somente três séculos mais tarde implantaria escolas de ensino superior. Temia-se que a instrução prejudicasse os interesses da Corte. Na área médica havia escassez de físicos (médicos formados por faculdades europeias) e de cirurgiões (práticos). Somente com a vinda da corte portuguesa para o Brasil em 1808 é que se instalam as primeiras escolas de cirurgia, uma em Salvador (18/2/1808) — a Escola de Cirurgia da Bahia —, outra no Rio de Janeiro (5/11/1808) — a Escola de Anatomia, Medicina e Cirurgia, ambas criadas pelo príncipe regente D. João (depois rei Dom João VI). Passariam mais tarde para Academias Médico-Cirúrgicas. Porém, é somente em 1826 que se autoriza a emissão de diplomas e certificados para os médicos que faziam o curso no Brasil. Em 1832, as Academias do Rio de Janeiro e de Salvador são transformadas em escolas ou em faculdades de medicina.
O príncipe regente criou também a Real Academia Militar do Rio de Janeiro (1809), de onde descende a Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1810), nome depois mudado para Escola de Engenharia do Rio de Janeiro, este o curso de engenharia mais antigo do país (desde 1792). No Império, durante a Regência, estabeleceu-se, em 1838, também no Rio de Janeiro, o Imperial Colégio de Pedro II, o primeiro de instrução secundária oficial do Brasil.
Em São Paulo existia a mais antiga Faculdade de Direito do país (Academia de Direito) — a do Largo de São Francisco —, implantada em 1828 por Dom Pedro I. Instalada em antigo convento franciscano do século XVII logo se torna uma das mais importante instituição de ensino superior do Brasil, local de acirrados debates sobre o destino da recém criada nação brasileira. Nela, os ideais de modernidade e de transformação da sociedade nacional, pela abolição da escravatura e instituição da república, contrapunham-se àqueles da aristocracia cafeeira, em cujas mãos estava o destino do país. O dr. Estevão Ribeiro de Souza Resende (Barão de Resende), criador do Engenho Central em Piracicaba, primo de Luiz de Queiroz, bacharelou-se em direito por esta faculdade em 1863.
Instituições agrícolas. Engenharia, medicina e direito. Faltava, na sequência, a agricultura, alicerce econômico do país. Desde que esta se iniciou em São Paulo (Capitania de São Vicente), com a cana-de-açúcar trazida por Martim Afonso de Sousa, a agricultura atravessou séculos baseada unicamente em principios empíricos, de práticas aprendidas de silvícolas, de experiências de povos estrangeiros, e de erros e acertos do que aqui se praticava nas fazendas. Falta de conhecimento do solo, de seu manejo correto e conservação, foi a primeira grande falha, que levou à marcha inexorável do litoral ao planauto paulista, e deste sertão adentro, sempre em busca de solos virgens, deixando, como sombras atrás de si, terras imprestáveis, de que só o gado rústico conseguia aproveitar. Embora o francês Carlos Augusto Taunay, que tinha terras de café no Rio de Janeiro, recomendasse o plantio de café em curvas de nível, em seu “O Manual do Agricultor Brasileiro”, de 1839, suas recomendações técnicas não foram adotadas. A falta de conhecimento levou, ainda, ao uso, por centenas de anos, das mesmas variedades de cana, de café, de algodão, num ambiente tropical e subtropical onde a diversidade natural é a regra, criando estabilidade.
Problemas com algumas pragas de culturas começam a aparecer em meados do século XIX, intensificando-se no século XX, a medida que o comércio de produtos agrícolas se generaliza, os meios de transporte se modernizam e se expandem, ligando o litoral com o planalto e o sertão, e as monoculturas atingem proporções extraordinárias, facilitando a disseminação de organismos daninhos. Ao contrário de outros países, doenças raramente aparecem nas lavouras brasileiras do século XIX, capazes de causar danos de monta nas culturas economicamente exploradas, o que só ocorreria no século XX.
