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sexta-feira, 5 de abril de 2019

Acesso ao Turnitin restabelecido na USP

Informamos que o acesso à ferramenta Turnitin de prevenção de plágio foi restabelecido na USP. 

Colocamo-nos à disposição para esclarecimentos, sempre que necessário.
  
Atenciosamente,

Elisabeth Adriana Dudziak | Departamento Técnico - SIBiUSP 

Heinonline assinada e disponível para acesso



Comunicamos oficialmente que o acesso à HeinOnline está disponível para toda a comunidade USP até 17.03.2020.

Reforçamos que qualquer intercorrência seja comunicada para o representante exclusivo PTI (vendas@pti.com.br) com cópia para a DGFA (atendimento@sibi.usp.br). 

Inaie Marchizeli Wenzel | Chefe Técnica da Divisão de Gestão de Formação e Manutenção do Acervo | Departamento Técnico - SIBiUSP

Think.Check.Submit. – Ferramenta para identificar revistas confiáveis




Partilhar resultados de pesquisa com o mundo é a chave para o progresso da área científica e da sua carreira. Mas, com a quantidade de publicações existentes, como ter a certeza se uma determinada revista é confiável? 
Há uma ferramenta bem interessante e apoiada por organismos internacionais como oCOPEDOAJISSN International CentreLIBEROASPA e STMdentre outros: trata-se do Think. Check. Submit.uma iniciativa que “auxilia o pesquisador a identificar periódicos confiáveis para suas pesquisas. Por meio de uma série de ferramentas e recursos práticos, esta iniciativa internacional e intersetorial, tem como objetivo educar pesquisadores, promover a integridade e construir confiança em pesquisas e publicações confiáveis”.

quinta-feira, 4 de abril de 2019

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista: Parte 17. Os barões do café e suas fantásticas histórias, riquezas e poderes.

Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP

Baronato. Silva Prado: os maiores produtores de café do mundo. Fazenda Brejão: a primeira do sertão a ter cultivo de café. Dona Veridiana: precursora do feminismo. Barão de Casa Branca. Rapto de uma donzela. Pelos trilhos da Mogiana, o café gera progresso e traz o Imperador para inaugurar a ferrovia.


No Brasil, como em Portugal, o baronato servia como ostentação de poder político entre a elite, notadamente entre os fazendeiros. A partir do Segundo Império e o ciclo do café, são os grandes cafeicultores que passam a ostentar tais títulos, ficando conhecidos como barões do café. O baronato legitimava o poder local, da mesma forma dos coronéis da Guarda Nacional (que seria extinta em 1911), fazendo-os intermediários entre o povo e o governo. Os títulos não eram herdados, tendo que se pagar vultosa monta pela honraria, mesmo se o filho de um barão quisesse perpetuar o título do pai. Por essa razão, os baronatos geralmente se restringiam a uma pessoa; no caso de haver mais de um nobre com o mesmo título, raramente pertenciam à mesma família. Os barões do café eram mais comuns entre os fazendeiros do vale do Paraíba e do Rio de Janeiro, não sendo de muita importância entre os cafeicultores do Oeste Paulista. O baronato existiu até o advento da república, para a qual muitos barões deram seu apoio, principalmente após a abolição da escravatura, sendo dois dos principais focos da insurgência as vilas de Itu e de Sorocaba.

Em 1864, uma notícia corre célere por entre as ruas bem traçadas de Casa Branca. A fazenda Brejão fora vendida. Seu comprador não era outro senão Martinho da Silva Prado, paulistano da mais alta estirpe, primo meio-irmão de Antônio da Silva Prado, Barão de Iguape, que fez fortunas com o café, tornando-se um dos homens mais rico de sua época. Sua riqueza anterior vinha do açúcar e do que ganhava como coletor de impostos em São Paulo. A esposa de Martinho, Veridiana da Silva Prado, filha do Barão de Iguape, foi escolhida por seu pai, quando tinha apenas treze anos de idade, para ser a companheira eterna de Martinho, seu primo meio-irmão. O destino mudaria seus planos. Quando os filhos de Viridiana chegaram à idade adulta, ela escandaliza São Paulo com uma inusitada decisão: resolvera separar-se de Martinho, assumindo a chefia da família, invertendo o rígido sistema patriarcal vigente. Inconformista e incentivadora do desenvolvimento cultural, artístico e político muda-se para um palacete em 1848, que ficou conhecido como Chácara Dona Viridiana, onde se reuniam artistas e intelectuais.

Martinho da Silva Prado, paulistano da mais alta estirpe, primo meio-irmão de Antônio da Silva Prado, Barão de Iguape, acaba se tornando genro dele, ao se casar com Veridiana da Silva Prado. Martinho adquire a fazenda Brejão, em Casa Branca (Santa Cruz das Palmeiras), no ano 1864, dando início à cafeicultura na região. Barão de Iguape, Antônio da Silva Prado (Foto da família Silva Prado).


Fazenda Brejão. Tulha, casa de beneficiamento e terreiros de secagem com muros de arrimo. Foto de autor desconhecido.

Na fazenda Brejão, na região de Casa Branca (a freguesia comprendia grande área, hoje formada pelos municipios de São José do Rio Pardo, São Sebastião da Grama, Vargem Grande do Sul, Santa Cruz das Palmeiras, Mococa, Tambau) Martinho introduz a cultura do café, montando toda infraestrutura para plantio e processamento dos grãos. Além dessa fazenda, desbrava muita mata virgem para implantar outra, a Santa Veridiana, também em Casa Branca, que, em 1866, tornar-se a primeira a oeste de Mogi Guaçu a dedicar-se ao cultivo de café. Com a criação, em 1881, da freguesia de Santa Cruz das Palmeiras, desmembrada da agora cidade (1872) de Casa Branca, ambas as fazendas passam a fazer parte do novo povoamento.

Para implantar as áreas produtivas, Martinho teve a ajuda dos filhos o conselheiro Antônio da Silva Prado e o doutor Martinho da Silva Prado Júnior, este abolicionista, advogado, conhecido como Martinico Prado, que se torna o maior produtor de café de São Paulo, e um dos homens mais ricos do país. Seu irmão Antônio foi deputado estadual, ministro da Agricultura, senador e prefeito da capital. Com duas propriedades rurais na região de Ribeirão Preto (Sertãozinho), as fazendas São Martinho (comprada) e Guatapará (formada), os irmãos Silva Prado foram, por certo tempo, os maiores produtores de café do mundo.

Antiescravagista, culpando o Imperador D. Pedro II de ser o responsável pela escravatura, que, segunda dizia, era um “cancro horrível que arrasta a nossa sociedade para um abismo”, Martinico, além de defender o fim da escravidão, iniciou campanha pela vinda de imigrantes europeus, fundando, em 1886, a Sociedade Promotora da Imigração. No ano seguinte, embarca para a Itália a fim de definir critérios para o embarque de trabalhadores para São Paulo, a partir do porto de Gênova. Em 1888, a Leia Áurea põe fim à escravatura no Brasil.

Com duas propriedades rurais na região de Ribeirão Preto (Sertãozinho), as fazendas São Martinho e Guatapará, os irmãos Silva Prado foram, por certo tempo, os maiores produtores de café do mundo. Fazenda Guatapará, sua ferrovia. Acervo da família Silva Prado.
Muitas são as histórias de barões do café; a que narro, em seguida, é de Vicente Ferreira de Syllos Pereira, Barão de Casa Branca, de quem vim a ser trineto. Filho de um português de Braga, norte de Portugal, que viera para o Brasil em busca de riqueza, radicou-se em Caldas, passando depois para São João Del Rei. Em Casa Branca, para onde se mudou, Vicente chega com sua esposa Antônia Maria de Oliveira e um bebê de um ano. Tinha ele vinte e quatro anos de idade. Na freguesia da Casa Branca, conhece os Gonçalves dos Santos e os Nogueira de Barros, famílias de antigos povoadores do local. De Urias Emídio Nogueira de Barros aprende a arte do tropismo, que já praticava sem ter a experiência do famoso sertanista, agora com quarenta e dois anos de idade, iniciando negócio com mercadorias e tropas.


