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quinta-feira, 21 de fevereiro de 2019

Aspectos Históricos da Agricultura Paulista: Parte 9. Tentativa colonizadora do sertão por meio de agricultura camponesa, financiada pela Real Fazenda.

Adilson D. Paschoal
Professor Sênior da Esalq-USP

1814-1821. Freguesia de Nossa Senhora das Dores da Casa Branca. Colonos dos Açores chegam ao sertão do Rio Pardo. Com os ilhéus, a esperança. Vencidos pelo sertão hostil, pela burocracia e pelo descaso, os açorianos deixam a Freguesia. Fracassa o assentamento real.


Corria o ano de 1814 quando o príncipe regente do Reino do Brasil, Dom João VI, que desde sua transferência para o Rio de Janeiro em 1808 incentivara a vinda de açorianos para o Sertão do Rio Pardo, ordena a edificação de povoado junto ao pouso da Casa Branca. Tentativas de colonização anteriores falharam por estarem os sesmeiros muito dispersos, em vasta área do sertão. Por serem experientes agricultores e contando com terras doadas pelo governo, além de apoios financeiro e técnico, os açorianos poderiam desenvolver agricultura camponesa, sem a necessidade de escravos, que custavam muito dinheiro.

A ideia de se implantar um povoamento planejado em pleno Sertão do Rio Pardo era, no mínimo, inusitada e arrojada. O objetivo do capitão-general da Capitania de São Paulo, o Conde de Palma, era aumentar o núcleo urbano, com moradores permanentes e não apenas aventureiros que para cá vinham enriquecer e depois voltar para Portugal. Por essa razão, os açorianos foram escolhidos, por serem agricultores de raiz

A escolha de Casa Branca para o assentamento planejado justificava-se pela sua posição privilegiada na Estrada de Goiás, a via principal de São Paulo, aquela de maior comércio com Minas, Goiás e Mato Grosso. A elevação de povoado a freguesia, em 1814, sob o nome de Freguesia de Nossa Senhora das Dores da Casa Branca, teve sentido político: visava desenvolver a agricultura e formar núcleos povoadores. Até a primeira década do século XIX, numeroso grupo de agricultores operava nas terras da paróquia da Casa Branca. Em 1814, havia um único senhor de engenho, vindo de Vila Rica (Ouro Preto), e noventa e três lavradores, sendo vinte e um das “Gerais”; cinquenta e dois escravos trabalhavam nas lavouras, plantando e colhendo algodão, milho, feijão, arroz e algum trigo; plantavam também cana-de-açúcar, porém o forte dos negócios era gado vacum e capado. O algodão era arbóreo, do tipo ganga, de fibras pardas, além do algodão de fibras brancas, que se tingia a maneira indígena: de vermelho, com urucum, de verde, com folhas de palmeiras, e de preto, com jenipapo. Com eles as mulheres teciam tecidos multicoloridos.

Praticava-se agricultura de subsistência, com quase toda a produção “gasta em casa”, para consumo das famílias e para venda na beira da estrada. Criadores eram apenas vinte, sendo seis da Capitania de Minas Gerais. Jornaleiros (diaristas), quase todos brancos, recebiam oitenta réis por dia nas terras onde trabalhavam; eram trinta e um ao todo. Agregados somavam setenta e cinco, havendo apenas um negociante de bois.

Neste mesmo ano de 1814, havia cento e sessenta e seis fogos (casas) nas terras da Casa Branca, com novecentos e vinte e cinco moradores; trinta e três das casas eram ocupadas por famílias mineiras. Figura marcante era o padre Francisco de Godoy Coelho, que possuia três escravos. Taberneiros, que negociavam com vendas em pousos, eram três. Dentre os artífices havia três ferreiros (com renda de 320 réis/dia), um sapateiro (160 réis/dia), dois telheiros (160 réis/dia), dois carpinteiros (320 réis/dia), e oito fiandeiras de algodão (60 réis/dia). De arriadores, que conduziam tropas para as minas, existia somente um. Escravos representavam dez porcento da população.