Trazido da África, o café só começou a apresentar problemas com pragas no Brasil em 1850, quando o bicho-mineiro (Perileucoptera coffeella), espécie africana descrita em 1842, foi constatada em nossos cafezais, disseminando-se rapidamente, a ponto de se acreditar na possibilidade de que seria capaz de liquidar a cultura no Brasil, da mesma forma que fizera nas Antilhas; consequência imediata foi a alta do preço do café a partir de 1857. Relativo à cana-de-açúcar, a broca-da-cana (Diatraea saccharalis) começa a causar grande prejuizo em 1839-1840 em canaviais de Santa Catarina e de Campos, no Rio de Janeiro, conforme relato de uma comisssão de técnicos brasileiros; a lagarta provavelmente viera junto com mudas trazidas da Ilha Maurícia, que, por sua vez, importara mudas de Java ou do Ceilão (Sri Lanka).
A vocação predominantemente agrícola do país justificava a montagem de infraestrutura de pesquisa e ensino nessa área. As primeiras instituições agrícolas do Brasil aparecem no Império de Dom Pedro II, quando foram criados os Imperiais Institutos de Agricultura da Bahia, de Pernambuco, de Sergipe, do Rio de Janeiro e do Rio Grande, criados de 1859 a 1861. Do Imperial Instituto de Agricultura da Bahia surge a Imperial Escola Agrícola da Bahia, que começa a funcionar em 1876, tornando-se a primeira do seu gênero no país. A organização da escola esteve a cargo do naturalista francês Louis Jacques Brunet. São Paulo, principalmente pelo café, recebe a Imperial Estação Agronômica de Campinas, criada em 1887 e iniciada no ano seguinte. Para organizá-la contratou-se o químico austríaco Franz Josef Wilhelm Dafert. Não se sabia ao certo se a nova instituição seria de pesquisa ou de ensino. Em 1892, a Estação é transferida para o Governo Estadual (Secretaria de Agricultura, Comércio e Obras Públicas), tornando-se no Instituto Agronômico de Campinas (IAC).
Situação política que influenciou Luiz de Queiroz. Em 15 de novembro de 1889 é proclamada a República no Rio de Janeiro. A Abolição da Escravatura, sem compensações de perdas, e a falta de apoio dos proprietários rurais ao Imperador, foram fortes motivos para a queda da monarquia. D. Pedro II mostrara-se incapaz de resolver os problemas mais graves do país, principalmente aquele relacionado com a escravatura, cuja extinção demandava grande parte da aristocracia cafeeira, principalmente a do Oeste Paulista. Além disso, a classe média tornara-se mais expressiva, exigindo mais liberdade e maior participação nos assuntos políticos.
As transformações sociais na segunda metade do século XIX, com o empobrecimento e perda de prestígio político da velha aristocracia açucareira do Nordeste, escravista e mercantilista, e o enriquecimento e poder político da nova aristocracia do café no Sudeste, abolicionista e empresarial, contribuem para a implantação da República. O Império perdera sua força desde a constituição do Partido Republicano em 1873. A despeito de intensa propaganda republicana, a mudança de regime político não era bem aceita. Em 1884, tinham sido eleitos para a Câmara dos Deputados apenas três republicanos, entre eles os futuros presidentes Prudente de Moraes (domiciliado em Piracicaba) e Campos Sales. O mesmo se repete nas eleições seguintes. Não sendo possível a mudança pelo voto, optou-se por golpe militar.