Por ocasião do batismo do primeiro neto do tenente Urias, ocorrido em janeiro de 1834, o jovem Vicente tivera com o tenente Urias interessante e surpreendente colóquio. Falando de Sorocaba, com seu sotaque lusitano pesado, aprendido de seu pai, confidencia-lhe segredo para o qual pede discrição de comentários. A seguinte história é por ele contada:

— Certa ocasião, no final de 1832 — disse ele — quando eu estava com uma tropa a negócios em Sorocaba, conheci Antônia Maria de Oliveira, por quem me apaixonei. — Com o tempo, ela me correspondeu com seu amor à distância. Porém, sem ter o concentimento do pai para poder sequer com ela conversar, por julgar-me imaturo e um desconhecido sem eira nem beira, “um pobretão filho de um reinol”, como me disse um dia, “que para cá viera em tempo recente para ganhar dinheiro e depois voltar rico a Portugal”, eu louco de paixão por ela e ela perdida de amor por mim, tomei decisão drástica: mandei raptar a donzela.


Face à surpresa e atenção do tenente àquela confissão tão dramática e tão inesperada, continuou Vicente:

— Assim foi que, em noite que fazia muito calor, mandei dois de meus camaradas de maior confiança buscarem Antônia Maria. — Vendo-a ainda acordada e sozinha no terraço dos fundos da morada, onde tomava fresca, os dois fieis vassalos cumprem a ordem que receberam, trazendo-a, a cavalo, a toda brida, até local isolado, onde eu os aguardava. Temendo a perseguição do pai da moça, rumamos na mesma noite para Caldas. E foi assim que Antônia Maria de Oliveira tornou-se minha esposa, casando-nos assim que chegamos.

Perplexo diante da espontânea narrativa do apaixonado e determinado jovem Vicente, o tenente Urias só consegue fazer breve comentário. Disse ele:

— São tão poucas e afortunadas as moças nestes sertões, que muito bem fazem seus pais em mantê-las fechadas a sete chaves, como as mais preciosas jóias que se pode ter...

Certamente pensava ele em suas filhas ainda solteiras, que deveriam ser muito bem protegidas, como a Coroa do Império, “antes que algum aventureiro lançasse mãos delas.”

Vicente e Antônia Maria casaram-se em final de 1832 e tiveram treze filhos. O café trouxe muitas riqueza para a família, conseguidas ao longo do tempo, pela produção de várias fazendas na região de Casa Branca e do comércio de materias e produtos para a lavoura.

No ano 1878, a cidade inicia período de grande prosperidade graças à rubiácea, com a Estrada de Ferro Mogiana chegando a Casa Branca, de onde partia o ramal do Rio Pardo, tornando-se entreposto comercial ainda mais importante. Em 1880, uma lei provincial concedia à Cia. Mogiana o privilégio para a construção de uma estrada ligando Casa Branca a Ribeirão Preto, passando por São Simão. Em 1882, inaugura-se o trecho de São Simão, e, em 1883, o de Ribeirão Preto. Todo o café desta rica região passa a ser escoado por Casa Branca.

Era o dia 15 de setembro de 1878, quando o imperador D. Pedro II chega a Casa Branca. Vinha para conhecer a cidade de tantas tradições históricas, inaugurar oficialmente a última estação construída da Mogiana, e dar um passeio pelas boçorocas, que, já por essa época, corroíam grande parte dos solos da cidade. O séquito imperial era constituído pela imperatriz Dona Teresa Cristina, o conselheiro João Lins Vieira Cansassão de Sinimbu, o Visconde do Bom Retiro, o Conde de Iguaçu, Carvalho de Moraes, o Barão de Maceió, o Barão de Pirapitingui, o Conde dos Três Rios, o conselheiro Antônio Moreira de Barros, e o Barão de Ataliba Nogueira, que depois se tornaria presidente da Cia. Mogiana.

O imperador, que estava em visita a São Paulo, de 11 a 14 de setembro, viria à Casa Branca no dia seguinte. O presidente da Província havia enviado ofício aos chefes do Partido Liberal casabranquense, solicitando que preparassem a recepção. Face ao pouco interesse deles, acabou-se apelando para o Partido Conservador, que atendeu prontamente à solicitação. Era chefe do Partido Conservador o tenente-coronel da Guarda Nacional Vicente Ferreira de Syllos Pereira, depois Barão de Casa Branca, que colocou sua residência para recepcionar os augustos visitantes. O Partido Liberal defendia os interesses dos senhores rurais e da classe média urbana sem envolvimento direto com a escravidão. Por sua vez, o Partido Conservador defendia a manutenção do domínio político das elites escravocratas rurais

Vicente tinha, por essa época, sessenta e oito anos de idade. Era próspero negociante em Casa Branca, morando em amplo e quase luxuoso solar, em meio à grande terreno, verdadeira chácara, onde ele plantara cerca de cem jabuticabeiras. No andar térreo ficava a casa comercial, e, no superior, a residência, com vários e amplos salões, à moda portuguesa.

Suas majestades chegam de trem à cidade, desembarcando às nove horas e vinte e cinco minutos no ponto terminal da Mogiana, sendo recepcionados por grande multidão de casabranquenses e de pessoas vindas de cidades circunvizinhas, desejosas de conhecer o imperador e especialmente a imperatriz, de origem siciliana, que as más línguas diziam ser de baixa estatura, manca e muito feia, a ponto de D. Pedro II, que se casara por correspondência, quase ter desistido do enlace, pretendendo inclusive mandá-la de volta à Itália. É o que corria de boca em boca em toda a província.

Tão logo desembarcam, dirigem-se de trole à residência do tenente-coronel Vicente, onde são acomodados, descansando por um quarto de hora. Logo após o breve repouso, o séquito dirige-se à Matriz de Nossa Senhora das Dores, o prédio mais suntuoso da cidade, indo em seguida conhecer uma boçoroca, nos subúrbios da cidade. Sua majestade é visitada por todos os conservadores de Casa Branca, visto a recepção dever-se quase exclusivamente a eles. A Câmara Municipal não comparece incorporada, como de praxe, por não ter sido convidada.


O tenente-coronel Vicente Ferreira de Syllos Pereira era próspero negociante em Casa Branca, morando em amplo e quase luxuoso solar No andar térreo ficava a casa comercial e, no superior, a residência, com vários e amplos salões, à moda portuguesa. Neste sobrado, o imperador D. Pedro II foi recepcionado em 1878. Barão de Casa Branca e Mariana Umbelina de Pádua Syllos, Baronesa de Casa Branca. Residência do Barão, em foto de 1912. Arquivos do Dr. Airton Dias Paschoal.
Após o almoço, Dom Pedro II e comitiva deixam Casa Branca à uma hora da tarde, embarcando em comboio na estação do Aterradinho. O coronel Vicente não pode assistir “ao bota-fora de ss.mm. porque lhe pregaram uma peça.” Honório de Syllos conta, no jornal Correio Paulistano (o primeiro de São Paulo e o terceiro do país), que os liberais, adversários políticos dos conservadores, roubaram o trole do tenente-coronel, impedindo-o de ir até o Aterradinho, que distava cerca de dois quilômetros da cidade, para despedir-se de suas majestades.

Eis a manchete dada pelo jornal paulistano, na ortografia da época:

Ladrão de Troly em Casa Branca.