A ideia de se implantar um povoamento planejado em pleno Sertão do Rio Pardo era, no mínimo, inusitada e arrojada. O objetivo era aumentar o núcleo urbano, com moradores permanentes e não apenas aventureiros que para cá vinham enriquecer e depois voltar para Portugal. Paisagem. Tela de José Ferraz de Almeida Júnior

A notícia da vinda dos açorianos espalha-se rapidamente: todos se regozijam. Logo aquele sertão se povoaria e se desenvolveria, deixando de ser sertão. A vinda deles para Casa Branca animara seus moradores, pois em período anterior a esta época da colonização toda a margem do Caminho de Goiás havia sido ocupada principalmente por paulistas mamelucos, que Saint Hilaire descreve como “pouco corteses, de atitudes triviais, de ar triste, apalermado e apático... forçados, por assim dizer, a viver em meio de uma multidão de negros de camaradas ignorantes, grosseiros e viciosos.”

Cada família açoriana recebe sesmaria de légua e meia em quadra, nas terras devolutas que eles encontraram nas vertentes do rio do Peixe, no termo da vila de Mogi Mirim. A Carta de Sesmeiro do Rio do Peixe é passada em 16 de março de 1814. As terras que eles próprios escolheram — embora sem as terem visto —, não eram próprias para agricultura e, por isso, não foram ocupadas. Um dos ilhéus, de nome José de Oliveira, em requerimento ao monarca, reclama da terra recebida. No informe ao capitão-general da capitania diz ele ter recebido “huma junta de bois, huma vaca, hum machado, huma enxada, hua foice e arado, além de cem réis por dia para sua sustentação; somente não acaitou o suplicante o terreno por quererem dar-lhe hum campo que só é próprio para criação de gado.”

A vinda dos açorianos para Casa Branca animara seus moradores, pois em período anterior a esta época da colonização toda a margem do Caminho de Goiás havia sido ocupada principalmente por paulistas mamelucos. Caboclo picando fumo. Tela de José Ferraz de Almeida Júnior.

Sem terem onde ficar, estando os ilhéus provisoriamente arranchados em fazendas da região, decide-se por outra área. A escolha recai sobre as terras do coronel José Vaz de Carvalho, isso porque outras, devolutas, na margem da Estrada, não mais havia. Obtidas em sesmaria em 1791, as terras do coronel estavam em completo abandono. Por sugestão do Conde de Palma, escolhe-se uma faixa de terra junto ao ribeiro das Palmeiras (Espraiado), próxima da freguesia da Casa Branca, para arranchar os colonos dos Açores “formando alli hua Povoação, para a qual já se creou uma Frequezia nova.”

Em dezembro desse mesmo ano, vinte novos colonos dos Açores chegam à Capitania de São Paulo. Decide-se por estabelecê-los também em Casa Branca. Enquanto as casas do núcleo povoador não ficavam prontas, as famílias são arranchadas em fazendas de coronéis de Jundiaí, de Campinas e de Mogi Mirim. Simultaneamente, passa-se à busca de terras devolutas nas proximidades da nova povoação, desde que se prestassem à agricultura. Em abril de 1815, o Conde de Palma ordena à Casa da Câmara de Mogi Mirim que suspenda a concessão de sesmarias até que os ilhéus encontrem terras que lhes sejam convenientes. Sem conhecerem a região, os açorianos solicitam ao conde sesmarias de uma légua de testada por duas de fundo (aproximadamente 87 hectares; uma légua de sesmaria = 6,6 km) “nas cabeceiras do ribeirão Claro, por detraz das serras”, isso em 24 de abril de 1815. Não tendo sido reclamadas no prazo de trinta dias, a Casa da Câmara considerou as terras devolutas, dando parecer favorável aos solicitantes. A Carta de Sesmeiro do Ribeirão Claro é concedida em 5 de agosto de 1815.