Após sessenta e sete anos a monarquia chegava ao fim, iniciando-se a República Brasileira. A partir de então, o país passa a ser governado por presidente escolhido pelo povo, através de eleições. No período de 1889 a 1894, de governo militar, há domínio político das elites agrárias paulistas, mineiras e cariocas, firmando-se o Brasil como país exportador de café. Por outro lado, empresários do ramo industrial exigem maiores oportunidades. Na área social, várias revoltas e problemas acontecem. Desde o manifesto de 1882, da Associação Industrial, em prol do desenvolvimento da indústria no Brasil, pouco se fez nesse sentido, mais pela pressão, em contrário, do setor agrícola, com ampla representação no Parlamento. Porém, há o crescimento de outro setor urbano, representado por mercadores, profissionais liberais, funcionários públicos e agentes ligados a bancos e meios de transportes, que, apesar de originário do meio rural, desenvolve ideias próprias, rompendo muitos dos valores tradicionais.
Foi o que aconteceu com Luiz de Queiroz. Desde que voltara da Europa, em 1873, afiliara-se ao Partido Republicano, abolicionista, criado nesse ano, cujo pensamento contrariava o Partido Liberal, escravocrata e monarquista. O mesmo se dera com muitos paulistas, inclusive com Prudente de Moraes, que, na época, presidia a Câmara Municipal de Piracicaba. Contrariando também o pensar da elite cafeeira, posiciona-se favorável à industrialização, inaugurando, em 1876, a Fábrica de Tecidos “Santa Francisca”, movida por força hidráulica. Com energia elétrica gerada pelas águas do rio Piracicaba, produz eletricidade para iluminação pública e instala os primeiros telefones da cidade.
A ideia de uma escola agrícola. Mas sua área era a agricultura. Produz algodão para a sua tecelagem na fazenda Engenho d’Água; adquire o “ouro branco” de outros agricultores, utilizando barcos para trazê-lo a Piracicaba, vindo de cidades vizinhas. Do que aprendera na Europa, percebe logo o atraso da nossa agricultura. Ataques frequentes de pragas e de doenças desconhecidas dizimam os algodoais de seus fornecedores. Os prejuízos são grandes. Não há a quem recorrer. Só mesmo uma escola de agricultura, como a que frequentara na França, poderia ajudar. Mas como? E onde instalá-la?
Jovem idealista expõe sua ideia para irmãos, parentes e amigos ricos, em busca de apoio e de suporte financeiro. Os resultados são desanimadores: “Impossível de realizar”, diz um; “Sonho de moço inexperiente que, em empreitada como esta, pode perder tudo o que tem”, pondera outro; “Que seja consultado o presidente da província, Rodrigues Alves, ou mesmo o Imperador Pedro II, pois não cabe a eles a criação de escolas de ensino avançado?” aconselha experiente político. Mas como conseguir apoio de monarquistas se ele próprio era republicano e abolicionista (fundaria, em 1889, o Clube Republicano Piracicabano)? Em Piracicaba, membros de sua família, que poderiam ajudá-lo, pelas riquezas que tinham, eram todos monarquistas, uns conservadores, outros liberais. O primo Estevão (Barão de Resende), vereador em Piracicaba, colocara todo o seu dinheiro na implantação do Engenho Central. Republicanos eram os irmãos Manuel e Prudente de Moraes. Em 1881, requer à Câmara Municipal a cessão de um terreno às margens do rio Piracicaba, próximo do seu palacete, onde ele pretendia instalar uma escola agrícola prática, de pequeno porte, útil à comunidade. Tempos depois, em 1888, o pedido é negado.
Luiz Vicente de Souza Queiroz (1849-1898). |
Não havia outra saída senão usar de seu próprio capital, ganho com a fábrica de tecidos, com a qual enriquecera. Casado desde 1880 com Dona Ermelinda Ottoni de Souza Queiroz, mulher de grande cultura e que não lhe dera filhos, viaja pela Europa e pelos Estados Unidos, em 1888, em busca de inspiração para a sua sonhada escola. Comunicava-se com facilidade, dominando várias línguas, falando fluentemente o francês, o alemão e o inglês. Visita jardins botânicos, hortos, fazendas experimentais, escolas de agricultura e outras instituições de ensino e de pesquisa. De retorno ao país, percorre a região a procura de um local adequado para instalá-la. Opta por Piracicaba, onde muitos engenhos existiam, alguns de grande porte: Monte Alegre e Engenho Central. Além da cana, o café e o algodão eram outras culturas importantes. A cidade crescera muito, modernizando-se com a chegada da ferrovia. Havia, desde 1881, uma escola moderna, metodista, nos moldes das escolas americanas — o Colégio Piracicabano — criado graças ao empenho dos irmãos Manoel de Moraes Barros e Prudente de Moraes.