O tenente-coronel Vicente Ferreira de Syllos Pereira foi victima de um gatuno que, na hora da partida de ss.mm. imperiaes para a estação, se apoderou do seu troly, dizendo ao cocheiro que o tomava com a autorização do sr. tenente-coronel. Incontinente o sr. tenente-coronel despachou gente após o gatuno; mas já era tarde, porquanto o esperto gatuno, tomando no troly, como passageiros, ao que nos consta, os drs. Babtista Pereira, Moreira de Barros, José Oscar e outros, que não se pôde conhecer, sahiu a toda brida, e, largando os passageiros, abandonou o troly na praça da estação − ficando, por esta forma, o sr. tenente-coronel Vicente e sua exma. família impossibilitados de acompanhar suas majestades à estação. È de nosso dever apresentar os signaes que se pôde colher do espertíssimo gatuno: branco, magro, alto, sem barba, e trajava sobrecasaca preta, collete preto, calça de casemira de cor, chapéo preto e botinas a Mellié. È de se suppor que o espertíssimo gatuno tivesse uma boa gorgeta para ...(ilegível).
Casa Branca, 16/10/78. O inimigo dos gatunos.

Vicente recebeu o título de Barão de Casa Branca pelo Decreto Imperial de 7 de maio de 1887. Não chegou a receber em vida a honraria, pois falecera no dia seguinte, dia 8 de maio de 1887, aos setenta e oito anos de idade, sendo sepultado na matriz da cidade.

Casa Branca teve três outros barões do café: o Barão de Monte Santo, Gabriel Garcia de Figueiredo; o Barão do Rio Pardo, coronel e comendador Antônio José Correia; e o Barão de Mogi Guaçu, José Caetano de Lima.
Continua.

Referência.
Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo II. Séculos XIX e XX. 403 p. Piracicaba, 2010.

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista: Parte 16. Nova ordem econômica: progresso e inovações tecnológicas graças à agricultura.

Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP

Século XIX: Segunda metade. Brasil na era das máquinas e das grandes invenções. Telégrafo, caminhos de ferro e telefone. A cotonicultura progride com a Guerra da Secessão. Com a borracha e o cacau, o polo econômico volta-se para o Norte e o Nordeste. Barões da borracha e suas extravagâncias. Malgrado o progresso e o café, São Paulo mantem-se atrasada


A Guerra do Paraguai (1864-1870) trouxe sérias consequências econômicas e sociais para o Brasil, obrigando à tomada de empréstimos externos para manter a balança comercial. A guerra serviu para mostrar ao mundo que o país era, além de Cuba, o único onde ainda existia escravidão. Seu exército era composto por ex-escravos e outros indivíduos de classe miserável, que se alistavam procurando, nas batalhas, sua ascensão social. Os oficiais, geralmente oriundos de classe mais qualificada, sentiram-se fortalecidos pelas sucessivas vitórias, passando a defender o fim do império e a atuação mais efetiva do exército como única instituição capaz de salvar o país da desordem, das fraudes eleitorais, da anarquia política e do caos econômico.

Mas os problemas sócio-econômicos já vinham de longa data. A desastrosa situação da economia brasileira, herdada por Pedro II de seu avô e de seu pai, foi durante toda a primeira metade do século XIX baseada na agricultura de exportação (acúcar, algodão e tabaco), que sofria séria concorrência internacional. A indústria, com exceção de algumas poucas (metalúrgica e têxtil, principalmente), tinha sérias restrições impostas pela Inglaterra.

O alto custo dos escravos, após ter-se proibido o tráfico, teve como consequência a redução da produção agrícola. Desde a Independência, as importações suplantavam as exportações. O próprio reconhecimento da liberdade havia inflacionado o país, pois, para reconhecê-la, Portugal exigiu o pagamento de dois milhões de libras esterlinas, em 1825, e a Inglaterra condicionou-a à renovação dos tratados de 1810, além de vantagens alfandegárias. A moeda desvalorizada, a emissão de dinheiro sem lastro metálico, e o deficit permanente na balança comercial obrigavam à tomada de empréstimos no exterior.

Várias medidas postas em prática no Segundo Império beneficiam o país. Em 1844, novas tarifas algandegárias encarecem as mercadorias importadas, beneficiando a indústria nacional. O primeiro surto industrial ocorre em 1850, com a emissão de papel moeda e maior aplicação de capital na indústria (de fiação, tecelagem e alimentícia), principalmente por traficantes de escravos, após a extinção do tráfico negreiro.

A Revolução Industrial na Europa e nos Estados Unidos, com suas fumegantes máquinas a vapor, e os progressos com a eletricidade e o magnetismo, que permitiram aperfeiçoar o telégrafo, em 1844, por Morse, e inventar a lâmpada incandescente, em 1879, por Edison, começam a ter efeitos no Brasil.

Foi no Brasil, mais precisamente em Campinas, em 1833, que o francês Hercule Florence cria a palavra “fotografia”, para designar uma de suas descobertas, fazendo do país um dos pioneiros da arte fotográfica, pelo uso de câmara escura. Por volta de 1860, chega ao Brasil a técnica do colódio úmido (negativo feito sobre placas de vidro sensibilizadas com solução química), que melhora a qualidade do negativo, fazendo proliferar os estúdios de retratistas, principalmente alemães, nas principais cidades brasileiras. Pedro II foi grande incentivador da fotografia como arte, sendo responsável pela preservação de grande parte de nossa memória visual do século XIX. Com isso, a pintura sofre sério revés.

Os primeiros navios a vapor (paquetes), que aos poucos iam substituindo os veleiros no transporte de cargas, correspondências e passageiros da França e da Inglaterra para o Brasil, começam a chegar ao país em 1840. Além de velas, tinham rodas laterais acionadas por motores a vapor. Hélice propulsora só seria inventada mais tarde. Navios a vapor passam também a percorrer rios brasileiros, no Amazonas e no Rio Grande do Sul, graças ao Barão de Mauá.

As comunicações que antes se faziam por mensageiros a cavalo, passam a ser feitas por correios, sendo que em 1º. de agosto de 1843 são emitidos os primeiros selos postais brasileiros, denominados “olhos de boi”, nos valores 30, 60 e 90 réis. Tais selos são considerados a segunda emissão filatélica na história postal do mundo, precedida apenas por aquela do selo “Penny Black”, lançado pelo serviço postal inglês.

Em 1843, são emitidos os primeiros selos postais brasileiros, denominados “olhos de boi”, nos valores 30, 60 e 90 réis. Tais selos são considerados a segunda emissão filatélica na história postal do mundo, precedida apenas por aquela do selo “Penny Black”, lançado pelo serviço postal inglês. “Olhos de boi”.
Em 1852, é inaugurado o telégrafo no Brasil, ocasião em que se faz a primeira ligação oficial, por intermédio do novo meio de comunicação, entre o Quartel-General do Exército, no Rio de Janeiro, e a Quinta da Boa Vista, no Palácio de São Cristóvão. O primeiro cabo telégrafo entre o Rio de Janeiro e a Europa foi instado por iniciativa do Barão de Mauá.

Em 1852, é instalado o telégrafo no Brasil, ocasião em que se faz a primeira ligação oficial por intermédio do novo meio de comunicação, entre o Quartel-General do Exército, no Rio de Janeiro, e a Quinta da Boa Vista, residência oficial de D.Pedro II. O Palácio de São Cristóvão também receberia, em 1879, o primeiro telefone a operar no Brasil. Quinta da Boa Vista e Paço de São Cristovão. Litogravura-aquarela de Karl Robert Von Planitz. !836-1840.

O primeiro caminho de ferro do Brasil, ao contrário do que se pode pensar, não foi construído por ingleses, mas por um brasileiro — o Barão de Mauá. A “Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro Petrópolis” (Estrada de Ferro Mauá) começa em 1854, ligando Porto da Estrela ao pequeno povoado de Fragoso, não muito distante de Petrópolis, onde ficava o palácio de verão do imperador, tendo extensão de 14,5 km.

Desde 1835, a Assembléia Provincial do Rio de Janeiro havia concedido privilégios, por quarenta anos, à companhia que se dispusesse a construir um caminho de ferro ligando o Rio de Janeiro às províncias de São Paulo e de Minas Gerais. No dia da inauguração da Estrada de Ferro de Petrópolis (1854), chega ao Porto da Estrela o barco que trazia D. Pedro II, nobres e ministros; após o desembarque, duas filas de pessoas se formam ao longo do trajeto por onde o imperador e a imperatriz passam, saudando a todos. Ao bispo coube a missão de batizar a “Baronesa”, a primeira locomotiva do Brasil, importada da Inglaterra. Desde então, os trilhos passam a substituir os caminhos poeirentos, e os vagões, as tropas de mulas.

