Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP
Vila de São Sebastião do Ribeirão Preto (1870-1886). O café substitui culturas de subsistência e criação de gado. Eleição no Brasil Império. Fatores favoráveis à cafeicultura no Oeste Novo. Alta Mogiana e imigrantes italianos. De senzala à colônia.
As terras roxas recém descobertas na Capela de São Sebastião do Ribeirão Preto (Ribeirão Preto, 1856) atraíram muitos pioneiros, que se direcionaram ao Oeste Novo em busca de áreas propícias para seus cafezais. Com o passar do tempo e a substituição das culturas tradicionais, de subsistência e de criação de gado, pela cultura do café, o povoado cresce em ritmo acelerado, atraindo muitas famílias paulistas e mineiras. Em abril de 1870, cria-se a freguesia de São Sebastião do Ribeirão Preto, fixando-se seus limites. Pouco tempo depois, em julho do mesmo ano, paróquia é criada. Transcorrido apenas um ano da ereção da freguesia, São Sebastião é elevado à categoria de vila, com o nome de São Sebastião do Ribeirão Preto, desmembrando-se de São Simão.
Como freguesia, Ribeirão Preto passa a pertencer ao termo de Casa Branca, comarca de Mogi Mirim. Posteriormente, passa a pertencer, sucessivamente, às comarcas de Casa Branca (em 1872), de Batatais (em 1875) e de São Simão (de 1877 a 1892). Em 1878, constitui-se sede da comarca de São Simão. A elevação à cidade dá-se em 1889, passando a ser sede de comarca.
São Sebastião do Ribeirão Preto era, em seus primórdios, um conglomerado de fazendas próximas do Caminho de Goiás (que passava por Franca), apossadas pacificamente para depois serem legitimadas. Não havia pousos nessa região. Uma das primitivas fazendas era Rio Pardo, tendo pouco mais de 13.000 alqueires, apossada pelo português José Dias Campos em 1811, que, com seus filhos, abriu vários caminhos de acesso às freguesias de Batatais e de Casa Branca, via São Simão. Foi ele quem deu o nome de Ribeirão Preto ao ribeiro que corta o local. Parte da fazenda acabou ocupada por posseiros, dando origem a conflitos de terra que só foram resolvidos em 1846 com a compra de 10.000 alqueires pela família Reis de Araújo, ao preço de quatro contos de réis. Essa grande gleba deu origem a cinco fazendas. Dos 263 alqueires da fazenda da Barra do Retiro foram doados 64 alqueires para o patrimônio eclesiástico de São Sebastião do Ribeirão Preto, a fim de levantar povoado, marcando o centro da área que viria se tornar município. O processo de doação foi concluindo na vila de Casa Branca, em agosto de 1865.
Além dos Reis de Araújo outras famílias, oriundas do sul de Minas Gerais e da circunvizinhança de Mogi Guaçu, em São Paulo, começaram também a povoar a região no início do século XIX, dentre as quais Borges da Costa, Alves da Silva, Bezerra Cavalcanti, Nazareth de Azevedo e Soares de Castilho.
A vila de São Sebastião do Ribeirão Preto não tinha mais do que 5.000 habitantes quando foi criada, distribuindo-se pelas fazendas e pelo arraial. Apesar de a ereção da nova vila ter ocorrido em 1871 sua primeira Câmara Municipal só seria implantada em 1874. Os primeiros vereadores foram eleitos em votação ocorrida em 22 de fevereiro de 1874 e apurada em 18 de junho de 1874, tendo sido realizada pela Câmara Municipal de São Simão.