Fazenda São João da Montanha: o inicio da Escola. Era o ano de 1889. Em hasta pública, uma fazenda que pertencera a João Florêncio da Costa estava sendo leiloada por penhora. Francisco Morato, advogado encarregado por Luiz de Queiroz para arrematá-la, consegue adquiri-la. Seu nome: Fazenda São João da Montanha, tendo 131 alqueires de solos de excelentes qualidades, contornada pelos rios Piracicaba e Piracicamirim, distando três quilômetros da cidade. A sede da fazenda ficava próxima da foz do ribeirão Piracicamirim, com acesso pelo rio Piracicaba.
Em abril de 1891, retorna à Europa, onde encomenda ao arquiteto inglês Alfred Blandford Hutching, ao custo de 300 libras, a planta de um edifício para ser a sede da sua Escola Agrícola e Fazenda Modelo, orçadas entre 30.000 e 35.000 libras esterlinas. Nos Estados Unidos, em setembro do mesmo ano, contrata o professor de agricultura Eugéne Davemport (por um ano, a 500 dólares por mês) e dois arquitetos de origem espanhola, para supervisionarem os trabalhos de construção do edifício, gerenciar a fazenda, selecionar professores e outras atividades. A escola é iniciada com o trabalho de duzentos homens, que operam duas olarias, uma serraria a vapor (a primeira da cidade), extraem pedras de uma pedreira local, produzem cal em um forno, constroem sete casas para colonos, uma casa para o diretor da fazenda, uma pocilga e um estábulo, e reformam a casa da fazenda, para onde o casal Luiz de Queiroz e Ermelinda Ottoni passam a morar, deixando, desta maneira, o luxuoso palacete que tinham nas proximidades do salto. Com isso, ele passa a administrar com maior eficiência o desenrolar dos trabalhos e ela a supervisão do fornecimento de refeições aos trabalhadores, que recebiam dois pratos de feijão por dia.
A Escola Agrícola e a usina geradora de eletricidade, que o abnegado e pioneiro inovador construía simultaneamente para o município, consomem muito dinheiro. Em 1892, percebendo que não conseguiria continuar com as obras da escola, resolve solicitar subvenção do governo estadual, comandado, interinamente, pelo advogado José Alves de Cerqueira César, que lhe é negada. Em nova tentativa, pede isenção alfandegária e frete gratuito para os materiais importados destinados às construções. Nova recusa. A deposição de Américo Brasiliense, em dezembro de 1891, substituído que fora por Cerqueira César, causara grande transtorno a Luiz de Queiroz, que já havia conseguido de Brasiliense a subvenção, pelo Estado, de 430 contos de réis para a construção da escola. Nesse mesmo ano cria-se a Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, que pouco interesse tem no que acontecia em Piracicaba por iniciativa de Luiz de Queiroz; seu primeiro secretário foi o engenheiro civil Alfredo Eugênio de Almeida Maia, de 1891 a 1896.
Na Câmara dos Deputados de São Paulo, uma lei (no. 126, de 11 de maio de 1892), abala ainda mais os propósitos do grande empreendedor: o Estado decidira implantar uma escola agrícola, em local a ser definido, e dez estações agronômicas, com seus campos experimentais, em locais adequados. Em setembro de 1892, a Câmara dos Deputados de São Paulo nega a Luiz de Queiroz a subvenção que pedia para concluir a escola.