A viagem pela Estrada de Ferro Petrópolis começava no cais da Prainha, no centro do Rio de Janeiro, a bordo do vapor Guarani, terminando no Porto da Estrela, no outro lado da baía da Guanabara, onde se situava a estação inicial da ferrovia. O barco atracava num píer, onde ficava à espera da composição puxada pela “Baronesa”. Ao final do trecho ferroviário, os passageiros pegavam carruagens em direção ao centro de Petrópolis. A passagem custava 1.500 réis, mas os mais pobres — assim identificados os que andassem descalços — pagavam apenas 500 réis.

Em 1856, o grande empresário Mauá inaugura a “União e Indústria”, a primeira estrada pavimentada do país, entre Petrópolis e Juiz de Fora. Entrementes, os veículos de tração animal, como as carruagens, que transitavam por estradas, não podiam competir com os trens, de modo que as rodovias só se expandiriam no século XX, com o aparecimento dos automóveis e dos caminhões.

O primeiro caminho de ferro brasileiro foi construído pelo Barão de Mauá, o primeiro grande empresário e industrial do país. A “Imperial Companhia de Navegação a Vapor e Estrada de Ferro Petrópolis” (Estrada de Ferro Mauá) começa em 1854, aberta com trabalho de escravos. Estrada de Ferro Mauá, segunda metade do século XIX. Autor desconhecido.
Outros caminhos de ferro surgiram depois, sempre sob a influência do gaúcho Irineu Evangelista de Sousa, Barão de Mauá: Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II (depois Central do Brasil), em 1858, no Rio de Janeiro, tendo 48,2 km de extensão; Recife e São Francisco Railway, em Pernambuco, em 1858; a “São Paulo Railway Company Limited” (depois Estrada de Ferro Santos-Jundiaí), em 1867, em São Paulo, a maior delas, com 139 km. Vieram mais tarde as companhias Paulista (1868), Sorocabana e Ituana (1870) e Mogiana (1872), e outras mais, no Rio Grande do Sul, Minas e Paraná. O objetivo principal das ferrovias era o escoamento das safras, principalmente de café.

Em 1876, nos Estados Unidos, Alexander Grahan Bell inventa o telefone. Em exposição internacional, onde o inventor expunha seu invento, D. Pedro II, que visitava o local, teve papel decisivo para a aceitação da novidade tecnológica. Para demonstrar seu funcionamento, Grahan Bell estende um fio de um canto a outro de uma sala, dirige-se ao transmissor e coloca D. Pedro na outra extremidade. O silêncio é total. D. Pedro tinha o receptor no ouvido quando exclama, num repente: “Meu Deus, isto fala!” Menos de um ano depois da exposição, já estava organizada, em Boston, a primeira empresa telefônica do mundo. Pouco depois, em 1879, no Rio de Janeiro, instala-se o primeiro telefone no Brasil, especialmente construído para D. Pedro II nas oficinas da “Western and Brazilian Telegraph Company”. A instalação foi feita no Palácio de São Cristóvão, na Quinta da Boa Vista, hoje Museu Nacional. Não tardou a surgir a Cia. Telefônica Brasileira. Em 1883, estava pronta a primeira linha interurbana, ligando o Rio de Janeiro a Petrópolis.

Na agricultura, a Guerra da Secessão americana (1861-1865) beneficia a cotonicultura brasileira. A valorização da borracha, após a descoberta do processo de vulcanização (1842) e do seu uso no revestimento de rodas de veículos (1850), e a invenção do pneumático (1890), fez dela uma das principais matérias primas das indústrias. A grande demanda de borracha fez com que os imensos seringais da Amazônia começassem a ser explorados de forma rápida e intensa, nos moldes do café no Sul do Brasil. Em 1880, a Amazônia exportava sete mil toneladas de borracha, aumentado para dezessete mil toneladas em 1887 (34.500 t entre 1907 e 1910) a um valor de 220.000 contos de réis ou 13.400.000 libras esterlinas ouro, representando vinte e oito por cento das exportações brasileiras.

A nova riqueza atrai muitos aventureiros em busca de fortuna rápida. Com técnicas primitivas, muitas árvores não resistem ao regime intenso de exploração e sucumbem. Assim, por analogia ao raciocínio dos barões do café, de que havia terras abundantes sob matas sem fim, os barões da borracha também foram levando devastação aos seringais, do Pará ao Amazonas e ao Acre.

A antiga cidade de Belém (1616), por onde se escoava a borracha, rapidamente se moderniza, com levas de imigrantes europeus (portugueses, franceses e espanhões) e asiáticos (chineses e japoneses). Palácios suntuosos são construidos e o Teatro da Paz (1878) torna-se palco de apresentações que só se viam na Europa. A cidade chega a ter 170.000 habitantes, com requintes que não se viam nas mais ricas cidade do ciclo do café, no Sul do país: iluminação elétrica, bondes elétricos, água encanada, redes de esgoto, avenidas traçadas sobre pântanos aterrados, além de imponentes edifícios e palacetes, em estilo europeu.

Do meio da selva, a esquecida Manaus (1669) ressurge com explendor inimaginável, rapidamente chegando a ter 70.000 moradores. Com o mundo voltando suas atenções para ela, a “Paris das Américas”, como passou a ser chamada, torna-se o centro da comercialização da borracha, passando os barões da borracha a financiar imponentes construções.

Era tal a extravagância trazida pelo dinheiro que se acendia charutos havana com notas de contos de réis, e se tomava banhos de champanha francês. Em 1880, era inaugurado o Mercado Municipal, com pavilhões em estilo “art nouveau”, importados da Europa; em 1896, erguia-se o Teatro Amazonas que, por duas décadas, recebe óperas, orquestras e grandes artistas internacionais, dentre os quais Enrico Caruso. Foi uma das primeiras cidades a ser urbanizada no Brasil e a primeira a possuir energia elétrica. Surgem novas praças, ruas, avenidas, pontes metálicas e um porto flutuante. Enquanto todas as grandes cidades brasileiras viviam quase de modo rural, em Manaus já existia luz elétrica, redes de água encanada e de esgoto, e bondes elétricos. Em 1902, chegava o primeiro automóvel, importado da França.

Com o sonho de enriquecer, milhares de imigrantes brasileiros instalam-se nos seringais, principalmente nordestinos, fugitivos das secas. Estrangeiros de várias nacionalidades fazem intercâmbio econômico entre Manaus, os seringais e os grandes centros industrializados da Europa e dos Estados Unidos. Na fronteira com a Bolívia, ocorre a incorporaçao do Território do Acre, que logo se povoa, chegando a ter 50.000 habitantes. Em 1912, a produção do país chegaria ao zênite: 42.000 t, mais de quarenta por cento das exportações do país, contra outros quarenta por cento do café. Entrementes, tal qual castelo de cartas, logo em seguida vem o declínio, com as plantações asiáticas de borracha.

Do meio da selva, a esquecida Manaus (1669) ressurge com explendor inimaginável, rapidamente chegando a ter 70.000 moradores. Com o mundo voltando suas atenções para ela, a “Paris das Américas”, como passou a ser chamada, torna-se o centro da comercialização da borracha, passando os barões da borracha a financiar imponentes construções. Manaus, em cartão postal do início do século XX, com bonde que ia até a Alfândega.
A velha aristocracia baiana, dos coronéis do açucar, decadente desde o ciclo do ouro de Minas Gerais e do café de São Paulo, volta a resplandecer, embora sem a esplendor do passado, graças a uma planta trazida da Amazônia para o sul da Bahia: o cacau. Com o crescente consumo de chocolate na Europa e nos Estados Unidos, tem início, em 1880, quase que simultaniamente com o ciclo da borracha, o ciclo do cacau, surgindo a figura dominadora dos coronéis do cacau. Nesse ano, as exportações eram de 1.668 t, aumentando rapidamente ao longo dos anos seguintes, chegando a 13.130 t em 1905 e 44.380 t em 1915, com o Brasil sendo o segundo maior produtor mundial. Com isso, Salvador volta a ser cidade de rápido progresso.