A sesmaria do Ribeirão Claro na realidade era dita pertencer ao Cel. José Vaz de Carvalho, que afirmava tê-las recebido em 1791 da Casa do Conselho de Mogi Mirim, e que, por sua vontade, a havia doado para acomodar os novos colonos. Tais terras formavam a fazenda Casa Branca e ficavam do lado esquerdo da Estrada de Goiás, tendo campos adequados apenas à criação de animais.

Antes da concessão das terras de culturas, as primeiras famílias de açorianos começam a chegar a Casa Branca em maio de 1815, vindas de fazendas próximas: “No dia 15 do corrente devem começar sua marcha em partida de três a quatro famílias, e assim por diante, para se fazerem menos pesadas aos povos, e pouso onde hão de ficar.” As casas do povoamento deviam então estar prontas em maio de 1815, ou pelo menos parte delas. Dezenove famílias (uma delas ficara em Santos) vêm à Casa Branca para ocupar suas casas. Esperanças de progresso reascendem em todos.

A chegada dos colonos foi espetáculo raramente visto no Sertão do Rio Pardo, tendo sido bem recebidos pelos moradores da freguesia, conforme deixou escrito um casa-branquense anônimo: “O grupo de colonos desceu o declive de uma colina, na marcha dos viajantes peões, entre turbilhões de poeira, que evolava da estrada, orlada de plantas anãs e moitas de capim brabo. Encheram o povoado, encontrando nas arranchações dos casa-branquenses hospedagem obsequiadora e afável... Mal cerraram-se as cortinas impalpáveis da noite, todas as casinhas trancaram-se conforme é uso nas aldeias.”

Sobre o povo de Casa Branca e seu ambiente assim dizia d’Alincourt: “A gente é bisonha e desconfiada, o sítio saudável e alegre; as águas boas: um comprido vale coberto de arvoredo semicircunda o lugar e a ele vão dar outros menores, igualmente cobertos, cuja variedade forma uma agradável perspectiva.”

Os açorianos, vindos da ilha de São Miguel, a maior delas, e das ilhas Graciosa e Terceira, esta última com numerosas famílias flamengas, tinham tudo para melhorar a qualificação do povo de Casa Branca, tanto no aspecto físico, como no intelectual, sendo os ilhéus muito mais inteligentes e laboriosos do que os portugueses filhos do continente (seg. Borges Fortes). Os homens eram vigorosos, altos e bem proporcionados, com feições regulares e olhos bem rasgados. As mulheres eram elegantes e formosas. Para a emigração açoriana, escolheram-se casais jovens, com filhos menores, sendo que várias de suas filhas deixaram fama de grande beleza. “Uma raça de pessoas belas, fortes, inteligentes e laboriosas, com um lastro de mais de trezentos anos de civilização, muito ao contrário dos pobres mestiços do sertão do Rio Pardo” (seg. Amélia F. Trevisan).

Esse povo tão inteligente, laborioso e belo foi, entretanto, vencido pelo sertão hostil. Em fins de 1815, sem terem suas terras demarcadas na sesmaria do Ribeirão Claro, e apesar de já terem recebido o que o governo prometera: casa, junta de bois, uma vaca, sementes, duas enxadas, dois machados, uma foice, um arado e mesadas para seus sustentos por dois anos, enquanto não pudessem colher o que plantassem, os novos açorianos, repetindo o gesto dos cinco primeiros casais chegados em 1813, logo reclamam ao príncipe regente dizendo “ser a paragem péssima e terras incapazes para a agricultura, vivendo no maior desamparo com suas famílias”, e que “se mandados para mais longe e lugar ainda pior do que estão, os suplicantes então irão acabar seus dias de vida.”