Tempos nebulosos. Quando parecia que finalmente, depois de tantos anos, de tanto esforço, sacrifício e dinheiro despendidos, o seu sonho se realizaria, de prover a sociedade paulista com a sua primeira escola de agricultura, o governo, como que lhe copiando a ideia e o ideal, adianta-se a ele no propósito de erigir uma escola agrícola, ignorando caber a ele, por mérito, a glória da iniciativa, do pioneirismo.
Horas de insônia atormentam o idealista. Imagens do passado afluem-lhe à mente, roubando-lhe o sossego. Pensa no pai, fazendeiro e amante das plantas; pensa na escola de agricultura que frequentara na Europa, por desejo paterno. Tinha de fazer jus a tudo que aprendera e conquistara com o próprio esforço. Atormentava-lhe o pensamento as opiniões contrárias ao empreendimento que se propunha fazer. Estariam eles certos e eu não lhes dei ouvidos? — conjetura ele. Por que não deixar para o poder público a iniciativa da criação da escola, como me aconselhou um político? Animava-o, entretanto, o que disse um dia seu irmão Paulo: “Você, Lulu (Luiz de Queiroz) será o único da família Souza Queiroz que legará o nome para a posteridade”.
Para o idealista o ideal vale mais do que mil fortunas. Depois de muito conjeturar, Luiz de Queiroz decide doar a fazenda São João da Montanha, com todas as benfeitorias, para o Estado de São Paulo. Como garantia de que o governo levaria adiante o seu ideal de concluir a escola, impõe a condição de que ela deveria ser concluída e inaugurada no prazo de dez anos, caso contrário a fazenda reverteria a ele. O valor da doação chegava a perto de 150 contos de réis, descontando-se o valor das benfeitorias já existentes, no valor de 45 contos, pagos pelo governo. Pelo decreto no. 130, de 17 de novembro de 1892, Bernardino de Campos, presidente do Estado, aceita a doação, com o compromisso de que “fosse levada a efeito a ideia do estabelecimento de uma escola agrícola ou instituto para a educação profissional dos que se dedicam à lavoura".
O fato de Itu e Piracicaba serem importantes cidades republicanas deve ter favorecido a decisão governamental a favor da criação da escola em Piracicaba. Em Itu, Bernardino de Campos, Campos Sales e Prudente de Moraes tinham sido os principais articuladores do movimento em prol da república, quando, em 1873, na Convenção de Itu, criaram o Partido Republicano Paulista (PRP). Em Piracicaba havia importantes políticos republicanos e abolicionistas, dentre os quais Prudente de Moraes, ex-presidente da república, na época senador da República.
A Escola nas mãos do Governo. Para iniciar os trabalhos, o cientista Ernest Lehmann é nomeado diretor em comissão da Escola, por indicação de Franz J. W. Dafert, diretor do Agronômico de Campinas. Em 1893, o engenheiro agrícola Jorge Tibiriça Piratininga, formado na Alemanha e na Suíça, que era Secretário da Agricultura, contrata o renomado engenheiro agrícola belga, Leon Alphonse Morimont, do Instituto Agrícola de Gembloux, Bélgica, como novo diretor. Morimont foi, depois de Luiz de Queiroz, seu maior idealista. A escola transforma-se de novo em grande canteiro de obras. A pedra fundamental do edifício-sede é lançada. A Fazenda Modelo e o Posto Zootécnico já funcionavam, embora precariamente. Mudas de diferentes plantas cultivadas são introduzidas e avaliadas; animais são criados experimentalmente; do exterior chegam mudas de novas variedades de plantas, arados e outros implementos agrícolas ainda desconhecidos do agricultor (capinadeiras, semeadeiras, escarificadores, arrancadores de batata, debulhadores etc.). Entretanto, a dificuldade financeira por que passava o Estado, em face à crise do café, fez paralisar os trabalhos. Luiz de Queiroz não esmorece; usando da imprensa, escreve artigos mostrando a importância do ensino agrícola.