Enquanto Belém, Manaus, Salvador e a capital do Império, Rio de Janeiro, se modernizavam, adquirindo fisionomia europeia, com suntuosos edifícios, iluminação elétrica ou a gás, bondes elétricos ou puxados por burros, carruagens e berlindas de quatro rodas, tracionadas por juntas de cavalos, veículos esses que exigiam ruas mais largas e melhor pavimentação para se locomoverem com maior velocidade, São Paulo, a capital dos intrépidos paulistas, de cafezais sem fim, e de magníficas fazendas, de sedes monumentais, no estilo europeu, permanecia uma cidade feita de taipa, economicamente pobre e com feições predominantemente coloniais.

Nesta época, a população paulistana era de vinte e três mil moradores, muitos dos quais estudantes da Academia de Direito (Faculdade de Direito do largo de São Francisco), escravos de famílias que os acompanhavam, e fazendeiros que passaram a viver na capital da província. Além da falta de divertimento e de espaços de lazer, não havia abastecimento regular de água potável, e as ruas, além de muito escuras à noite, tinham péssimos calçamentos, feitos com pedras mal aparelhadas e irregulares. Até o final do século XIX, São Paulo não passava de “uma vila provinciana, acanhada e sonolenta.”

Queixava-se, em 1870, um presidente ao inspetor de obras: “a capital da Província não tem iluminação que preste, não tem água para satisfação dos habitantes, não tem praças ornadas, chafarizes, monumentos ou edifícios públicos.” Quanto ao transporte, as pessoas precisavam alugar tílburis (carros de aluguel de duas rodas, puxados por um cavalo) ou carros de boi, para perfazerem grandes distâncias. Pouco mais tarde, ainda no Império, trafegaram os primeiros bondes de tração animal na cidade. Eram carros pequenos, abertos, com capacidade de três bancos e nove assentos, importados dos Estados Unidos. A primeira linha (1872) ligava a Sé à Estação da Luz. A cidade só despertaria com o café.



Enquanto a capital do Império se modernizava, adquirindo fisionomia europeia, com iluminação a gás, bondes puxados por burros, São Paulo permanecia uma cidade feita de taipa, economicamente pobre e com feições predominantemente coloniais. Rio de Janeiro (acima) e São Paulo (abaixo) em fotografia de 1862. Autores não identificados.

A maior riqueza durante todo o Segunda Reinado, de Dom Pedro II, vem, entretanto, do café da província de São Paulo, que lidera as exportações brasileiras, com volumes duas vezes maior do que o segundo produto: o açucar.

Continua.

Referência.
Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista: Parte 15. Os caminhos de ferro do café substituem os caminhos de tropa da cana-de-açúcar.

Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP


Século XIX. O café enriquece o Império e possibilita a ascensão paulista. Os caminhos de ferro substituem os caminhos dos tropeiros e os vagões, as tropas de mulas. De Santos a Jundiaí pela São Paulo Raiway. Os fazendeiros paulistas criam as ferrovias do café: Paulista, Sorocabana, Ituana e Mogiana. Valorização da mão de obra escrava e das terras de cultura.


A cafeicultura econômica teve no vale do Paraíba, fluminense e paulista, o seu inicio e sua maior expressão, enriquecendo o Império, os fazendeiros, os capitalistas, os comissários, os bancos e os comerciantes. O desgaste dos solos, a ambição acima da razão por parte dos barões do café e de seus descendentes, aliado a outros problemas, como o transporte caro por tropas de mulas e a existência de áreas mais favoráveis à cultura no sertão, levou à gradativa mudança do pólo econômico para o Oeste Velho (Jundiaí, Campinas, Itu, Sorocaba e Limeira), onde, desde 1836, existiam extensos cafezais, produzindo 12% do total (contra 85% do vale do Paraíba) e, a partir de 1854, para o Oeste Novo (Araraquara, Ribeirão Preto e toda a região limítrofe com Minas Gerais, inclusive o antigo Sertão do Rio Pardo), responsável por 8% da produção (contra 14% do Oeste Velho e 78% do vale).

A interiorização do cultivo, entretanto, só foi possível pela abertura dos caminhos de ferro, mais eficientes e seguros, o primeiro dos quais, com a finalidade de ligar o Rio com Minas e São Paulo, facilitando o escoamento das safras, foi a Estrada de Ferro “Dom Pedro II” (depois Central do Brasil), no vale do Paraíba, exportando-se o café pelo porto do Rio de Janeiro. Com o crescimento da produção no sertão paulista, outras ferrovias tornaram-se necessárias; o capital viria do ouro negro.

No período entre 1831 e 1840, o café assume a liderança das exportações do país, com mais de 43% do total. Em 1840, o Brasil torna-se o maior produtor mundial. Nos anos de 1871 a 1880, a rubiácea supera 56% do valor das exportações. Ao final do século XIX e início do século XX representaria de 65% a 70% do valor das exportações.

Para trasportar o café de São Paulo ao porto de Santos surge a “São Paulo Raiway” (depois Santos-Jundiaí), construida em 1867 sobre a serra do Mar, com capital inglês. Para a escalada da serra dividiu-se a estrada em quatro declives, cada um com inclinação de oito por cento, nos quais os vagões eram puxados por cabos de aço. No final de cada declive construíram-se patamares, com casa de força e uma máquina a vapor, para promover a tração dos cabos. No alto da serra foi criada a estaçao Paranapiacaba, que serviu de acampamento de operários.


O grande volume de café transportado para o porto de Santos fez com que, em 1895, se iniciasse a construção de nova estrada de ferro, paralela à antiga. Em 1889, foram feitos os primeiros protestos contra o monopólio britânico sobre a rota do porto de Santos, o que culminaria com a construção da “Mairinque-Santos” em 1910, pela Estrada de Ferro Sorocabana.



Para trasportar o café de São Paulo ao porto de Santos surge a “São Paulo Raiway” (depois Santos-Jundiaí), em 1867, construida sobre a serra do Mar, totalmente com capital inglês. Para a escalada da serra dividiu-se a estrada em quatro declives, cada um com inclinação de oito por cento, nos quais os vagões eram puxados por cabos de aço. “São Paulo Raiway” na primeira metade do século XX.
Resolvido o trecho mais difícil, os ingleses deixaram para os fazendeiros paulistas a construção das estradas do interior. Assim, surge a Companhia Paulista de Estradas de Ferro, fundada em 1868 em Campinas, por um grupo de cafeicultores, capitalistas e negociantes, com o objetivo de ligar essa cidade a Jundiaí, onde terminava a “São Paulo Raiway”, permitindo o escoamento da safra do interior pelo porto de Santos. Os primeiros trens correram em 1872, ligando Jundiaí a Campinas. Posteriormente, a Paulista chegava a Rio Claro (em 1875) e a Descalvado (em 1876), passando por Limeira e Cordeirópolis, locais da fazenda Ibiacaba, que, de 1860 a 1870, era a maior produtora de café do Brasil.

Pressões políticas impedem a Cia. Paulista de levar seus trilhos adiante. Primeiro, com a proibição, pelo presidente da provincia de São Paulo, de estender sua linha até Ribeirão Preto (concedido depois à Mogiana); segundo, com a manifesta oposição de cafeicultores regionais, encabeçados pelo Barão de Pinhal (depois visconde e conde), o piracicabano Antonio Carlos de Arruda Botelho, um dos fundadores de São Carlos, à pretensão da companhia de estender seus trilhos até São Carlos. Seis anos depois, os fazendeiros de café da região, motivados por Carlos Botelho, fundam, em 1882, a Companhia do Rio Claro de Estradas de Ferro, que inaugura o trecho Rio Claro-São Carlos em 1884. O trecho até Araraquara é concluído em 1885 e o ramal para Jaú e Bauru, partindo de Itirapina, em 1886. No ano da Ploclamação da República a companhia é comprada pela São Paulo Rayway e, em 1892, pela Companhia Paulista, cuja malha ferroviária já cobria grande parte do Oeste Novo.