Durante o Império qualquer cidadão que se julgasse habilitado podia solicitar, verbalmente ou por escrito, sua inscrição no quadro de eleitores, para uma das duas categorias existentes: eleitor imediato e eleitor geral. Se fosse do sexo masculino, com idade mínima de vinte e cinco anos (exceção feita aos casados, militares, bacharéis e religiosos) poderia ser qualificado para a primeira categoria se tivesse renda anual igual ou superior a 100$000 réis, ou para a segunda se tivesse renda igual ou superior a 200$000 réis. Os eleitores imediatos tinham o direito de eleger vereadores e juízes de paz; os eleitores gerais além dos direitos conferidos aos eleitores imediatos eram elegíveis como eleitores do Colégio Eleitoral, condição que lhes assegurava o direito de votar nas eleições para deputados, senadores e conselheiros provinciais. Os eleitores gerais podiam ainda concorrer aos cargos de deputados e senadores, desde que comprovassem renda líquida anual igual ou superior a 400$000 réis e 800$000 réis, respectivamente.
A primeira Câmara Municipal da vila do Ribeirão Preto é empossada no dia 4 de junho de 1874, quando assumem funções os vereadores eleitos, tendo o coronel João Gonçalves dos Santos, de trinta e seis anos de idade, como seu primeiro presidente. Por força de lei, a presidência da Câmara era ocupada pelo vereador com maior número de votos na eleição geral. Por isso, o coronel João Gonçalves tornara-se seu primeiro presidente. Como as câmaras municipais exerciam funções meramente administrativas, o presidente da Câmara era o “prefeito” da época. Assim sendo, o primeiro prefeito de Ribeirão Preto foi o coronel João Gonçalves dos Santos. Seu mandato foi curto, entretanto, deixando o cargo em 28 de agosto de 1874, por ter tomado posse como juiz de paz, também o primeiro da nova vila.
A produção de café torna-se a primeira atividade agrícola intensiva de Ribeirão Preto. Em 1870, alguns proprietários de terras começam a formar seus cafezais; dentre eles estavam Manoel Otaviano Junqueira, José Bento Junqueira, Rodrigo Pereira Barreto e João Franco de Moraes Octávio. Pouco depois, vieram para a região Henrique Dumont, Martinho Prado Júnior e Luiz Pereira Barreto, adquirindo terras para cultivar café.
A partir de 1870, uma somatória de acontecimentos contribui para o aumento e a modernização da produção cafeeira no Oeste Novo: a excelência do solo, a legalização das terras no país, a decadência da produção cafeeira no vale do Paraíba, o movimento abolicionista e a construção da estrada de ferro Mogiana, iniciada em Campinas em 1872, passando por Casa Branca em 1878, chegando a Ribeirão em 1883. Tais características rapidamente colocam a região de Ribeirão Preto no centro da nova fronteira agrícola, assumindo a vanguarda da produção cafeeira paulista, transformando-se em uma das mais ricas regiões do país.
Em 1876, Luiz Pereira Barreto, médico formado pela Universidade de Bruxelas, escritor e cafeicultor carioca, publica diversos artigos no jornal “A Província de São Paulo” (depois “O Estado de São Paulo”) sob o título: “Terra Roxa”, onde enaltece a riqueza e a fertilidade das terras da região de Ribeirão Preto para o cultivo de café; também introduz a variedade Bourbon, originária de ilha do mesmo nome, pertencente à França, no Oceano indico. Em 1877, Martinho Prado Júnior publica um artigo no mesmo jornal, prevendo grande futuro para a região, que “têm as melhores terras para o café do Brasil e do mundo.”
Desde 1870, o café produzido no município era conhecido na Europa e nos Estados Unidos pelo nome das próprias fazendas que o produziam: “Café Guatapará”, “Café São Martinho”, “Café Monte Alegre” e outros.
Em 1883, com a chegada dos trilhos da Mogiana a Ribeirão Preto muitas estradas de ferro “cata-café” são construídas para escoar a safra da rubiácea de dentro das fazendas, substituindo, dessa maneira, as tropas de mulas. Em 1886, a população do município dobrava, chegando a quase onze mil moradores. Todos os habitantes que eram proprietários de imóveis na vila também o eram no campo. O número de fazendas com escravos girava em torno de 48%, em geral com número baixo de serviçais.