O Conde de Palma temendo o fracasso do empreendimento, que tanto custara à Real Fazenda ordena que o juiz das medições de Mogi Mirim dirija-se a Casa Branca para demarcar a sesmaria. Também, por sua determinação, e após criticar duramente os ilhéus, chamando-os de invejosos e vadios, sem préstimo algum “que chegaram até a vender os próprios instrumentos da lavoura, aplicando o produto destas vendas fraudulentas para alimento de seus vícios, procurando depois separar-se da povoação, e seguir a vida de mendigos”, nomeia um engenheiro para inspecionar o estado em que se achava o núcleo de povoamento. Em janeiro de 1816, chega a Casa Branca o tenente-coronel do Real Corpo de Engenheiros, o alemão Daniel Pedro Muller. Em relatório que faz, e que é aprovado pelo conde, estavam as seguintes providências: 1. Pagamento aos três casais da primeira leva (dois outros haviam desistido, sendo seus paradeiros desconhecidos), de casas, bois, arados e diárias, pois nada haviam recebido, obrigados que foram a vender o que tinham, para poder se manter; 2. Distribuir, entre eles, a sesmaria do Cel. José Vaz de Carvalho, por ser próxima à povoação e ser adequada à lavoura; 3. Levantar novas casas, mais cômodas, nos terrenos da referida sesmaria; e 4. Nomear o capitão-mor Anselmo de Oliveira Leite diretor da povoação.

No mesmo mês de janeiro, para surpresa geral, o príncipe regente autoriza aos colonos que não estivessem satisfeitos no lugar da Casa Branca que pudessem “mudar para outro sítio que fosse melhor, podendo ir para Curitiba os que quisessem.”

Em outro relatório, mais detalhado, o engenheiro Muller recomenda que cada um dos três casais receba uma sesmaria de seiscentas braças em quadra (aproximadamente vinte hectares), onde seria erguida uma casa de palha com quarenta palmos de frente e trinta de fundo (8,8 m x 6,6 m, ou 58 m2), vendendo-se aos fregueses interessados as casas que tinham no povoado. Cada cabeça de casal receberia diária de cem réis mais quarenta réis por filho.

Em fevereiro de 1816, o padre Francisco de Godoy, nomeado que fora primeiro vigário de Casa Branca, oficializa ao governador um pedido do “povo deste Sertão” para que fossem “conservados estes ilhéus nesta terra tão fértil, e abundante, em razão de se aproveitarem, e aprenderem as manufacturas, e plantações do linho, vides e mais servissos que desezão aprender, e todos mui contentes ficaríamos com o estabelecimento delles nesta terra ao menos por 4 annos...”

O engenheiro Muller recomendava que cada um dos três casais recebesse uma sesmaria de seiscentas braças em quadra (aproximadamente vinte hectares), onde seria erguida uma casa de palha com quarenta palmos de frente e trinta de fundo (8,8 m x 6,6 m, ou 58 m2). Cada cabeça de casal receberia diária de cem réis mais quarenta réis por filho. Casa rústica de fazenda. Tela de Benedito Calixto.
Em tarde chuvosa de fevereiro de 1816, em uma das casinhas do povoado, o capitão-mor Anselmo Leite, mineiro de Vila Rica, capitão de ordenanças a cavalo, e que por essa época era o único senhor de engenho da freguesia, reúne-se com os colonos e o padre Godoy, para importante comunicação.

— Primeiro — disse ele — quero comunicar que recebi notícias da Corte de D. João, Nosso Senhor e Príncipe Regente, confirmando o agravamento da saúde de nossa rainha D. Maria I (que morreria em 20 de março desse ano). — Que Deus a preserve de seus males, e que o padre Francisco possa rezar missa em sua intenção, na capela que ainda está por se concluir.

Em seguida, o capitão-mor passa a ler ofício do Conde de Palma, dando conta de que o Cel. José Vaz de Carvalho cedera uma sesmaria que tinha nas vizinhanças da freguesia da Casa Branca, ficando, por esse modo, remediada, em grande parte, a queixa dos ilhéus por lhes terem concedido terras a grande distância da freguesia.