Estrada de Ferro São Paulo Rayway. (Autor desconhecido)
Antiga estação da Paulista em Campinas, construída em 1872 e desativada em 1884, quando foi construída outra, mais ampla. Autor desconhecido.
Transcorria o ano de 1870, quando um comerciante de algodão, de origem austro-húngara, funda a Estrada de Ferro Sorocabana, cuja primeira linha passa a operar em 1875, ligando São Paulo à fábrica de ferro Ipanema (a maior da América do Sul), passando por Sorocaba, servindo para o transporte de algodão; a insuficiência da carga logo torna antieconômica a empreitada. Sob novo comando, do banqueiro Conselheiro Mairinque, que acreditava na ideia de que a estrada de ferro deveria estender-se ao Oeste paulista, atingindo a região cafeeira, a linha ferroviária chega a Botucatú e depois a Ourinhos (em 1908), na divisa com o Paraná. Posteriormente, nas primeiras décadas do século XX, a Sorocabana chegaria às novas fronteiras cafeeiras do Centro-Oeste paulista: Assis, Presidente Prudente e Presidente Epitácio, esta às margens do rio Paraná.


Fazendeiros, capitalistas, comerciantes e industriais paulistas da região cafeeira de Itu, vislumbraram a ideia da criação de uma companhia férrea ligando Itu à Jundiaí, onde a São Paulo Rayway terminava. Em 1870, criam a Companhia Ituana de Estrada de Ferro, sendo que o primeiro trecho, de Jundiaí a Idaiatuba, é inaugurado em 1872, e o segundo, até Itu, em 1873. Desde então, as sacas de café, que eram transportadas no lombo de mulas ou em lentos carros de boi, passam agora por cima de dormentes e trilhos de aço. Neste mesmo ano de 1873, a Ituana inicia o ramal de Piracicaba, chegando a Capivari em 1875, a Rio das Pedras em 1876, a Piracicaba em 1877, e a São Pedro em 1883. No ano 1892 dá-se a fusão da Cia. Ituana com a Sorocabana, surgindo a Companhia União Sorocabana e Ituana, cujo proprietário era o Conselheiro Mairinque.



Carta das estradas de ferro da província de São Paulo, com as seis ferrovias: Santos Jundiaí (São Paulo Rayway), São Paulo e Rio de Janeiro (Estrada de Ferro do Norte), a Paulista, a Sorocabana, a Ituana e a Mogiana. Data provável 1878.
A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro começa com a Lei Provincial 18, de 21 de março de 1872, que autorizava a construção da ferrovia. Foi fundada em Campinas, por cafeicultores da região, dentre os quais membros da família Silva Prado (proprietários de terras em Campinas, Casa Branca, Ribeirão Preto, futuros maiores produtorores de café do mundo, nas terras roxas de Ribeirão), Antônio de Queirós Teles (depois Barão e Conde de Parnaíba) e José Manoel da Silva (Barão de Tietê).





A Companhia Mogiana de Estradas de Ferro foi fundada em 1872, em Campinas, por fazendeiros da região. Suas oficinas foram construídas no final do século XIX ou inicio do século XX e dispunham de uma rotunda de 180 graus, oficina de locomotivas, galpão para carros de passageiros, depósito de lenha e fábrica de locomotivas, carros e vagões. Acima: exterior das oficinas; abaixo: interior da fábrica de locomotivas. Acervos da Cia. Mogiana.

O primeiro trecho, de Campinas a Jaguari (Jaguariuna) foi inaugudado em 1873. Três meses depois, a estrada chegava a Mogi Mirim, sendo inaugurada com a presença do imperador Dom Pedro II. Neste mesmo ano, construiu-se o ramal de Amparo e, em 1878, a estrada chegava a Casa Branca. A principal região produtora de café, Ribeirão Preto, só seria alcançada pela Mogiana em 1883, após longa disputa com os proprietários da Cia. Paulista. Tempos depois, a Mogiana acentava trilhos no sul de Minas, com o ramal de Poços de Caldas (inaugurado em 1886) e no Triângulo Mineiro, com os ramais do Rio Grande (em 1888) e de Franca (em 1889).


A cultura do café, nos moldes em que havia se implantado no Brasil, requeria mão de obra forte e abundante, para as atividades de derrubada das matas, enleiramento, queima, plantio, tratos culturais, colheita, secagem dos grãos, armazenamento, ensacamento e transporte. Só os negros escravos estavam disponíveis, malgrado as fortes pressões para sua liberdade.



A cultura do café requeria mão de obra forte e abundante. Só os negros escravos estavam disponíveis, malgrado as fortes pressões para sua liberdade. Fazenda de café e colheita. Tela e fotografia de autores não identificados.
A alta demanda da mão de obra cativa para as fazendas de café, aliada ao fato da proibição do tráfico negreiro, fez com que os preços dos escravos mais do que duplicassem. Assim, entre 1850 e 1859, um homem entre quinze e quarenta anos de idade valia 650$000 (650 mil réis) e uma mulher, de mesma faixa etária, 63$000. No período seguinte, entre 1870 e 1879, os valores subiram para 1:800$000 (um conto e oitocentos mil réis) e 1:450$000, respectivamente, mantendo-se altos, embora com ligeira queda até 1879.


O valor das terras de cultura, por sua vez, subiu progressivamente, passando de 3$996 por alqueire em 1859, para 7$927 em 1869 e para 9$364 em 1879, atingindo patamares fantásticos depois, de 16$932 em 1889 e de 47$272 em 1899. Terras roxas de Ribeirão Preto chegaram a ser negociadas a 169$000 o hectare em 1888, e, depois, a 826$000 em 1896. No período entre 1886 e 1894, as terras se valorizaram muito em função da alta valorização do café e de quedas na produção, principalmente em 1887, quando houve redução de 50%. Com a crise no mercado consumidor americano, em 1894, houve excesso de oferta, derrubando o preço do café.



Na década de 1871-1880, o café supera 56% do valor das exportações, tendo início o período áureo da cafeicultura nacional. Ao final do século XIX e início do século XX, o café representaria de 65% a 70% do valor das exportações. Todo o café de São Paulo era trazido para o porto de Santos, através da serra do Mar, sendo embarcados em navios para a Europa e Estados Unidos. Porto de Santos no final do século XIX. Tela de Benedito Calixto.

Continua.


Referências.Marquese, R. de B. O vale do Paraíba cafeeiro e o regime visual da segunda escravidão: o caso da fazenda Resgate. An.Mus. Paul. vol.18, no.1, São Paulo, 2010Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista: Parte 14. Oeste Velho: a cultura do café possibilita a vinda de alemães e suíços para São Paulo.

Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP

Século XIX. Primeira metade. Migrações alemã e suíça no Brasil. Senador Vergueiro e a fazenda Ibicaba: a maior produtora de café do Brasil. Tentativa de substituir a mão de obra escrava pela assalariada. Revolta dos Parceiros e o fim da migração e do projeto. Coronel Schmidt: o rei do café.


Durante o Brasil Reino, muitas famílias de Friburgo (Suíça) vieram para o Brasil a partir de 1819, por solicitação de D. João VI, e se fixaram na província do Rio de Janeiro, fundando uma vila que recebeu o nome de São João Batista de Nova Friburgo (1820). Em 1824, à época de D. Pedro I, chegaram a essa vila muitas famílias de origem alemã. Nova Friburgo foi a primeira colonização planejada de suíços e de alemães que vieram para trabalhar com a maior riqueza da época: a cana-de-açúcar. Uma tentativa anterior de colonização, com idêntico propósito, no sul da Bahia, fracassara por completo. Uma terceira onda migratória, de alemães e de suíços, foi direcionada para a região Sul do país: Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Posteriormente, entre 1850 e 1859, graças ao café, outra onda foi para o interior de São Paulo.