Em 1º de abril de 1896 lança-se nova pedra fundamental do Prédio Principal, com nova planta elaborada pelo arquiteto belga José van Humbeeck, em 1895, pois se considerava o projeto original, implantado por Morimont e que se achava ainda nos alicerces, excessivamente grandioso e dispendioso. As obras entretanto não progridem; os jornais diziam que era por causa da data ser a do dia da mentira. Com mudança no governo paulista, em fins de 1896 Morimont é demitido e as obras novamente paralisadas. Com a criação, em 1893, da Escola Politécnica em São Paulo, um curso de Engenharia Agrícola passa a ser oferecido em 1897, juntamente com os de Engenharia Industrial, Engenharia Civil e de Artes Mecânicas. Alguns engenheiros formados por esta escola lecionariam na escola agrícola de Piracicaba. Em 1898, foi criada a “Escola Prática de Agricultura de Piracicaba”.
morte do idealista e benemérito. Desgostoso, sem ver a sua obra concluída, Luiz de Queiroz morre em 11 de junho de1898, sendo sepultado em São Paulo, no jazigo do Barão de Limeira, exatamente no dia em que comemoraria 49 anos de idade. Trinta dias se passam, tempo suficiente para que se prepare uma homenagem póstuma ao insigne cidadão, que dispôs tempo e dinheiro próprios para a construção de um sonho, que, pouco a pouco, ia se materializando, para se tornar, décadas depois, numa das mais importantes instituições de agricultura do país. Foi no Teatro Santo Estevão, construído pela família do Barão de Resende, por volta de 1870, que Luiz de Queiroz recebeu, post mortem, o reconhecimento do povo piracicabano. Tempos depois, em 1959, um monumento a ele é inaugurado na praça central da cidade e, em 1964, seus restos mortais e de sua esposa são transladados de São Paulo para um mausoléu, criado em sua homenagem, defronte do Prédio Principal.
A tão sonhada escola se concretiza. Passados dois anos e meio de sua morte cria-se a Escola Prática São João da Montanha, em 29 de dezembro de 1900. Como o prédio principal estivesse apenas no alicerce, uma casa foi alugada na cidade para o proferimento de aulas teóricas. O zootecnista dr. Ricardo Ernesto Ferreira de Carvalho é nomeado seu primeiro diretor. Formara-se na França e tinha cursos de especialização na Bélgica e em Rennes (França).
Pouco tempo depois de criada, em 18 de março de 1901 a nova escola passa a se denominar Escola Agrícola Prática “Luiz de Queiroz”, em homenagem ao seu idealizador. A Escola é modestamente inaugurada em 3 de junho de 1901, funcionando com cinco Cadeiras. A inauguração era necessária para que o Governo não perdesse a doação, que venceria em novembro de 1902. As aulas começaram no dia seguinte, sendo ministradas, provisoriamente, em um grande edifício retangular (68x10m), destinado para depósito, que foi dividido em dezesseis compartimentos, destinados a salas de aula, gabinetes, museu, diretoria e depósito de implementos agrícolas. Vinte e nove alunos e um ouvinte estiveram presentes no primeiro dia de aulas. Nesse ano de 1902 a escola passa a ser subordinada à Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, formando sua primeira turma, de apenas sete alunos, em 1903.
Assim, os jovens das famílias paulistas mais abastadas tinham, por opção, as Faculdades de Engenharia e de Medicina do Rio de Janeiro, a Faculdade de Direito do largo de São Francisco e a Escola Politécnica de São Paulo. Para o setor da agricultura, havia a opção de curso superior em Engenharia Agrícola na Escola Politécnica, e de curso médio profissionalizante na Escola Agrícola Prática “Luiz de Queiroz”; as pesquisas estavam centralizadas na Estação Agronômica, depois Instituto Agronômico de Campinas.