A expansão da cultura do café demandava mão de obra. A maioria dos trabalhadores era livre em Ribeirão Preto, havendo pequeno número de escravos negros. A vinda de imigrantes, principalmente italianos, assume papel fundamental na consolidação do café na vila, sendo responsável pela manutenção das lavouras mesmo antes da abolição da escravatura. A chegada da Mogiana favorece não apenas o escoamento da produção como facilita o transporte dos imigrantes, provocando a expansão da área urbana e a diversificação do comércio, quando a vila passa a ser centro distribuidor de mercadorias para as fazendas e para as cidades não servidas pela ferrovia.
A prosperidade de Ribeirão Preto, como novo centro cafeeiro, atrai diversas correntes migratórias. Após a extinção do tráfico negreiro, em 1850, o investimento em escravos deixara de ser vantajoso, provocando grande especulação nos preços dos cativos. A partir de 1881, uma lei provincial estabelecia imposto de 2:000$000 sobre cada escravo entrado na província de São Paulo. Por esse motivo, os fazendeiros do Oeste Novo, como se chamava a região de Ribeirão Preto, optam pela imigração europeia. A partir do final da década de 1880 os imigrantes europeus contam com subsídios do governo provincial para a compra de passagens até o Brasil. A maioria dos imigrantes que vem para São Paulo é de origem italiana, das regiões de Vêneto, Lombardia, Campania e Calábria.
Houve tentativa anterior de trazer norte-americanos para São Simão, em 1865. Algumas famílias de agricultores confederados, que fugiam da Guerra da Secessão, concordaram em vir, ao saber que nessa vila se produzia algodão. Entrementes, uma praga de lagartas ataca os algodoais dois anos depois, levando ao fracasso o empreendimento. As famílias mudam-se então para Americana.
São italianos, entretanto, os que se estabelecem em Ribeirão e em São Simão. Com eles as senzalas cedem seus espaços para colônias. Surge o contrato de colonato, em que o colono recebe entre 40$000 e 50$000 réis por ano, por mil pés de café cuidados. Recebe, também, de 300 a 600 réis por colheita de um alqueire de café (50 litros). Dessa forma, uma família de cinco adultos podia ganhar cerca de um conto de réis por ano. Após muito tempo de trabalho árduo e duras economias começam a comprar pequenos lotes de terras ─ sítios geralmente ─ produzindo alimentos para consumo interno.
Além dos colonos estrangeiros havia os nacionais, chamados de camaradas, que exerciam múltiplas funções, desde as corriqueiras tarefas de secagem, de armazenamento e de transporte do café, até aquelas consideradas muito pesadas para os colonos italianos, como a derrubada de matas e a implantação inicial das lavouras. Fiscais controlavam os colonos e feitores controlavam os camaradas. A gestão da fazenda ficava por conta dos administradores. Fazendeiros muito ricos levavam, com frequência, suas famílias a Paris, percorrendo a cidade luz em suas carruagens e cavalos, que seguiam junto com seus donos nos navios a vapor.
Nem todos os imigrantes que vieram para trabalhar nas lavouras de café eram agricultores na Itália. Muitos passavam por camponeses apenas para poderem vir para o Brasil. Não se adaptando à dura vida no campo ou passados longos anos de trabalho nas lavouras eles tentam negócios nas cidades, abrindo lojas de armarinhos, fábricas de cerveja, de massas, de sorvetes e de licores, pequenas indústrias de carroças e charretes, ou ainda marmorarias, joalherias, marcenarias e tantas outras. Em Franca, como em muitas cidades, havia, em 1902, quatro fábricas de cerveja, todas de italianos.
As ricas terras da Mogiana atraiam artesãos em grande número, bem como profissionais liberais, que já se formavam em escolas brasileiras. Muitos imigrantes tinham sido artesãos em seus países, passando a exercer suas profissões também no Brasil. Durante a fase áurea do café, grande número de médicos baianos aflui para diversas cidades da Mogiana.
Continua.
Referência.
Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo II. Séculos XIX e XX. 403 p. Piracicaba, 2010.
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