A situação desalentadora de muitas regiões da Europa no século XIX explica as emigrações suíça e germânica para o Brasil, assim como a italiana, a portuguesa e a espanhola. Foram causas determinantes frequentes guerras, desemprego face à Revolução Industrial, condições de vida subumanas, explosão demográfica (incremento de 100% entre 1750 e 1850), fome e invernos extremamente rigorosos, causados por mudanças climáticas. Invernos congelantes ocorreram devido à Pequena Idade do Gelo, iniciada no século XIV, e às erupções do Vesúvio, no século XVII, e do Tambora, na Indonésia, que provocou, entre 1815 e 1817, o "ano sem verão. Era tal a quantidade de partículas na atmosfera que a luz solar não atravessava, deixando de aquecer a terra.

Os povos suíço e germânico estavam nessa situação e se tornaram candidatos a emigrarem para o Brasil, que, por sua vez, buscava alternativas ao trabalho escravo, assim como a “europeização” das terras imperiais brasileiras, de índios, negros e mestiços. Normalmente os imigrantes utilizavam o porto de Amsterdã, na Holanda, ou de Gênova, na Itália.

Em São Paulo, o café já estava na região central da província em 1836, o chamado Oeste Velho (Jundiaí, Campinas, Itu, Sorocaba e Limeira), que passa a produzir 12% da produção, contra 88% do vale do Paraíba.


A imigração de alemães e suíços para São Paulo está ligada à pessoa do português Nicolau Pereira de Campos Vergueiro, conhecido como Senador Vergueiro, político liberal e abolicionista. Estabelecido inicialmente na cidade de São Paulo, Vergueiro adquire uma sesmaria na freguesia de Piracicaba em 1807, onde implanta um engenho; sete anos depois, obtém outra sesmaria, nos Campos de Araraquara, onde cria gado. Mudando-se para Piracicaba em 1816 adquire, em sociedade com o também português brigadeiro Luis Antônio de Sousa Queiróz, terras na região de Rio Claro. O Brigadeiro Luis Antônio era o maior proprietário de terras da província de São Paulo e um dos homens mais ricos do Brasil. Um de seus filhos, Vicente de Sousa Queiróz, Barão de Limeira, teve quinze filhos, dentre os quais Luis Vicente de Sousa Queiróz, de que trataremos oportunamente. 

Toda esta região, que até o século XVIII era coberta por mata densa, sobre fertilíssima terra roxa, desenvolveu-se ao logo do Picadão de Cuiabá, a que já me referi, sesmarias sendo solicitadas e adquiridas principalmente pelas personalidades mais influentes e ricas, sendo transformadas, em pouco tempo, em fazendas produtivas, convertendo a região no principal pólo canavieiro de São Paulo. Muitos posseiros, sobretudo de Minas Gerais, ocupavam a região, sendo expulsos pelos proprietários legalizados. 

Uma das sesmarias mais produtivas, a de Morro Azul (onde antes existia um pouso com o mesmo nome), foi comprada pelo Senador Vergueiro em 1817, em sociedade com o Brigadeiro Luis Antônio, nela implantando o Engenho Ibicaba, de açúcar e aguardente. Com a morte do brigadeiro em 1819 a sociedade é desfeita ficando Vergueiro como proprietário único. Em 1825, passa a morar no engenho que logo se torna um dos maiores da região da freguesia de Nossa Senhora das Dores de Tatuibi (Limeira, 1826); as terras, entretanto, pertenciam ao território da recém criada Vila Nova da Constituição (Piracicaba, em 1821). Três anos depois, em 1828, começa a produção de café em Ibicaba, toda ela conduzida por escravos. Com a perda do valor comercial do açúcar, a partir de 1840, o café passa a ser a principal cultura, ocasião em que a propriedade passa a ser conhecida como fazenda Ibicaba. 

A grande demanda de mão de obra escrava necessária à cultura do café e seu elevado custo, além do forte movimento pela abolição da escravatura, levou Vergueiro a contratar famílias na Europa, para virem trabalhar, como assalariadas, em sua fazenda, o que acontece em 1846. Através de um sistema de parceria, a empresa Vergueiro e Companhia recrutava trabalhadores, inicialmente portugueses, depois alemães e suíços, que assinavam contrato antes de embarcarem para o Brasil. Nele, a empresa entrava com o capital (terra, culturas, transporte marítimo e terrestre até Ibicaba, adiantamentos para viveres e comodidades, e para compras que fizesse nos armazéns da fazenda); o trabalhador entrava com seu trabalho e com ferramentas, com os quais limpava a área, plantava, fazia tratos culturais e colhia determinado número de pés de café. O pagamento correspondia a uma porcentagem do lucro líquido anual da venda do café produzido, e a família contratada deveria saldar, com juros, todos os gastos financiados pela empresa com o transporte, os adiantamentos e as compras nos armazéns. Culturas de subsistência eram permitidas em certas áreas do cafezal e quando comercializados os produtos em excesso o trabalhador deveria pagar 50% do lucro da venda ao dono da fazenda.

Depois de Ibicaba, tal sistema de parceria, que nos Estados Unidos se chamava “sistema de endividamento”, passou a ser adotado em muitas fazendas do interior paulista.

Os primeiros colonos recrutados eram portugueses, chegados a Ibicaba em 1840. O empreendimento não vingou devido a questões políticas, abandonando o local grande número de famílias. Em 1847, 423 agricultores (64 famílias) vieram da Alemanha, juntando-se aos 215 escravos e sete famílias portuguesas que existiam na fazenda. Desse ano em diante até 1962 muitas outras famílias vieram da Alemanha e da Suíça. Na década de 1861-1870, Ibicaba era a maior produtora de café do Brasil.



A fazenda Ibicaba, fundada em 1817 pelo Senador Vergueiro, é uma das primeiras a substituir mão de obra escrava por colonos imigrantes livres, a partir de 1840. A empresa “Vergueiro e Companhia” recrutava suíços, alemães e portugueses, financiando a viagem; em contrapartida, o imigrante tinha de quitar sua dívida trabalhando por pelo menos quatro anos na fazenda. Fazenda Ibicaba: sede e terreiro de café. Foto e acervo de autor desconhecido. 

Em 1854, chegam ao Brasil, para trabalhar na fazenda Ibicaba, a duas léguas (8 km) da vila de Nossa Senhora das Dores do Tatuibi (Limeira, 1826), em Cordeirópolis (1884), os franco-suíços François Gobet e Jacinthe Conus (Jacinthe Conus Schmidt), com as filhas ainda bebês: Júlia Gobet e Marie Gobet. Procediam do cantão suíço de Friburgo (Freibourg), região plana, com altitude não superior a 700 m, nas fronteiras da França e da Alemanha, onde ambas as línguas — francês e alemão — eram faladas por seu povo. Os ancestrais de François eram franceses e de Jacinthe, alemães. Nesse cantão, na segunda metade do século XIX, existia número reduzido de famílias de origens francesa e alemã, que não passava de duzentos e cinquenta. Outro que também vinha era Pierre Jacquier.

Para chegarem à fazenda, vindos provavelmente do porto de Gênova, tiveram eles de enfrentar muitas milhas de mar bravio, a bordo de um navio a vapor, seguindo depois longo trajeto por terra, no lombo de mulas, primeiro de Santos a São Paulo, pelo antigo caminho das tropas, galgando as escarpas abruptas da serra do Mar (a Estrada de Ferro São Paulo Railway, ligando Santos a Jundiaí, passando por São Paulo, achava-se em construção e só seria inaugurada em 1867); de São Paulo ia-se a Campinas, de onde se chegava a Ibicaba, duas léguas (8 km) antes da vila de Nossa Senhora das Dores do Tatuibi (Limeira). Para a grande travessia terrestre, levam cerca de dezoito dias, no lombo de mulas e em carros de bois.