— As terras de cultura do Ribeirão Claro, e que nem se prestam a esse propósito — diz o ilhéus Manuel Antonio Machado, — distam três léguas da povoação, o que representa viagem de ida e volta de seis léguas (25 km). — Quando lá se chega quase está na hora de se voltar, conclui ele, provocando aplausos e muitos risos.

— Estamos já cansados de tantas promessas, e de promessas o inferno está cheio! — pondera outro dos açorianos, de nome Manuel Espínola Bitencourt —desculpando-se, ao padre Godoy, pelo “inferno” dito de forma tão enfática, em momento de muita ira. — Tais promessas só criaram o desamparo em que estamos vivendo, fora de nossa pátria.

A reunião estende-se por toda a tarde. A insistência do padre e do capitão-mor para que ficassem em Casa Branca, só consegue motivar quatro dos ilhéus, que se mostraram satisfeitos com o que tinham (eles haviam aproveitado a proximidade do pouso da Casa Branca e passaram a comercializar com os viajantes, em suas casinhas, estando, assim, em melhores condições econômicas). Os demais se mostraram irredutíveis. Queriam ir embora. As condições impostas por um grupo dos ilhéus eram claras: só ficariam na capitania se fossem para uma das fazendas, ou Santa Cruz ou Cantagalo. Outro grupo, em número de quatro, decide partir imediatamente para Curitiba, o que era permitido no decreto de D. João.

Em março, preocupante notícia percorre o povoado. Cinco dos ilhéus haviam fugido, com intenção de exporem pessoalmente à Corte o seu drama. O sargento-mor José Garcia Leal envia tropa ao seu encalço, encontrando-os bem distante dali. Trazidos de volta ao povoado, e após a comunicação do fato, o Conde de Palma autoriza que quatro deles sigam para Curitiba, o que só não se concretiza por doença do capitão-mor, substituído, em suas funções, pelo sargento-mor, que ordena que sigam para São Paulo.

Passado um ano sem que se resolvesse o impasse, e após nova negociação encabeçada pelo tenente-coronel Muller, em 5 de fevereiro de 1817 o capitão-general de São Paulo recebia o relatório da reunião, com as decisões acordadas: sete ficariam em Casa Branca, cinco iriam para a fazenda do Cubatão, três para a fazenda de Santana, seis para a vila de São Carlos (Campinas) e um para a cidade de São Paulo. Dos sete que optaram por ficar, um deles acabou desistindo mais tarde, dirigindo-se para a vila de São Carlos.

Despovoa-se, assim, Casa Branca, com a saída de setenta e seis moradores, permanecendo quarenta e quatro, com vários filhos nascidos na freguesia. O sertão vencera a burocracia e o descaso das autoridades.

A saída da maior parte dos açorianos de Casa Branca, em 1817, marcou o fracasso do assentamento planejado e subsidiado pela Real Fazenda e “debaixo da Augusta Proteção de Sua Majestade”, como escrevera o engenheiro Muller.

A colonização da sesmaria do Ribeirão Claro pelos açorianos talvez tivesse tido sucesso não fosse por um acontecimento curioso, narrado por Saint Hilaire: “As casas que formam a rua principal de Casa Branca, em número de vinte e quatro, foram construídas para famílias de açorianos que haviam sido trazidas para povoar a região. O governo pagara todas as despesas de viagem, e a cada família tinha sido dada uma casa, bem como implementos agrícolas e meia légua de terra coberta de mata. Os recém-chegados se assustaram diante do tamanho das árvores que tinham de derruba para fazer o plantio. Dezoito famílias fugiram, atravessaram a Província de Minas Gerais e foram lançar-se aos pés do rei, suplicando-lhe que as tirasse de Casa Branca. Foram-lhes dadas outras terras, perto de Santos, e a Vila de Casa Branca ficou praticamente abandonada.”