É no governo do engenheiro agrícola Jorge Tibiriçá Piratininga, de 1904 a 1908, tendo por secretário da agricultura o médico piracicabano Carlos José de Arruda Botelho (Carlos Botelho) que a Escola Agrícola sofre novo impulso desenvolvimentista: o Edifício Principal, em estilo neoclássico, é inaugurado em 14 de maio de 1907; a Fazenda Modelo e o Posto Zootécnico são remodelados; a Casa do Diretor é reformada; traça-se o parque da Escola, projeto do paisagista belga dr. Arsène Puttmans, chefe do conjunto Parque e Horticultura, iniciando-se o plantio de árvores por volta de 1905. O Parque é inaugurado em 1907. No novo e amplo Prédio Principal havia laboratórios, salas de aulas teóricas, museu, biblioteca, gabinetes para a diretoria e a congregação, secretaria, portaria e outras dependências. No andar superior, dois grandes dormitórios para o internato, com cozinha, refeitório e rouparia, criado por Carlos Botelho para facilitar a vida dos estudantes, que tinham de vir à Escola de trole ou a pé, percorrendo os 2,5 km desde a cidade. Com o fim do internato, em 1912, houve grande aumento do número de salas, gabinetes e laboratórios para aulas práticas.
Edifício Principal, em estilo neoclássico, inaugurado em 14 de maio de 1907. A foto é provavelmente de 1920. Acervo da Esalq. |
Ode à Esalq (1921). Autor: Prof. Dr. Salvador de Toledo Piza Jr. Professor Emérito da USP.
Oh Escola nascida no monte! Joia rara de fino lavor! Esse nome que trazes na fronte é o nome do teu sonhador.
Do que teve o feliz privilégio, qual Anchieta de ampla visão, de prever, na montanha, um colégio que crescesse por toda a Nação!
Desta Escola, por ele sonhada e dos jovens que a ela vêm ter, eis que surge a legião denodada de uma gente que aspira vencer.
Cavaleiros que odeiam a guerra, bem armados de sãos ideais, converteram o humo da terra na pujança dos seus cafezais.
Oh Escola! Oh flor da montanha! Oh insigne "Luiz de Queiroz"! Tua história é uma força tamanha, que nos faz avançar mais veloz.
Tua vida, o passado escreveu! Tua glória, o futuro dirá! Teu presente assinala o apogeu do grandioso amanhã que virá.
Ao cantarmos as nossas conquistas, numa vida de intenso labor, outra coisa não temos em vista, que pagar-te um tributo de amor.
Eia, pois, esalqueanos, sem guerra! Co'a bandeira da Escola na mão, ensinai que plantar nesta terra é lutar pela grande Nação!
Planta do Pavilhão Principal, elaborada pelo arquiteto belga José van Humbeeck, em 1895. Copiada de Reis,1921. |
FIM.
Referências.
KIEHL, E. J. Vida e obra de Luiz de Queiroz. Esalq 75. Livro comemorativo do 75º aniversário da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, p. 21-40, 1976.
MARCOVITCH, J. Pioneiros e empreendedores. A saga do desenvolvimento no Brasil. São Paulo, Edusp, v. 2, 2005.
PASCHOAL, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história Piracicaba,. Tomo II. Séculos XIX e XX. 403 p. 2010.
PERECIN, M.T.G. Os passos do saber. A Escola Agrícola Prática “Luiz de Queiroz”. São Paulo. Edusp, 2004.
PILOTTO, C.M.S.F; BREMER NETO, H. (Coord.) Luiz de Queiroz. Vida e Obra. Uma percepção humanística. Piracicaba. USP-Esalq, 2019.
REIS, F.T. O ensino na Escola Agrícola “Luiz de Queiroz” de Piracicaba. São Paulo, Sociedade Editora “Olegario Ribeiro”, 2021. 240p.