Durante o difícil trajeto, ouvem o letrado guia falar-lhes, em francês, sobre aspectos dúbios da vinda deles para Ibicaba:

— A extinção do tráfego de escravos em 1850 — diz ele — levou muitos fazendeiros paulistas a optarem por mão de obra de imigrantes europeus. — Meu patrão, o Senador Vergueiro, foi o primeiro a criar o sistema de contrato de parceria, que vocês assinaram, exigindo o trabalho na fazenda por pelo menos quatro anos; o sistema é tão bom que muitos fazendeiros de café o estão adotado em suas fazendas no interior da província. Como sabem, cabe a cada um de vocês certo número de pés de café, para cultivar, colher e beneficiar, além de roças para o plantio de mantimentos. E concluindo: — Cerca de mil imigrantes vivem na Colônia Vergueiro, onde circula moeda própria.

Além de agricultores, muitos dos imigrantes eram também excelentes artesãos, exercendo grande influência cultural, contribuindo com novas técnicas de produção, como o uso de arado para o plantio de café e o emprego de eixo móvel para carroças e implementos agrícolas. Em consequência, a oficina de Ibicaba passou a fornecer máquinas e instrumentos agrícolas para a região. Em várias ocasiões a fazenda recebeu grandes personalidades, dentre elas Dom Pedro II, a Princesa Isabel e o Conde D'Eu.



Além de agricultores, muitos dos imigrantes eram também excelentes artesãos, exercendo grande influência cultural, contribuindo com novas técnicas de produção, como o uso de arado para o plantio de café e o emprego de eixo móvel para carroças e implementos agrícolas. Fazenda Ibicaba em 1856 (de Wikipedia).

Mas o que fez François Gobet, Jacinthe Conus Schmidt, Pierre Jacquier e tantos outros suíços e alemães deixarem a fazenda Ibicaba, e se mudarem para Vila Nova da Constituição (Piracicaba) pouco tempo depois? Além das dificuldades de adaptação ao clima e culturas locais, havia a subordinação econômica que todo colono tinha ao fazendeiro. Por não conseguirem saldar suas dívidas, baseadas em contabilidade questionável, foi-se gerando crise que, em 1856, apenas dois anos da chegada deles à fazenda, culmina com a Revolta dos Parceiros, ou Insurreição dos Imigrantes Europeus. A revolta é comandada pelo mestre-escola suíço Thomaz Davatz, chegado à fazenda em 1855, que inclusive consegue dar conhecimento às autoridades suíças das condições ruins em que viviam os colonos em Ibicaba.

— Queremos melhores condições de moradia para nossas famílias — reclama um agricultor. — Não podemos continuar morando nestas taperas feitas para os escravos africanos! E, ademais, temos ainda de pagar para morar!...

Havia muita razão nisso. As casas não tinham janelas; apenas uma rústica porta, aberta para o pátio; o chão era de terra batida e não havia divisões internas. Os descontentes tinham de reformá-las, se quisessem, e às suas custas. Com ou sem reforma pagava-se uma anuidade de moradia.

— Por que temos de comprar mantimentos aqui na fazenda? — questiona outro — se aqui tudo é mais caro do que na freguesia. — Precisamos também de um ministro luterano, pois nossa religião não é a mesma deles!... de escola para nossos filhos!... de físicos (médicos) para cuidar de nossa saúde!...

Davatz, que liderava o movimento de protesto, foi chamado para uma reunião com o senador, à qual se achavam presentes importantes personalidades, inclusive o cônsul suíço no Rio de Janeiro. Ameaçado, o líder consegue avisar os colonos que, armados com paus, foices, ancinhos e algumas armas de fogo, cercam a sede. A revolta dura alguns dias, sendo acionada a Guarda Nacional para controlar a situação. Davatz é demitido e obrigado a retornar à Europa. O livro que escreveu: “Memórias de um colono no Brasil” teve, como consequência, a proibição da emigração suíça e alemã para a província de São Paulo, para trabalhos em sistema de parceria.

Outros fazendeiros paulistas trocaram o sistema de parceria pelo sistema antigo de remuneração por alqueire (13,8 litros) de café colhido. Ibicaba entra em declínio após 1856, embora nesse ano tenha sido colhida a maior safra de sua história, de quase 55 mil alqueires (27,5 t). A escravidão volta à fazenda. Em 1887, contava com 400 escravos e 50 estrangeiros livres, que não eram mais germânicos nem suíços, mas italianos.

François, Jacinthe e Pierre deixaram a fazenda entre 1857 e 1860, vencidos ou não os quatro anos do contrato, e mais outros, em que economizaram para adquirir terras e iniciar vida nova em Constituição (Piracicaba). Assim como eles, muitas famílias de suíços e de alemães vieram para a vila, que progredia não pelo café, mas pela centenária cana-de-açúcar. Estabelecem-se em grande área, onde outros imigrantes, que igualmente haviam deixado Ibicaba, também se instalam. De 1860 a 1870, desenvolvem-se o Bairro Alto, o Bairro dos Alemães e o Bairro dos Franceses (mais propriamente dos Franco-Suíços ou dos Gobet). A área adquirida por eles (atuais Bairro Nova América e Jardim Elite) cobria grande extensão de terra, desde a Praça da Saudade, em frente do Cemitério da Saudade, até o ribeirão Piracicamirim, descendo até próximo do ribeirão Itapeva (Av. Armando de Sales Oliveira). Toda essa área não era ainda urbanizada, sendo cortada por caminho que os tropeiros utilizavam para o transporte de mercadorias até Campinas, principalmente café, que daí seguia para o porto de Santos. Muitos de seus descendentes ainda vivem em Piracicaba.

Dentre aqueles que deixaram a fazenda Ibicaba, um deles notabilizou-se como grande produtor de café: Franz Schmidt (Francisco Schmidt), mais conhecido como Coronel Schmidt, o terceiro rei do café. Nascido na Alemanha, naturalizado brasileiro, vem para o Brasil em 1858, com seus pais Jakob e Gertrud Schmidt, que vinham para trabalhar como colonos na fazenda Ibicaba. Nela permanece por algum tempo, mudando-se depois para outras colônias, em São Carlos e em Descalvado. Em 1879, trabalha para a firma alemã Theodor Wille, fundada em 1844, pioneira na exportação de café pelo porto de Santos, que se torna a grande financiadora de suas fazendas, a maior das quais, a fazenda Monte Alegre, em Ribeirão Preto, é adquirida em 1890. Seu antigo proprietário (desde 1869), o Coronel João Franco de Moraes Otávio, cafeicultor, criador de gado e comerciante de escravos, teve, por esta última razão, preterido o título de barão por Dom Pedro II, durante a visita que o imperador fez a Ribeirão Preto, para inaugurar a chegada da Cia. Mogiana.

No entorno da Monte Alegre e ao longo da estrada de ferro, Francisco Schmidt compra muitas outras propriedades (60 fazendas). No inicio do século XX, havia 14 milhões de pés de café e 14 mil colonos, produzindo 700 mil sacas de café por ano, além de três engenhos de açúcar, o que fez do coronel o maior produtor mundial de café. Uma ferrovia particular escoava a produção.


Engenho Central, em Sertãozinho, propriedade do Cel. Schmidt. Foto de autor desconhecido.

Com a crise do café, Monte Alegre entra em decadência. Em 1940, o Governo de São Paulo desapropria a fazenda e, dois anos depois, nela implanta a Escola Prática de Agricultura, dando inicio à construção de vários prédios. Desativada no final dos anos 40, a escola acabou ocupada pela Faculdade de Medicina da USP, criada em 1948.

Continua.

Referência.

Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo II. Séculos XIX e XX. 403 p. Piracicaba, 2010.