As terras da Casa Branca tinham matas virgens exuberantes, com perobeiras imensas, impossíveis de serem derrubadas por um só homem, ainda mais sem escravos. Por isso, os ilhéus pediram (segundo relato do sargento-mor José Garcia Leal) “sua saida para o Cubatão de Santos e Campinas com medo dos páos groços de perova que havião nas ditas terras, e foi certamente o que os desanimou.”

A burocracia, à qual se somavam o descaso das autoridades, as promessas vãs, a falta dos títulos das terras e os parcos proventos, aliados à falta de vocação agrícola das terras que lhes foram destinadas e à enorme distância que ficavam do povoado, colaboraram grandemente para o insucesso da colonização. Mesmo assim, os que partiram não deixaram de reclamar à sua majestade dos novos lugares para onde foram mandados, o que pôs em dúvida o caráter dos açorianos e se eram eles de fato bons trabalhadores, como se pensava. Para os que não foram, os infortúnios continuaram, agora com relação à legitimidade das terras.

Assim, uma sentença passada em Mogi Mirim em 1817, a favor de Antônio Soares do Prado, contra a legitimidade da sesmaria do Cel. José Vaz de Carvalho, que fora doada aos açorianos e que era contígua ao povoado, causa grande alvoroço, pois ainda os seis ilhéus não haviam recebido os títulos de suas terras.

O quinhão que cada um recebeu fora marcado em fevereiro de 1816 pelo juiz sesmeiro e pelo piloto (agrimensor), ambos da Casa da Câmara de Mogi Mirim. Para isso, como era costume na época, o sargento-mor “girou os matos” com um alferes, e a partir do pião, que era o marco inicial de medida da sesmaria, deu rumo à mesma, indicando, com cordas esticadas, a linha reta que deveria roçar fazendo picada, ou escavar o valo que marcaria os limites da sesmaria.

Cada sesmeiro tinha recebido uma área de seiscentas braças de frente por uma légua de fundo e suas casas haviam sido construídas de pau-a-pique e cobertas de sapé, “sendo intimados os povos para ajudarem aos ilheos na edificação de suas casas, e tocou-lhes como imposto 20 duzias de ripas.”

Ameaçados de expulsão das terras, que já estavam cultivando, os ilhéus se mobilizam pelos seus direitos. Depois de demorada ação judicial, que ocupa todo o primeiro semestre de 1818, o capitão-mor Anselmo Leite, reconduzido ao seu posto de diretor do povoado em março de 1817, cai em desgraça logo após a ida à Corte do sargento-mor José Garcia Leal, onde expusera ao intendente de polícia a verdadeira situação da colônia dos ilhéus. José Garcia Leal tinha ido ao Rio de Janeiro comprar escravos para seu engenho.

Destituído de sua função “por ter abandonado os casais da Povoação de Casa Branca, não lhes dando direção alguma”, Anselmo é substituído pelo sargento-mor, que, assim, se torna o homem forte do povoado.
A posse definitiva das terras só sairia em novembro de 1821, por ação do intendente de polícia junto à Corte, que assegurou aos ilhéus e aos posseiros que a eles se avizinharam, o direito de nelas permanecer. A propriedade ficou conhecida com fazenda Cachoeira dos Ilhéus, dividida em várias outras pelo final do século XIX: Morro, Bom Jesus, Prata, Morro dos Ilhéus, Capão Doce e outras.
Continua.

Referência.
Paschoal, A.D. História de uma família. Genealogia à luz da história. Tomo I. Séculos VIII a XIX. 430 p. Piracicaba, 2007.


Um comentário:

  1. Na trilha da melhor definição da historia de Casa Branca, seu trabalho brilhante de um nível já mais escrito de forma tão fácil entendimento, muitos tem escrito sobre nossa cidade mas poucos passaram a compreensão

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